segunda-feira, 31 de outubro de 2005

OPINIÃO

CARTA ABERTA SOBRE ELEIÇÕES PRESIDÊNCIAIS
As condições em que o país se encontra não são tais que exijam como Presidente da República um homem eminentemente político. Pelo contrário, o que considero que precisamos neste momento na Presidência é de um homem ou de uma mulher que não esteja refém de qualquer aparelho partidário, capaz de dizer as verdades doa a quem doer.

Hoje, 9 de Outubro de 2005, há quatro candidatos presidenciais declarados, na chamada “área da esquerda” e, curiosamente não há nenhum na chamada “área da direita”.

Porém, para quem como eu se sente mais identificado com a área ideológica da esquerda, pouco me importa quem serão os candidatos da direita, já que o meu voto não irá incidir neles. A razão desta carta é que houve dois desses candidatos que me convidaram a declarar o meu apoio à sua candidatura.

Talvez convenha explicar sinteticamente o que é para mim o conjunto dos valores da esquerda, ainda que esteja perfeitamente consciente de que se trata da minha ideia de esquerda, logo, eivada de subjectividade, tal como estou consciente que há pessoas que se consideram de direita e que defendem alguns dos valores que, na sua globalidade, para mim caracterizam a esquerda.

Os valores que considero fundamentais são:

— a democracia representativa, sem prejuízo do recurso à democracia directa em determinadas circunstâncias e condições bem definidas;

— a preocupação com a qualidade de vida das pessoas mais desfavorecidas, seja por dificuldades financeiras, seja por outras razões;

— o respeito pela liberdade do indivíduo e a consequente não interferência do Estado, a não ser no que é essencial para garantir o bom funcionamento da comunidade;

— o conservacionismo em matéria ambiental e de património;

— a honestidade a todos os níveis;

— a importância de uma educação que seja tão abrangente quanto possível, mas sem que isso signifique o nivelamento por baixo;

— o reconhecimento da absoluta necessidade da existência de elites — sem elites não há excelência e sem excelência o país não progride. Essas elites devem ser devidamente recompensadas, embora dentro de critérios de razoabilidade, mas é igualmente necessário que o ser parte da elite traga responsabilidades acrescidas, não privilégios especiais;

— o acesso à cultura;

— finalmente e, talvez, mais importante que tudo o resto, o respeito pelo ser humano e a consciência de que todos somos diferentes, mas que também somos todos iguais.


Jerónimo de Sousa é o candidato do Partido Comunista Português e, apesar de se ter revelado nas eleições legislativas como um candidato com um carisma surpreendente, representa uma visão da esquerda, a meu ver, demasiado restritiva e ortodoxa.

Francisco Louçã é um homem que admiro e com quem simpatizo. Além disso, considero que o Bloco de Esquerda se tem revelado um pequeno partido de grande actividade parlamentar, muitas vezes de alta qualidade, que desempenha um utilíssimo papel na nossa sociedade enquanto intransigente guardião de certos valores. Pena é que o Partido Socialista o veja mais como um inimigo do que como um aliado.

Porém, considero-o excessivamente esquerdista e, por vezes com um radicalismo que tem qualquer coisa de demasiado imaturo para desempenhar adequadamente o papel de Presidente de todos os portugueses.

Mário Soares é, sem dúvida, uma figura ímpar entre os políticos portugueses, um homem de cultura que defende os valores do humanismo, que teve uma influência determinante e, dum modo geral, francamente positiva na história do nosso país. Porém, é uma pessoa por quem tenho uma admiração cheia de ambivalências, embora nutra grande simpatia por ele e de quem recebi atenções pessoais. Considero que foi, nas circunstâncias em que o foi, talvez o melhor dos nossos presidentes e é com mágoa que o digo, pois entendo que Jorge Sampaio, de quem gosto muito e me considero amigo, ficou aquém do que o seu passado e a sua personalidade prometiam. Mário Soares é, por excelência, o “animal político” mais extraordinário que conheço no nosso país e, se o admiro por isso, também me assusto com o facto de ser muito mais político do que qualquer outra coisa e de, para ele, a visão do mundo ser quase necessariamente política.

