ELE É O MESMO DE SEMPRE
Os defensores de Cavaco Silva tentam inculcar-nos a ideia de que ele melhorou consideravelmente - e, hoje, é outro. Não é. A prova foi-nos dada pela entrevista de Constança Cunha e Sá na TVI.
A lógica de certas vidas políticas, assim como a lucidez racional e o realismo da prática, que transformam a experiência em consciência, permitem-nos chegar a algumas conclusões. Os defensores de Cavaco Silva tentam inculcar-nos a ideia de que ele melhorou consideravelmente - e, hoje, é outro. Não é. A prova foi-nos dada pela entrevista de Constança Cunha e Sá na TVI.
A genealogia do antigo primeiro-ministro foi, de novo, exposta: demasiado mecânica e excessivamente linear. Cavaco não está à vontade quando o contraditam. Vem à superfície o seu carácter autoritário, a marca indelével do magister dixit, que transporta consigo a verdade irretorquível, inadmitindo toda e qualquer diferença formal.
A jornalista da TVI não alterou a combatividade incisiva demonstrada com os outros candidatos. E Cavaco Silva, pouco dado a situações desta natureza, foi titubeante, embaraçou-se, a sua fisionomia traiu os tormentos que o inquietavam, e não conseguiu dizer senão castas banalidades.
Ele ainda não entendeu, e os seus conselheiros não o advertiram, que a democracia não se limita a uma teia de relações formais e de estruturas económicas mas, sobretudo, consubstancia-se em conteúdos culturais e políticos que nos relacionam uns com os outros. A entrevista foi penosa para ele e extremamente enfadonha para nós. Notou-se, pela crispação do rosto, pelo árduo movimento das mãos, pela secura da boca o infortúnio por que passava, ante a insistência de Constança Cunha e Sá no querer saber as opiniões, e no pretender desvendar as enormes contradições contidas no discurso do candidato.
A presença de Cavaco na TVI foi suficiente para assinalarmos nele um homem inseguro, cheio de fragilidades, temente talvez a Deus mas mais, muito mais, ao debate com os homens. Foi uma linguagem redonda e melancólica na qual, por vezes, aflorava a irritação e o desconforto. Nada de nada. E a obstinação dele, em afirmar a sua «independência», longe dos partidos, e, propositadamente, de característica «nacional», constituiu impressionante manifestação de hipocrisia. Assim como a imposição da ideia de que, com ele em Belém, o Governo seria outro, porventura melhor. Pequenos truques de efeitos perversos. O candidato sabe que a Constituição impõe limites à acção do Presidente; e, a não ser que provoque um golpe de Estado constitucional, nada poderá fazer que contrarie as disposições da Carta.
Mário Soares, imbatível na discussão pública, não perde um instante em que não persevere na ideia de o desafiar para o debate. Pode-se gostar ou não do seu estilo. Não se lhe pode negar o estofo do tribuno e a argúcia do político. Aprendeu que a História está sujeita a leis do acaso e a pretextos acidentais e desenvolve-se através de vias contraditórias e aleatórias. E sabe que, em diálogo, Cavaco chega a atingir uma debilidade e uma apoquentação assustadoras. É da associação dessas componentes emocionais, intelectuais e sociais; desse perigoso conjunto de ambiguidade ideológica com uma natureza articulada no conceito empírico - que nascem os mais tenazes autoritarismos.
Aliás, num artigo inserto no «Público» (3. Nov.º), Pacheco Pereira escreve: «Percebe-se medo, não de qualquer deriva presidencialista, mas de uma presidência forte». Isso mesmo. Uma «presidência forte» faz antever quê? O próprio conteúdo da expressão não permite outro significado, e aplica-se, por inteiro, à índole do homem que foi primeiro-ministro durante dez anos, a década perdida, a década mais taciturna da história da Segunda República, a década durante a qual o dinheiro de Bruxelas entrou de roldão - e foi malbaratado.
