segunda-feira, 10 de outubro de 2005

OPINIÃO

Autárquicas e política nacional

Ao contrário do que se disse e pensou nas eleições de Fevereiro, o país não é esmagadoramente de esquerda.

As eleições de ontem serão evidentemente muito comentadas hoje e nos próximos dias ou semanas. Interessa-nos aqui tentar extrair algumas conclusões plausíveis para a evolução da política nacional, com repercussões na própria economia.

Em primeiro lugar, convém salientar a reposição de um mapa político que não tem nada a ver com o de Fevereiro passado. Ao contrário do que na altura se disse ou pensou, o País não é esmagadoramente de esquerda e o Partido Socialista não tem o apoio cego e acrítico da maioria do povo português. Destas eleições sai um quadro muito mais equilibrado, no qual sobressaem políticos de grande categoria pessoal, que muito impacto tiveram no resultado final. Por outras palavras, os eleitores dizem claramente que seria bem melhor para o País se o Partido Socialista se dispusesse a ouvir mais os outros partidos, a partilhar mais o poder e, sobretudo, a reconhecer que há gente de grande categoria que não está no PS, pelo que seria melhor que não fosse essencial pertencer ao Partido Socialista para se poder servir o País.

O segundo ponto muito importante é a exasperante eleição de quem está a contas com a justiça. Não só estes candidatos venceram, serviram-se também das suas vitórias para atacarem a democracia portuguesa, os partidos que são os seus pilares fundamentais, os órgãos de comunicação social, etc. Nunca é demais deplorar este estado de coisas. Não se pode culpar só os eleitores: quando as mais elementares regras de um estado de direito não são aplicadas, quando a justiça dá de si própria uma imagem lamentável de ineficácia e mesmo de cumplicidade, quando os partidos não apresentam uma frente de grande solidez contra comportamentos evidentemente corrosivos da confiança dos eleitores, não surpreende que outros valores se levantem e o povo acabe por votar por motivos pouco racionais, mas de grande impacto emotivo. A democracia tem de ser defendida: se as instituições não funcionam e, pelo contrário, geram o descrédito generalizado, não se pode contar só com o bom senso do povo para tudo resolver.

Nos casos destes concelhos de escândalo, o resultado eleitoral deve ser interpretado acima de tudo como um gigantesco voto de desconfiança – ou mesmo de desafio -– na justiça portuguesa, nos seus métodos, nos seus responsáveis, nos seus profissionais. E não há nenhum país desenvolvido que subsista a uma decadência sistemática do sistema de justiça.

Por último, em concelhos de grande importância –como Lisboa e Porto, mas muitos outros também –, os eleitores escolheram autarcas que se distinguem pela sua competência pessoal, que não se limitaram ao politicamente correcto, que exerceram as suas responsabilidades com seriedade e sem fugir ao difícil. Os candidatos de perfil mais político, que se apresentaram com programas extravagantes e pouco credíveis, foram devidamente sancionados pelo eleitorado. Podemos portanto contar a confiar na lucidez dos eleitores, pelo menos nos casos em que a racionalidade da escolha pode vir ao de cima.

Este ponto é da maior importância para o futuro da economia portuguesa: as decisões que hoje são tomadas ao nível local – sobretudo nas grandes cidades – representam uma parcela crucial de todo o processo de desenvolvimento económico e de definição de equilíbrios fundamentais entre objectivos muitas vezes contraditórios. Estas decisões têm de estar entregues a homens e mulheres de grande competência e seriedade – e não apenas a políticos para quem uma câmara é apenas um trampolim para outras ambições. Se for esta uma das interpretações possíveis destas eleições, ela é seguramente bem-vinda.

Por todas estas razões, temos hoje motivos de alguma satisfação, num panorama económico e social em geral tão deprimente. Esperemos agora que os nossos responsáveis, designadamente os do Governo, reconheçam que fariam melhorem escutar o que os eleitores lhes estão a querer dizer: abandonem a arrogância que as últimas legislativas criaram, sentem-se à mesa com os autarcas agora eleitos, ouçam as vozes construtivas da oposição e dediquem-se exclusivamente a resolver os problemas do País. Se mudarem de método terão certamente muito mais probabilidade de êxito.

António Borges

6 Comments:

At 10 de outubro de 2005 às 14:59, Anonymous Anónimo said...