Ora, creio que as condições em que o país se encontra não são tais que exijam como Presidente da República Portuguesa um homem eminentemente político. Pelo contrário, o que considero que precisamos neste momento na Presidência da República é de um homem ou de uma mulher que não esteja refém de nenhum aparelho partidário, independentemente de ser ou não filiado num partido. Precisamos de um presidente que seja capaz de dizer as verdades doa a quem doer. Precisamos de um presidente que seja suficientemente pouco político, para que nos possa ajudar a voltar a acreditar na política.
Precisamos de um presidente que seja capaz de exigir aos políticos que se comportem como verdadeiros políticos, no sentido mais profundo e abrangente da palavra, e não como os politiqueiros que temos, na maior parte dos casos, visto grassarem e prosperarem em cada vez maior número, seja na capital, seja pelo país fora. Acresce que o Presidente da República é um órgão de soberania unipessoal e não partidário.


É por tudo isto que escolho apoiar a candidatura de Manuel Alegre.

Presidente da Fundação das Casas de Alorna e Fronteira
9 de Outubro de 2005, antes dos resultados eleitorais das autárquicas

Fernando José Fernandes Costa Mascarenhas


In:Público, 18.10.05

9 Comments:

At 31 de outubro de 2005 às 19:40, Blogger J said...

Sabemos que tivemos maus reis, mas também os tivemos bons e enormes. Recordo Afonso Henriques, Dinis, João I, João II, João IV, Manuel I... Mas, que presidentes extraordinário tivemos? Também me faz confusão, apesar de compreender, ver monárquicos a apoiar republicanos a presidentes. Dos monárquicos o que esperamos é que decidam quem é o verdadeiro/melhor herdeiro ao trono. E decidido isto, que concorra a presidente, como o herdeiro ao trono da Bulgária concorreu a primeiro ministro. Porque, não há nada que impeça isto, pois não?

 
At 1 de novembro de 2005 às 03:06, Anonymous Anónimo said...

Mais de 60% dos portugueses apoiam Cavaco Silva e neste blogue é só Mário Soares, Louçã, Manuel Alegre e Jerónimo de Sousa...

 
At 1 de novembro de 2005 às 10:19, Anonymous Anónimo said...

Por mim estou farto de Pombais, que por uma coisa boa que fazem, realizam centenas más.

Joaquim

 
At 2 de novembro de 2005 às 09:56, Anonymous Anónimo said...

Por uma campanha alegre

A luta contra Cavaco não pode ser vista como a luta contra o regresso do fascismo. Mas as suas louvadas características, a serem verdadeiras, prendem-se com as funções de primeiro--ministro - e para o que conta, a Presidência da República, Cavaco não tem o perfil adequado

Nasci numa família de esquerda, uma família da pequena burguesia para quem Salazar encarnava todos os males da pátria. O meu avô paterno tinha sido carbonário e maçon, o materno ouvia diariamente a BBC como quem ouve a palavra de Deus. Um era republicano e ateu, o outro um liberal no sentido de que amava acima de tudo a liberdade. Cresci de esquerda e sempre achei que, com todos os defeitos que pudesse ter, a esquerda era sempre melhor do que a melhor direita. Daí que, tendo percebido, aquando do discurso de Viseu, que Manuel Alegre se retirava da corrida presidencial, me tenha disposto a apoiar o único candidato da área da esquerda com possibilidades de fazer frente a Cavaco Silva; estive por isso na apresentação da candidatura de Mário Soares, convencido de que, nessas circunstâncias, era a escolha que restava para uma batalha incerta - não me impressionava a questão da idade, nem o regresso "monárquico" às cadeiras do supremo poder. Soares é um património incontornável da democracia portuguesa e, se estava disposto a avançar, o "povo de esquerda" avançaria todo com ele.

Percebi depois, no real, que este todo era muito relativo. À minha volta multiplicavam-se dia a dia as vozes daqueles que se recusavam a votar Soares, que ameaçavam aumentar o exército potencial da abstenção ou do voto em branco, que quase já branqueavam o passado de Cavaco para aceitarem a inevitabilidade da sua eleição como presidente da República. E por isso, quando em Águeda Manuel Alegre deu o passo em frente, senti que começara uma nova batalha e que o meu lugar era afinal aí.

Que Manuel Alegre tenha clarificado em Águeda o que parecia mais ambíguo em Viseu é um pormenor que só interessa a analistas de segunda escolha. Em política, cada momento gera as suas próprias regras e nenhum político pode a priori conhecê-las. Alegre, abandonado pelo aparelho, não quis, num primeiro momento, provocar uma divisão no seio do PS; mas a realidade veio mostrar-lhe que a divisão já existia, que grande parte do eleitorado PS não votaria Soares e que portanto, em nome do PS e para bem do PS e da esquerda, a sua candidatura era imprescindível ao combate político e à afirmação plena da democracia participativa.