Já o escrevi, mas repito: Cavaco mete medo, mas Cavaco tem medo. Medo das palavras, medo das interpelações, medo das perguntas, medo do debate, medo do diálogo, medo das multidões, medo das mudanças. Sobretudo medo daqueles que podem comprovar as suas medíocres qualidades para desempenhar um cargo com tradições humanísticas, intelectuais, filosóficas e culturais. Ele é o mesmo de sempre. Nunca deixou de o ser, nunca se converteu num outro.
E Constança Cunha e Sá foi a medianeira dessa terrível demonstração.
Baptista Bastos
A lógica de certas vidas políticas, assim como a lucidez racional e o realismo da prática, que transformam a experiência em consciência, permitem-nos chegar a algumas conclusões. Os defensores de Cavaco Silva tentam inculcar-nos a ideia de que ele melhorou consideravelmente - e, hoje, é outro. Não é. A prova foi-nos dada pela entrevista de Constança Cunha e Sá na TVI.
A genealogia do antigo primeiro-ministro foi, de novo, exposta: demasiado mecânica e excessivamente linear. Cavaco não está à vontade quando o contraditam. Vem à superfície o seu carácter autoritário, a marca indelével do magister dixit, que transporta consigo a verdade irretorquível, inadmitindo toda e qualquer diferença formal.
A jornalista da TVI não alterou a combatividade incisiva demonstrada com os outros candidatos. E Cavaco Silva, pouco dado a situações desta natureza, foi titubeante, embaraçou-se, a sua fisionomia traiu os tormentos que o inquietavam, e não conseguiu dizer senão castas banalidades.
Ele ainda não entendeu, e os seus conselheiros não o advertiram, que a democracia não se limita a uma teia de relações formais e de estruturas económicas mas, sobretudo, consubstancia-se em conteúdos culturais e políticos que nos relacionam uns com os outros. A entrevista foi penosa para ele e extremamente enfadonha para nós. Notou-se, pela crispação do rosto, pelo árduo movimento das mãos, pela secura da boca o infortúnio por que passava, ante a insistência de Constança Cunha e Sá no querer saber as opiniões, e no pretender desvendar as enormes contradições contidas no discurso do candidato.
A presença de Cavaco na TVI foi suficiente para assinalarmos nele um homem inseguro, cheio de fragilidades, temente talvez a Deus mas mais, muito mais, ao debate com os homens. Foi uma linguagem redonda e melancólica na qual, por vezes, aflorava a irritação e o desconforto. Nada de nada. E a obstinação dele, em afirmar a sua «independência», longe dos partidos, e, propositadamente, de característica «nacional», constituiu impressionante manifestação de hipocrisia. Assim como a imposição da ideia de que, com ele em Belém, o Governo seria outro, porventura melhor. Pequenos truques de efeitos perversos. O candidato sabe que a Constituição impõe limites à acção do Presidente; e, a não ser que provoque um golpe de Estado constitucional, nada poderá fazer que contrarie as disposições da Carta.
Mário Soares, imbatível na discussão pública, não perde um instante em que não persevere na ideia de o desafiar para o debate. Pode-se gostar ou não do seu estilo. Não se lhe pode negar o estofo do tribuno e a argúcia do político. Aprendeu que a História está sujeita a leis do acaso e a pretextos acidentais e desenvolve-se através de vias contraditórias e aleatórias. E sabe que, em diálogo, Cavaco chega a atingir uma debilidade e uma apoquentação assustadoras. É da associação dessas componentes emocionais, intelectuais e sociais; desse perigoso conjunto de ambiguidade ideológica com uma natureza articulada no conceito empírico - que nascem os mais tenazes autoritarismos.
Aliás, num artigo inserto no «Público» (3. Nov.º), Pacheco Pereira escreve: «Percebe-se medo, não de qualquer deriva presidencialista, mas de uma presidência forte». Isso mesmo. Uma «presidência forte» faz antever quê? O próprio conteúdo da expressão não permite outro significado, e aplica-se, por inteiro, à índole do homem que foi primeiro-ministro durante dez anos, a década perdida, a década mais taciturna da história da Segunda República, a década durante a qual o dinheiro de Bruxelas entrou de roldão - e foi malbaratado.
