quarta-feira, 7 de setembro de 2005

O TRIBUNAL POPULAR

Vários dos autarcas suspeitos de crimes cometidos no exercício de funções públicas (corrupção, peculato, abuso de autoridade) invocaram publicamente a presunção de inocência resultante da ausência de condenação judicial definitiva para justificarem a respectiva recandidatura e apelarem à reeleição em Outubro próximo.

As razões específicas têm variado de caso para caso, porque as circunstâncias processuais penais são diferentes segundo a personagem em causa, mas pressupõem sempre a ideia de que o eleitorado constitui uma espécie de tribunal popular, que absolve ou condena através da reeleição ou da derrota.

Nada de mais errado e de profundamente equívoco, exactamente porque o domínio da política não coincide com o do direito penal.

Os crimes cometidos por autarcas por ocasião das respectivas funções são algo de muito nefasto para a vida pública e, desde logo, para a credibilidade do Poder Local democrático.

A vox populi fala de numerosos casos, um pouco por toda a parte. Ocasionalmente, as águas agitam-se por ocasião de alguma declaração mais mediática e o tema da corrupção e dos crimes afins adquire mais visibilidade na comunicação social.

Porém, a vida dos autarcas corruptos tem sido mais fácil do que seria desejável:
É sabido que a prova judiciária deste tipo de crimes constitui, pela sua natureza, algo de extraordinariamente difícil o que, somado a eventuais deficiências na investigação e ao regime eminentemente garantístico do nosso processo penal, permite supor que haverá milhentos casos de crime sem punição jurídica.

Esta razão (prática) bastaria para não confiar apenas no domínio penal para afastar do poder os autarcas corruptos: Enquanto se não aperfeiçoarem os meios de investigação e, até alguns dos instrumentos legislativos aplicáveis, parece claro que, apesar de louváveis esforços de polícias e magistrados, serão muitos os fracassos jurídicos no combate à corrupção autárquica.

Até lá, nada se poderá fazer? Seguramente que, em sociedades abertas e maduras, o contributo de cada cidadão conta, no combate a este flagelo.

Ora, é exactamente porque a política não está no âmbito do Direito Penal que algo pode e deve ser feito independentemente por cada um, em prol do saneamento das nossas autarquias.

Antes de ser jurídico, o problema da corrupção é cultural e procedimental.

Cultural: Os portugueses são relativamente tolerantes face à lesão da coisa pública, exactamente por lhes faltar consciência cívica e abundar o medo e a ignorância.

Procedimental: A corrupção grassa em sociedades atrasadas, como a nossa, onde uma teia imensa de burocracia na formação da decisão pública favorece as práticas criminosas dos agentes e a respectiva impunidade.

Assim, quanto maior for o padrão de exigência do eleitor mais difícil poderá ser enganado pelo político desonesto.

Atrevo-me a sugerir alguns critérios de aferição, nenhum deles, claro está infalível ou suficiente:
O autarca é demagogo na sua argumentação?
Enriqueceu subitamente, apesar da magreza do salário?
Na campanha em curso, promete tudo a todos?
Chega a oferecer bens e utilidades?
Anuncia muitas obras públicas, já no próximo mandato?
Ou favorece a instalação de bibliotecas e de espaços verdes?
Quem o rodeia?
Os amigos dele têm cadastro ou estão indiciados?
Abundam excessivamente os meios na respectiva campanha, por referência à respectiva dotação legal ?
Moral da história: Muitos dos autarcas corruptos poderão já em Outubro ser derrotados pelo voto.
Os eleitores, sendo argutos, deverão tomar conta da ocorrência sem esperar pela Polícia Judiciária, para erradicar, onde a houver, a erva daninha.


Júlio Pinheiro

7 Comments:

At 7 de setembro de 2005 às 14:41, Anonymous Anónimo said...

Grande tiro no centro do alvo!

 
At 7 de setembro de 2005 às 15:40, Anonymous Anónimo said...

Em Portugal, a corrupção é o caminho certo da eleição. Quem se preocupa com o Estado? Desde que sobre alguma coisa para mim. E com um político corrupto no poder é sempre mais fácil que sobre alguma coisa...
O slogan dos nossos presidentes de Câmara devia ser:
«COM CORRUPÇÃO TENHO GARANTIDA A ELEIÇÃO».

 
At 7 de setembro de 2005 às 16:05, Anonymous Anónimo said...

“O TRIÂNGULO QUE POSSIBILITOU
A REALIZAÇÃO HISTÓRICA
DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES




Diz o nosso amigo Paulo Vallada, na sua obra A Utopia Viável (226), que fundamenta o seu pensamento em trilogias porque a primeira figura geométrica estável é o triângulo: «é uma figura indestrutível» (227). Esta ideia das tríades e das trilogias é universal e teve uma expressão acentuada na cultura céltica, onde tudo era visto numa perspectiva tripla.

A visão tripla da Natureza tende a transcender a dualidade e harmonizar todos os elementos naturais. No triângulo hindu das três gunas temos na base rajas ( o pólo positivo da Natureza; a acção) e tamas ( o pólo negativo; a inacção, a conservação), elementos (correspondem ao yin-yang chinês) (e, diria eu, à misericórdia e à justiça judaica, muçulmana e cristã) que tendem a entrar em conflito, mas no topo do triângulo está satwa (corresponde ao tao chinês) (e, diria eu ao equilíbrio cristão, muçulmano e judaico) que os harmoniza. A Natureza parece querer transmitir-nos que existe uma terceira via que transcende a dualidade, uma coincidentia oppositorum que integra e harmoniza os opostos. A lógica do terceiro incluído proposta por alguns cientistas actuais, entre os quais Basarab Nicolescu (228), assenta nesta visão triangular.