Por isso estou com ele. E estar com ele não significa estar contra Mário Soares, mas sim defender uma candidatura alternativa, que abre espaço ao centro e à esquerda, que evita os efeitos abstencionistas da bipolarização, que mobiliza a juventude. Sem Alegre, Cavaco podia ganhar à primeira volta; com Alegre, ao que tudo indica, as coisas não serão tão lineares.

A recente sondagem da TVI, anunciada em dia de eleições autárquicas, indicia que Manuel Alegre é quem está mais bem colocado para obrigar Cavaco a uma segunda volta. Daí que todos aqueles que não querem Cavaco como presidente devam agora pensar seriamente como utilizar eficazmente o seu voto. Diga-se - porque é importante dizê-lo - que a luta contra Cavaco não pode ser entendida, nem anunciada, como uma luta contra o regresso do fascismo. O que atrai grande parte do eleitorado para Cavaco é uma certa ideia de disciplina, de domínio da área económica, de capacidade para aglutinar os descontentes da actual situação política. É preciso explicar que essas características, a serem verdadeiras, se prendem com as funções de primeiro-ministro - e que, para o que conta, a Presidência da República, Cavaco não tem o perfil adequado.

Manuel Alegre, pelo contrário, tem perfil a postura de um chefe de Estado, uma obra que faz dele um dos grandes intelectuais portugueses do seu tempo, patriotismo indefectível, uma integridade moral a toda a prova, prestígio internacional como escritor e resistente. Ele é, e sempre foi, um homem de esquerda. E por isso a esquerda, toda a esquerda, deve apoiá-lo. Na certeza de que, à direita e ao centro, também muitos verão nele, mais do que em Cavaco, o homem que pode, em Belém, ser o rosto de uma Pátria à procura de novas Descobertas. Para que chegue, como dizia Sophia de Mello Breyner, "o dia inicial inteiro e limpo".

 
At 2 de novembro de 2005 às 10:54, Anonymous Anónimo said...

Também sou de esquerda, no sentido de ter sido e ainda ser explorado pela direita, mesmo apesar dos judas da esquerda. Todos sabemos que, dos do activo, só Guterres podia derrotar Cavaco. Mas, Guterres não quis. Perfilou-se então Alegre. Mas, como podia Alegre vencer Cavaco? Apresentou-se então Soares. Mas como pode Soares, com 80 anos, ganhar a Cavaco, para Belém, no dia 15 ou 22 (?) de Janeiro de 2006? Desculpe-me Soares a franqueza, e só lhe desejo longa vida, mas, a verdade é que o natural é os mais velhos morrerem primeiro. Soares não pode pois encarar Alegre, pelo menos para já, como um traidor. Alegre só deve desistir para Soares à boca das urnas. Desculpem-me também Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã, mas, se insistem em não desistir, ou antes, em não apoiar Soares, atendendo até ao exemplo que deixou Cunhal, não irão ter vida fácil nos próximos tempos. Note-se entretanto que M. Soares é para já (vejam-se comissões de honra)apoiado por portugueses de quase todos os partidos, ao contrário de Cavaco, candidato quase só do PSD (não podemos fixar-nos as sondagens, especialmente a dois meses e meio ou mais das eleições).

Joaquim

 
At 2 de novembro de 2005 às 12:52, Anonymous Anónimo said...

E ainda é possível que tenhamos uma candidata: Prof. Doutora Manuela Magno.
Decorre por esta altura a recolha de assinaturas.

 
At 2 de novembro de 2005 às 14:08, Anonymous Anónimo said...

O problema da profesora doutora Manuela Magno pode ser só um: ser pouco conhecida. Mas, se conseguir as 7. 500 assinaturas, o que é um feito, talvez a comunicação social, nomeadamente as TVs, lhe dêem também voz, que, nos tempos de antena oficiais terão de dar, como costumam, por exemplo, dar à senhora Carmelinda Pereira.

 
At 2 de novembro de 2005 às 15:49, Anonymous Anónimo said...

Não estiveram há pouco tempo uns economistas estrangeiros em Portugal que disseram que o problema deste país é a corrupção? Ora, o que será receber 3 reformas, como Cavaco, e, ainda querer mais, do que corrupção? Isto quando há tantos desempregados, até políticos?

 
At 2 de novembro de 2005 às 17:01, Anonymous Anónimo said...

Por este andar, Portugal ainda vai ficar como Ponte de Sôr, só que laranja!

 

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