Já o escrevi, mas repito: Cavaco mete medo, mas Cavaco tem medo. Medo das palavras, medo das interpelações, medo das perguntas, medo do debate, medo do diálogo, medo das multidões, medo das mudanças. Sobretudo medo daqueles que podem comprovar as suas medíocres qualidades para desempenhar um cargo com tradições humanísticas, intelectuais, filosóficas e culturais. Ele é o mesmo de sempre. Nunca deixou de o ser, nunca se converteu num outro.
E Constança Cunha e Sá foi a medianeira dessa terrível demonstração.
Baptista Bastos
9 Comments:
”Eles abafam piedosamente o sorriso ao falarem de cientistas que nunca leram uma obra relevante da literatura inglesa. Descontam-nos como especialistas ignorantes. Contudo, a sua própria ignorância e a sua própria especialização são alarmantes. Por diversas vezes tenho estado presente em encontros de pessoas que, pelos padrões da cultura tradicional, são considerados muito cultos e que, com considerável prazer, têm expressado a sua incredulidade pela ignorância dos cientistas. Uma ou outra vez fui provocado e perguntei à minha companhia quantos deles conseguem descrever a Segunda Lei da Termodinâmica. A resposta foi fria e foi também negativa. Todavia, eu perguntei algo que pode ser o equivalente científico de: ‘Já leu uma obra de Shakespeare?’”
Charles Snow, ”The Two Cultures”
Existe nas sociedades modernas, uma perigosa segmentação cultural, que se tem vindo a agravar com a especialização do ensino, entre a formação com origem nas chamadas ”humanidades” e com origem nas ciências. Se se entender a cultura, muito simplesmente, ”como aquilo que torna a vida digna de ser vivida”, como admite T. S. Eliot (Notas para uma Definição de Cultura), uma equilibrada articulação entre diferentes actividades e diferentes áreas do saber é essencial para o sucesso cultural, e a sua ausência pode conduzir à desintegração cultural, conducente, ela própria, à desintegração social.
Os efeitos desta segmentação são, porém, agravados por um sentimento de arrogante superioridade moral muitas vezes demonstrado por alguns ”intelectuais literários”, que se consideram a si mesmos detentores da ”verdadeira cultura”, desvalorizando como mera tecnocracia os conhecimentos obtidos pelo estudo das ciências. Este sentimento, de raízes pré-modernas, tem atravessado praticamente toda a modernidade, alimentando recorrentes controvérsias, e carrega os sinais claros de uma expressa marca social que, entre outras manifestações, sobrepõe o pensamento à acção, as artes aos ofícios e o ”intelectual” ao ”manual”.
Este mesmo sentimento re-emergiu recentemente entre nós, para desvalorizar as qualificações científicas dos economistas para o desempenho de funções de representação política, contrapondo-lhe a superioridade dos ”conhecimentos literários” (ainda que por vezes não passem da especialização em generalidades). Mas sob o véu das diferenças culturais, o que esta linha argumentativa acaba por transportar é a ideia subliminar de uma aristocrática distinção social, insinuando que a origem patrícia assegura melhor preparação para o desempenho de funções políticas do que a origem plebeia.
O que mais surpreende nesta posição é que ela provenha de sectores de esquerda, provavelmente os mais afectados pela burguesa corrosão ”pós-modernista”. Primeiro, porque a esquerda, originariamente trabalhista e programaticamente progressista, foi tradicionalmente favorável às virtudes das ciências, vistas como fonte de progresso. Segundo, porque o conhecimento técnico e científico proporciona mais oportunidades de progressão social do que a ”cultura literária”. Terceiro, porque se perguntarem aos trabalhadores se preferem ser politicamente representados por quem saiba manter uma conversação erudita nos salões sociais ou por quem compreenda os mecanismos necessários à criação e preservação de empregos e à melhoria dos níveis de vida, o que é que acham que eles vão escolher?
