sexta-feira, 16 de setembro de 2005

O CÍRCULO VICIOSO




A autoridade do Estado é posta em causa quando a autoridade do Governo se não impõe, por haver penhorado a justiça, a equanimidade e a sensatez.


Os porta-vozes do Executivo declaram que Sócrates «entrou em conflito com interesses instalados», insistindo numa «ofensiva coordenada contra os poderes corporativos». Acaso existirá uma réstia de verdade nestas impetuosas afirmações. Porém, logo que as coisas se turvam, as decisões regridem. Quanto à equanimidade - estamos conversados. A agitação social aí está. E ao envolver vários sectores das Forças Armadas e da Magistratura a situação configura um novo retrato da realidade.

Um bom Governo é aquele cujas determinações políticas e sociais, por mais impopulares que sejam, comportam uma certa ração de subtileza. E é, também, aquele que associa as suas competências à regeneração das grandes assimetrias entre pobres e ricos. O socialismo oblíquo de José Sócrates torna cada vez mais difícil o entendimento do que pretende. Todo esse socialismo tem, pressurosamente, acedido a lugares e a prebendas, de que o caso Armando Vara será o mais relevante, por clamoroso.

Proclamações de graves economistas advertem-nos, periodicamente, de que o Estado é pesado, indolente e gastador. E adiantam: assim, não vamos lá. Não sei bem o que explica este «lá». Creio que é a imagem do paraíso. Tudo isto envolve estranhas nebulosas e misteriosas incógnitas. Promete-nos, agora, o Governo que o próximo orçamento de Estado vai ser o mais duro dos últimos vinte anos. Adoça a sinistra ameaça com uma frase tão tola quanto marcada de banalidade: «É a verdade dos números». Vivemos numa farsa de Gervásio Lobato.

Não há estilo que resista. Quem trabalha vai ser esbulhado, ainda mais do que aquilo que obrigatória e violentamente é coagido a esportular. No entanto, segundo comedido relatório do Banco Mundial, bastava o Governo combater com êxito a fuga ao Fisco, e ceifar a corrupção para que os portugueses beneficiassem de um nível de vida semelhante ao dos finlandeses. Nunca mais seremos como os finlandeses.

O PS nunca aprendeu a opor-se a si mesmo, ou seja: a contrariar as tendências que o fundaram. Uma delas pretendiam legitimar a frase: «Partido Socialista, partido marxista». Se, com atenção meticulosa, repararmos nos nomes dos seus criadores, e no retrato de família, obtido numa estância da Alemanha, cedo chegamos à conclusão de que nem um deles era atraído por Marx - sequer, acaso, alguma vez lhe frequentara os textos. O próprio Mário Soares tem confessado, com irónica bonomia, que, em moço, apenas folheara algumas páginas esparsas. Não é de espantar. A mulher de Marx escreveu que o marido escrevera «O Capital», mas nunca o lera.

Carlos Fuentes, o grande escritor mexicano, escreveu, em tempos, esta frase lapidar: «A Esquerda, saudosa do que já não foi, não pode ser uma Esquerda construtiva do que deve ser». Por estas e outras razões, o PS tem demonstrado naturais insuficiências quando está no Governo. A ausência de uma teoria adequada às necessidades contemporâneas tornam-no numa presa fácil de interesses e cegamente atraído por cumplicidades, cada dia mais claramente desvendadas.

Seis meses depois da maioria absoluta que os eleitores lhe depuseram nas mãos, os socialistas só fizeram salgalhadas. É verdade que José Sócrates nunca proclamou ir praticar uma política socialista; todavia, a bandeira sob a qual fez promessas é a do PS. E que é, na realidade, «política socialista»? Não desejo entrar numa discussão de desassossegadas analogias ou de inquietas metáforas sobre o real significado do socialismo-hoje.

Mas esse debate interessará a alguém? Aliás, penso que nenhum debate político interessa, hoje, a ninguém. As pessoas reagem superficialmente à própria noção de identidade. Como se dá a volta (e de quem é a responsabilidade, senão dos governos consecutivos) à escabrosa evidência de que os alunos portugueses são, nos trinta países da OCDE, os que passam menos anos na escola? Repare-se nos níveis de despesa pública, «bête noir» dos governos que procuram desculpas para a pessoal ineficácia. As supressões recaem, sempre, naqueles dos mais vulneráveis, e nos sectores absolutamente sociais: saúde, educação, cultura, previdência. O círculo vicioso das nossas urgências, sem se descortinar solução.


Baptista Bastos

1 Comments:

At 17 de setembro de 2005 às 09:16, Anonymous Anónimo said...

O QUE DIZ O POVO:

O problema não se coloca tanto no facto de António Vitorino ser deputado ou não. Não me faz especial confusão que ele seja deputado e represente o Estado numa negociação. O problema reside em que temos a mesma sociedade de advogados a representar dois clientes com enteresses poencialmente conflituantes entre si. Interesses que têm uma importância fundamental para a definição do modelo energético do país, que será derterminante para a correlação de forças no MIBEL.

O que é relevante aqui é toda a mistura de administradores ex-ministros que convidam um ex-colega de governo que é sócio de uma sociedade que representa um seu accionista minoritário, com interesse directo na decisão a ser tomada pelo accionista maioritário quanto à configuração futura da empresa, que pode ter um impacto determinante na própria forma de actuação desse accionista no seu mercado relevante. Accionista esse que é igualmente ex-ministro sob o mesmo PM. Até pode ser coincidência, mas que tresanda, lá isso tresanda.

 

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