As eleições são um verdadeiro bolo-rei. Têm um brinde e uma fava. Como é óbvio, antes dos resultados serem definitivos, o PSD considerava que iria ter direito ao brinde. O PS estava convicto que a fava estava destinada a si mas que poderia ser degustada com uma cobertura de mel. Sabe-se que os partidos políticos fazem das derrotas uma espécie de vitórias menores.
Mas estas eleições estavam destinadas a ser verdadeiros semáforos: um, vermelho, para um Governo que conduz sem destino. Outro, verde, para uma oposição que não sabe em que via deve apostar velozmente. As eleições autárquicas foram uma espécie de viagem para a margem onde os partidos apostam como em Las Vegas: no tudo ou no nada. As presidenciais são, para o PS e para o PSD, o «tarot» do seu futuro próximo.

Estas autárquicas foram uma espécie de aproximação da lotaria. Permitiram analisar melhor as tentações dos eleitores. As suas desilusões e desejos. Por isso, mesmo perdendo, alguns ganham. Podem abrir os olhos. Outros, ganhando, entendem quais são as fontes que podem alimentar a sua juventude eleitoral. Mas o país, no meio destes resultados, continua a medrar. É como uma figueira atingida pela seca. Dificilmente dará figos doces.

 
At 10 de outubro de 2005 às 15:00, Anonymous Anónimo said...

Seis escassos meses após a esmagadora vitória concedida ao eng. Sócrates, os portugueses decidiram manter as suas maiores cidades nas mãos da direita. Ou seja: este país mostrou uma vez mais que sabe exactamente o que está a fazer, que distingue com uma frieza flagrante os planos das suas escolhas e, por conseguinte, revela um grau de maturidade que políticos e jornalistas insistem menosprezar.
Há, evidentemente, muita gente irritada com o Governo socialista. Sobretudo as pessoas directamente atingidas pelas medidas nos regimes de saúde e segurança social da função pública.

Mas o Porto vota massivamente em Rui Rio por essa razão? Há assim tanta administração do Estado em Vila Nova de Gaia que justifique a renovação do mandato de Luis Filipe Menezes?

As medidas impopulares adoptadas pelo Governo são apenas uma parte da explicação. Uma pequena parte. Na Área Metropolitana de Lisboa, certamente, onde moram um quarto da população portuguesa mas a esmagadora maioria dos funcionários públicos.

No resto do país, não. Quem insistir numa leitura nacional destes resultados autárquicos e, a partir dessa leitura, exigir uma «marcha-atrás» na política do Governo é quem não entendeu nada.

Não entendeu as razões da formidável reeleição do presidente da Câmara do Porto. Que reforça apoios sem cedências ao populismo. Até Francisco Assis, um dos bons produtos do guterrismo, caiu na tentação de ir à boleia de Pinto da Costa e dos vendedores «expulsos» do Bulhão.

Não entendeu sequer a razão da vitória de Felgueiras. Essa senhora que, como ainda ontem se confirmou, é um dos perigos construídos pelo pior do sistema, que se revolta contra ele e mobiliza, da forma mais perversa, as pessoas que perderam a confiança na política e nos políticos.

Não entendeu, por fim, o pragmatismo com que o eleitorado português se manifesta nas urnas de voto.

Este país está escondido no dia-a-dia, foi incapaz de, até hoje, criar uma sociedade civil forte e actuante. Este país de iletrados, não lê livros, não compra jornais, ora fala da bola do fim-de-semana que passou, ora antecipa os jogos do domingo que vem.

É um país diferente, quando vota. No poder local sempre foi diferente das legislativas. Agora, mais ainda. Sem ideologias. Com critério, com racionalidade. Mesmo pagando o preço da eleição de espécimes populistas.

Mas este gigantesco movimento pendular, em que milhões votam PS em Fevereiro e PSD em Outubro não é desnorte. É um estímulo.

É o mesmo país que se defendeu há quatro anos, quando um Governo fugia aos problemas. E é o país que, consciente da crise que atravessa, vai escolher brevemente um Presidente que ajude à solução, em vez de agravar a situação.

Só há uma «leitura nacional» possível a estas autárquicas de 2005: Sócrates tem de prosseguir as reformas, enfrentar a tormenta e continuar a governar sem se preocupar com eleições. Enfim, tem de provar que está à altura do povo que o elegeu.

 
At 10 de outubro de 2005 às 16:46, Anonymous Anónimo said...

Efeitos colaterais
Não a vale a pena a tentativa do PS de negar que uma parte da desfeita eleitoral tem a ver com efeitos colaterais da acção do Governo. É patente que assim é; e nem sequer é surpreendente. Surpreendente seria que não tivessem efeitos nem a grave situação económica e financeira do País nem as medidas de austeridade que atingiram a generalidade das pessoas (como a subida do IVA), ou largos sectores sociais, como são os funcionários públicos, em geral (como o aumento da idade de reforma), ou certos segmentos deles, em particular (como os beneficiários dos regimes especiais), isto sem falar de outros aspectos menos positivos da acção governamental, como algumas nomeações mal-avisadas e decisões controversas insuficientemtente fundamentadas (como os grandes investimentos públicos).