É que, como lembrava Alfred Marshall, no final do século XIX, ”… o carácter do homem tem sido moldado pelo seu trabalho de todos os dias e pelos recursos materiais que desse modo procura, mais do que por qualquer outra influência, com excepção dos seus ideais religiosos; e as duas grandes acções formadoras da história mundial têm sido a religiosa e a económica”. Sendo assim, saber de economia talvez seja conveniente
Neste país, só os comunistas é que mudam. Os mesmo que, quando o Cavaco era primeiro-ministro, defendiam as ditaduras comunistas dos países do Leste, hoje são grandes democratas. Estes mudaram. Ou seja, os Louçãs, os Baptista-Bastos, os Zés Saramagos, os Carlos Carvalhas, etc. etc. todos mudaram muito nestes últimos 10 anos. Até o Zé Sócrates, o António COsta e o Alberto Costa mudaram muito desde o Governo de Gueterres até hoje. No entanto, nenhum destes que tanto mudaram nestes últimos anos, aceita que Cavaco também tivesse mudado... Ou terão sido eles que não mudaram nada e continuam a ser os mesmos hipócritas de sempre.
Nunca a direita andou tão excitada com a esperança de ter todo o poder, as autarquias já lá estão, a Presidência da República está quase e o governo virá por acréscimo. Ninguém fala em nome do candidato mas todos dizem o que a direita deseja, Morais Sarmento já tinha proposto um presidencialismo com mandatos quase perpétuos e agora é Pacheco Pereira que descobriu que as campanhas eleitorais são inúteis, “a escolha seria límpida” diz ele num momento de exaltação, tão límpida que muita gente até dispensaria eleições, embora não tenham a coragem para o defender:
«Num mundo em que não houvesse ruído, ou seja no Paraíso ou no Inferno, vale o mesmo, esta escolha seria límpida. Acontece que existe um conjunto de práticas que correspondem ao que se pensa serem (ou deverem ser) as campanhas eleitorais, umas impostas pelas nossas tradições políticas, outras pelo sistema mediático. E estas práticas moldam, durante três meses, a imagem dos candidatos num contexto de sobreexposição que tem todos os riscos ou vantagens, dependendo do tipo de campanha.»
Agora que a vitória lhes parece certa, o ideal seria dar todos os poderes ao Presidente da República e como a escolha já está feita. Mas há uma pequena formalidade, vão haver eleições e estas nas democracias, e até nas ditaduras, costumam ser antecedidas por uma campanha eleitoral. Mas como a vitória é certa, o melhor é não dizer asneiras e por aquilo que se tem visto este Cavaco apresenta-se com tiques de senilidade e quando abre a boca “ou entra mosca ou sai asneira”, pelo que o melhor é estar calado e de preferência ausente com um oceano no meio.
E ninguém fala decidiu Cavaco Silva e toda a direita percebeu a mensagem, demonstrando uma disciplina de fazer inveja ao plantel do FCP fizeram blackout sem precisar da voz de comando. Portugal assiste ao maior coro de silêncio de que há memória na sua história política, ainda maior do que nos outros tempos, ao menos Salazar falava de vez em quando e Marcelo fazia a sua conversa em família todas as semanas. E não só foi imposto silêncio, como algumas personalidades desapareceram do cenário, principalmente os que enriqueceram à custa do cavaquismo ao ponto de hoje serem banqueiros.
Envelhecido durante dez anos este Cavaco começa a cheirar a mofo e a única diferença que encontro entre ele e outras personalidades autoritárias da nossa história é que os outros, talvez porque nesses tempos não haviam nem eleições nem campanhas eleitorais, falavam e este limita-se a querer que o povo português vote nele. Mas deve votar nele só por aquilo que ele é em abstracto, apenas confiando nele e dispensando-o de dizer o que pensa, o que quer ou o que vai fazer.
Um voto nestas condições é um voto num candidato a ditador, ou, pensando na proposta de Morais Sarmento, num candidato a presidente de longa duração.
É óbvio que a estratégia do cinismo silencioso de Cavaco Silva levará o candidato nacional independente a perder votos, assim como a ideia de que o PR deve ser um economista é, no mínimo, ridícula. Nem todos os apoiantes de Cavaco são idiotas e alguns até se prestam à função de maquilhadores, Pacheco Pereira sugere a Cavaco que venha para rua apanhar uns banhos de multidão, enquanto Borges lançou a ideia do presidente professor. Um tenta encobrir o evidente, que a senelidade política (e pelo que vi na entrevista também senelidade intelectual) pode ser disfarçada por idas à rua , podendo assim evitar o debate político, o outro vai buscar ao baú do salazarismo a ideia do professor.