Na linha deste pensamento que parece estruturar a própria Natureza, consideramos que a realização do Projecto dos Descobrimentos Portugueses ( que nos colocou no centro da História, diria eu) foi possível graças à conjugação de três factores que se complementaram entre si, constituindo um todo:

A – CORAGEM. Foi grande a heroicidade que os portugueses demonstraram, quer a combater tropas inimigas muito mais numerosas, quer a enfrentar as adversidades nos mares desconhecidos. Para além da bravura guerreira e da resistência face às adversidades, houve um espírito de aventura que se apossou de muitos portugueses e que ultrapassa toda a forma de entendimento.
Por derivação etimológica e fonética ( cor agem ) poderemos considerar que a coragem significa agir com o coração – cor significa «coração» em latim e agere «impelir, fazer avançar, agir».

B – MÍSTICA – A carga mística foi muito forte no primeiro século dos Descobrimentos Portugueses. O Culto do Espírito Santo, o cristianismo português, a Demanda do Graal e do Preste João e as navegações míticas deram ao Projecto a intensidade espiritual necessária para uma aventura de tão grande dimensão.

C – CIÊNCIA – É a pedra de toque dos Descobrimentos Portugueses. Foi o método organizativo, aliado a um pensamento de cariz científico, que deu uma dimensão genial à epopeia lusíada. Mística e coragem encontramo-la em toda a Idade Média europeia, mas dificilmente encontramos um pensamento de cariz científico. No entanto, sem os outros dois lados do triângulo não teria sido possível concretizar o Projecto.

( Segue-se um triângulo equilátero: num dos vértices da base está a Ciência e no outro a Mística; a Coragem, equilibradora, está no vértice superior)”

In: “Dos Templários À Nova Demanda Do Graal”, de Paulo Alexandre Loução, da Ésquilo

 
At 7 de setembro de 2005 às 16:30, Anonymous Anónimo said...

O origem dos problemas pode em geral estar num único indivíduo.
Alguém que se presuma forte, um demagogo, um agitador, um arrogante que só procura a humildade quando está na mó de baixo, enfim, o chamado envenenador da boa vontade. Se se der espaço a essas pessoas para agirem, outros pequenos "ditadores" disfarçados de democratas se multiplicarão como formigas e assaltam a cidade.
Não se espere, pois, pela multiplicação das moscas nem das formigas, nem nunca se tente negociar com umas e outras, pois elas são irredimíveis. Neutralize a sua influência isolando-as ou até banindo-as.
Como?

Falando verdade, sem medos nem medo. Recordo aqui a vox de João Paulo II: Não tenham medo... Isto aplica-se a Ponte de Sor.

 
At 7 de setembro de 2005 às 21:11, Blogger J said...

Parabéns, Júlio Pinheiro, pelo seu texto. Só duas questões: a)Estará correcto dizer que um País que fez os Descobrimentos de Quinhentos é um país atrasado? Não estará antes dormente, como dizia o grande Pessoa?; b)Quando os candidatos são todos suspeitos, mais não seja de oportunismo, será suficiente para os punir o voto e o tribunal?

 
At 8 de setembro de 2005 às 10:44, Anonymous Anónimo said...

" ... De facto, este handicap da actividade industrial persistiu em Portugal, tornando-se dramático a partir do século XVI, quando os líderes portugueses não encontraram estratégias sólidas de investimento económico para as riquezas provenientes da Carreira da Índia.Ainda hoje estamos a sofrer por não se ter desenvolvido uma forte burguesia industrial na época que se segui às grandes descobertas - faltou evidentemente génio político e organizativo aos governantes a partir do séc. XVI...",

e: " Como disse António Pinto Leite, num interessante artigo sobre o português e o mar, «(...) o mar, o Atlântico desequilibrou-nos. Ao pé da sedução e do mistério do mar, tudo é relativo, tudo é pouco.(...)poucas coisas valem a pena, só as grandes coisas valem a pena.» O antropólogo Jorge Dias confirma esta asserção: « As virtudes e os defeitos [do português] mantiveram-se os mesmos através dos séculos, simplesmente as suas reacções é que variam conforme as circunstâncias históricas. No momento em que o Português é chamado a desempenhar qualquer papel importante, põe em jogo todas as suas qualidades de acção, de abnegação, sacrifício e coragem, e cumpre como poucos. Mas se o chamam a desempenah um papel medíocre que não satisfaz a sua imaginação, esmorece e só caminha na medida em que a conservação da existência o impele. Não sabe viver sem sonho e sem glória. Estagna assim na apatia do espírito, faz a crítica acerba contra o que não está àquela altura a que aspira ou cai na saudade negativa, espécie de profunda melancolia.» Retirado de:"Dos Templários à Nova Demenda do Gaal", de P.A. Loução

 
At 8 de setembro de 2005 às 11:52, Anonymous Anónimo said...

O pior é que o povo português começa a pensar como o povo brasileiro: "Aquele político rouba mas faz!..."

 

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