Vital Moreira

 
At 10 de outubro de 2005 às 17:45, Anonymous Anónimo said...

O PSD conseguiu em Ponte de Sor o resultado que se estava à espera. Elegeu um vereador e chegou perto dos 1500 votos, beneficiando do grande descontentamento popular com as recentes medidas do Governo e com os tiros no pé que José Sócrates vem dando desde Abril do corrente ano. Este descontentamente permitiu que parte do eleitorado do PSD de Ponte de Sor regressasse a casa. Com efeito, o PS só conseguiu segurar os estragos em Ponte de Sor à conta do eleitorado comunista que se converteu em peso aos socialistas. O eleitorado comunista anda sempre atrasado. Por isso, é natural esta tardia conversão...

 
At 11 de outubro de 2005 às 09:01, Anonymous Anónimo said...

O DERROTADO LONDRINO

É ter os melhores resultados nas autárquicas quando tem os piores líderes, o que consolida a posição destes levando a que se torne difícil a sua substituição; a esta hora António Borges deve estar a meditar sobre esta questão, concluindo que vai ter que esperar mais do que esperava para chegar à liderança do PSD, antes dele o partido tem que seguir a sua sina, e depois de Durão Barroso e Santana Lopes vai ter que fechar o ciclo de maus dirigentes levando a liderança de Marques Mendes até ao fim. O mesmo deverá estar a pensar Manuela Ferreira Leite, mas esta terá a vantagem de discutir o seu futuro directamente com Cavaco Silva.

 
At 11 de outubro de 2005 às 09:59, Anonymous Anónimo said...

O sítio votou. Desta vez para as autárquicas, para o extraordinário poder local, o mesmo que deixou esta terra no estado a que chegou, isto é, feia, porca e repleta de patos-bravos. O povo elegeu os "bandidos" de Louçã - só Avelino ficou de fora -, deu uma enorme vitória ao PSD de centro-esquerda de Marques Mendes, varreu das autarquias os centristas de esquerda de Ribeiro e Castro, premiou o populismo bailarino do comunista Jerónimo de Sousa, deixou o Bloco de Esquerda cheio de esperanças e castigou fortemente o Partido Socialista. Seiscentos mil cidadãos que ajudaram à festa da maioria absoluta em Fevereiro decidiram, agora, mudar de voto e mostrar um óbvio cartão amarelo ao eng. José Sócrates. Pelas piores razões.

Goste-se ou não do primeiro-ministro e do seu estilo de governar, a verdade é que o secretário-geral socialista não merecia uma derrota eleitoral ainda pior do que a que levou António Guterres a abandonar o Executivo naquela noite fria de Dezembro de 2001. Então o sítio estava verdadeiramente num pântano e o partido do Largo do Rato desejava abandonar um barco irremediavelmente perdido. O comandante percebeu a situação e, ao contrário da ética naval, foi o primeiro a atirar-se à água. Agora tudo é diferente.

O eng. José Sócrates continua a ser socialista, estatista e um adepto ferrenho do Estado social falido. É verdade. O eng. José Sócrates continua a defender a presença do Estado nos negócios, fala nos espantosos centros de decisão nacionais, adora modelos e planos para os imaginários sectores estratégicos e ainda acredita que o investimento público é a mola real do desenvolvimento económico. É verdade. O eng. José Sócrates continua a nomear amigos, compadres e clientela em geral para lugares no Estado e nas empresas públicas, na linha do que fizeram outros primeiros- -ministros, do PS ou do PSD, sozinhos ou em coligação. É verdade.

Mas também é verdade que o eng. José Sócrates tem mexido nos privilégios e mordomias escandalosas da administração pública, encostado à parede lobbies e corporações, dos juízes às Forças Armadas, passando pelas forças de segurança, medidas corajosas que deviam deixar a dita direita cá do sítio cheia de vergonha.

É por isso que esta derrota eleitoral do PS é mais um sinal do estado a que isto chegou. Uma apagada e vil tristeza terceiro-mundista de um sítio falido, sem esperança e cada vez mais mal frequentado. O voto de 9 de Outubro nas eleições autárquicas e a vitória do PSD de centro-esquerda de Marques Mendes são mais uns pregos ferrugentos para este pobre e miserável caixão lusitano.

António Ribeiro Ferreira
Diário de Notícias de 11/10/2005

 

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