A campanha de Cavaco Silva é diferente de todas as outras. É feita para um candidato cujas características políticas e psicológicas são muito diferentes do habitual na "classe política" portuguesa. É feita em circunstâncias também sui generis: Cavaco Silva parte com patamares de apoio superiores aos dos outros candidatos todos juntos, o que é pouco comum em eleições muito contestadas e personalizadas. Esta última característica aparece pela primeira vez na nossa história eleitoral presidencial. Nem Eanes, nem Soares Carneiro, nem Freitas do Amaral, nem Mário Soares, nem Jorge Sampaio alguma vez estiveram numa situação deste tipo. Ou tinham um favoritismo esmagador, e os outros candidatos estavam apenas a "marcar presença", ou havia uma forte bipolarização com dois candidatos igualados.
Deixo aqui de lado o mérito relativo da mensagem de cada um, minimizando o papel de manifestos e programas, dado que mais do que as palavras é o interlocutor que lhes dá sentido. As mesmas coisas ditas por Cavaco e Soares são muito diferentes e os eleitores sabem disso muito bem, visto que ambos são conhecidos como políticos. Este efeito de conhecimento é um elemento essencial desta campanha. O julgamento do eleitorado parte de um princípio de necessidade: precisa, ou acha que precisa, de uma pessoa com determinadas características e história, e não de outra. Esta é hoje a força de Cavaco e a fragilidade de Soares.
Num mundo em que não houvesse ruído, ou seja no Paraíso ou no Inferno, vale o mesmo, esta escolha seria límpida. Acontece que existe um conjunto de práticas que correspondem ao que se pensa serem (ou deverem ser) as campanhas eleitorais, umas impostas pelas nossas tradições políticas, outras pelo sistema mediático. E estas práticas moldam, durante três meses, a imagem dos candidatos num contexto de sobreexposição que tem todos os riscos ou vantagens, dependendo do tipo de campanha.
Veja-se, por exemplo, como a primeira entrevista presidencial de Cavaco Silva na TVI revelou o melhor e o pior da face mediática de Cavaco, o candidato cuja face mediática cola menos com a sua exposição "pública". Quando vi a entrevista, Cavaco pareceu-me tenso, rígido, um pouco ansioso, mas convincente. Atenho-me à última classificação, a que mais depende da vontade própria, porque admito que as outras surgem contra a vontade do candidato. A tensão de Cavaco prejudica a mensagem, porque há sempre um ruído psicológico de instabilidade e insegurança na tensão. No entanto, como ele só fala de coisas "sérias", acaba por favorecê-lo, gerando um efeito de veracidade. Aquele homem está nervoso porque está preocupado e está preocupado por nós. É muito interessante verificar que, se me pareceu que na entrevista havia rigidez a mais e incomodidade face a algumas perguntas, que Cavaco podia responder de forma simples e de bom senso sem dificuldades, já quando a entrevista é reduzida aos excertos que são transmitidos nos noticiários, estes resultam muito eficazes.
Cavaco é pouco plástico e por isso tende a seguir uma linha pré-estabelecida com muita rigidez e isso, numa entrevista mais longa, prejudica-o. Já em fragmentos, o que é valorizado é o grau de convencimento pessoal, de dedicação às suas causas, que é muito difícil um político dos nossos dias transmitir e ele consegue-o. Por isso, não há frases engraçadas nem soundbites para reproduzir no dia seguinte, como acontece com Soares, que é sempre um must televisivo, mas uma mensagem limpa e convincente de dedicação à causa pública. Cavaco não consegue o mais fácil, mas consegue o mais difícil, como aliás revelam as sondagens que os seus adversários acham que caíram injustamente do céu, sem qualquer razão.
Pela entrevista, percebe-se que o que é essencial na campanha de Cavaco é a sua natureza de campanha declarativa, afirmando determinadas coisas e só essas, e não "conversando" com as outras campanhas. É isso que exaspera Soares, que precisa de interlocutor para o seu tipo de intervenção discursiva, e não o encontra. Como o candidato Cavaco é credível e gera um efeito de confiança, o que diz é muito eficaz. Sofrerá alguma erosão, em particular face ao estilo mais comunicativo de Soares, mas pode ter resultados surpreendentes. Já os tem, porque as sondagens revelam uma excepção, não uma normalidade.
Parece que a prosa de ontem de Vasco Pulido Valente, comoveu e entusiasmou uma série de gente. Obviamente pelas razões erradas. Vasco Pulido Valente, em coerência, honra lhe seja feita, não quer um presidente da República, não quer um político. Quer, exige, outra coisa - um salvador da pátria, um regente. Mas não um salvador da pátria qualquer - gostaria de alguém que saiba de tudo, e fale sobre tudo, enfim alguém 'como' ele mas com 'pachorra' para lidar com a populaça, uma espécie de 'déspota esclarecido', Marquês de Pombal dos tempos modernos. É um erro, e é óbvio que Cavaco não encaixa, ainda bem, nesse perfil.
Por outro lado, Pulido Valente, pessimista, é um dos adeptos da tese messiânica do 'fim' do regime, que, segundo ele, (só) poderia ser salvo, com o 'salvador' certo, a partir de Belém, acima dos partidos e dos governos.
Mais uma vez, Cavaco não encaixa, ainda bem.
Pulido Valente comete, recorrentemente, um erro - vê 'à Marcelo' a política de cima para baixo, acha que 'basta' estar em cima o homem 'certo' para que a partir daí tudo mude.
Não basta, importa mas não basta. Em democracia, numa sociedade em rede como, agora, se diz, nada se faz sozinho. Pode-se catalizar, pode-se entusiasmar, mas, sozinho nada, rigorosamente nada, se consegue.
Eu também gostava que o discurso de Cavaco fosse outro, muito mais reformista, menos 'politicamente correcto', que não se tivesse associado, no seu manifesto, a todos os grandes axiomas do regime, teria gostado que rompesse com o 'status quo' e que desse um abanão na forma com se faz política em Portugal, 'desintermediando-a' e aproximando-a dos cidadãos. Gostava que falasse abertamente de reformas, políticas e administrativas.
Teria gostado, porque as presidenciais, pelas suas características, são as únicas eleições onde os temas em debate não são filtrados pelos directórios e aparelhos partidários.
Gostava, mas nada disso é excessivamente relevante. E, não o é porque aquilo que em primeira instância eu espero de Cavaco como PR, é muito simples - sobriedade, recato e sensatez.
Não espero, muito menos desejo ou sequer antecipo, de Cavaco que seja o Oráculo que tudo vai resolver, apenas alguém com a experiência suficiente para falar quando é preciso, sobre o que é preciso.
É por isso, que venho dizendo, e escrevendo, há já bastante tempo, que a principal e soberana razão para Anibal Cavaco Silva merecer ser eleito Presidente da República, não é a sua performance enquanto Primeiro-Ministro, que não é imune e isenta de crítica, mas a sua conduta, de Estado, desde que deixou de o ser, nestes dez anos que se seguiram até hoje. Nestes últimos anos, Cavaco, pouco falou, mas do que falou foi ouvido e marcou definitivamente o rumo dos acontecimentos.
É isso que os Portugueses esperam, nem mais, nem menos.
Alguém que possam, finalmente, levar a sério.
Dito isto, estão a ser corridos riscos, muitos absolutamente desnecessários.
A presente gestão do silêncio não se deve à ausência de 'opiniões', mas antes ao contrário.
Há por aí quem ache que recordar as opiniões, que são fortes, fracturantes, por muito oportunas e certeiras, de Cavaco nos últimos 10 anos é um erro, que é alienar eleitorado potencial.
Talvez.
Até me dizem que foi 'assim', nas 'núvens', que Sócrates ganhou as legislativas, não assustando o 'povo'.
Um erro, um erro crasso. Sócrates ganhou porque a alternativa se chamava simplesmente Pedro Santana Lopes, e isso foi argumento mais que suficiente para muito boa gente votar PS pela primeira vez na vida, por uma questão de higiéne.
Quem julga que Cavaco perde votos por falar claro sobre a presente situação engana-se.
Se há coisa que irrita e faz descrer da política é a ambiguidade e evasividade dos actores políticos.
Campos onde Cavaco, o tal que não é 'profissional', e contra as regras establecidas, soube nos últimos 10 anos marcar a diferença.
Falou e foi ouvido, conviesse ou não. E falou, não por ele, mas porque achou que era importante pelo País.
Este aprendeu, se não a concordar, a respeitá-lo, por isso.
Não se pede nem espera de Cavaco que dê 'troco' a quem quer que seja, em diálogos puéris, para entreter ou fazer agenda.
Espera-se apenas que fale claro, absolutamente claro, como fez nos últimos 10 anos, ponto.
A tese, inexequível, que querem por aí 'vender' de que, pelo silêncio, se pode ser, ao mesmo tempo, tudo para, quase, todos não pega. Reduz o debate a lugares comuns e a dizer mal dos outros. Pior, passa uma imagem absolutamente errada - a de Cavaco, como 'igual' aos outros (políticos). De Cavaco os portugueses esperam tão só que se comprometa a devolver a credibilidade ao sistema político que vamos tendo, dando-a, novamente, à instituição que é a 'Presidência da República'.
Que diga claramente que não há remédios simples nem fáceis, e que serão precisos sacríficios de todos.
Não tanto que dê 'palpites', especialmente concretos, sobre o que 'tem' que ser feito, mas que reafirme a garantia de que garantirá o apoio a todas as reformas, e a todo o debate, prévio, a um consenso mínimo de regime, sobre as mesmas.
Não é preciso muito mais. Adoptando um discurso minimalista e absolutamente claro foca o debate no absolutamente essencial - o papel do PR, o papel e a função do Estado, e a gravidade da crise actual, para a qual não há saídas fáceis.
Voltando a Vasco Pulido Valente, o texto deste não é sequer uma crítica a Cavaco.
É uma crítica áqueles, na comunicação social, na classe política, até na sociedade cívil, que acham que a solução para tudo, e as causas também, passa sempre pelos outros, e nunca passa por eles próprios.
Mais, só se presta a leituras superficiais e equívocas, porque, de facto, a estratégia comunicacional da campanha de Cavaco, agora 'profissionalizada' e 'politicamente correcta', não tem sido, de longe, das mais felizes...
Aquí vai o artigo do Vasco Pulido Valente (o qual deve ser lido todo):
UM HOMEM SEM OPINIÕES
«Os portugueses têm opiniões sobre tudo, Cavaco (como se constatou esta semana na TVI) não tem opiniões sobre nada. Não tem opinião sobre o mandato de Sampaio. Não tem opinião sobre Sócrates. Não tem opinião sobre o orçamento. Não tem opinião sobre o regime. Não tem opinião sobre a "Europa". Com a maior firmeza e a maior coragem, é um homem sem opiniões. Parece que o país gosta de um candidato assim e que tenciona votar nele. O povo manda. Cavaco já nos governou sem opiniões, com gente em geral sem opiniões e, à superfície, não se vê qualquer razão para não o pôr, sem opiniões, na Presidência da República.
Mas, como sempre, há quem imagine atrás de cada opinião que obstinadamente Cavaco se recusa a dar uma opinião que ele guarda em segredo para uso condigno. Os peritos chamam a este exercício de alta camuflagem "gerir o silêncio". Não ocorre a nenhum que depois do silêncio só existe o vácuo. Verdade que Cavaco disse um dia que o Estado era um "monstro" e outro dia, durante o mandato de Santana, que os políticos lhe pareciam "má moeda". Pensamentos que, se não abalaram o mundo, abalaram Portugal. Segunda-feira, na TVI, também despontou a sombra de uma ideia. Em Belém, Cavaco vai finalmente fazer o milagre da ressurreição da Pátria: "a falar". A "falar", acreditem. A "falar" com quem, não explicou. Com Sócrates? Com os ministros, ministro a ministro? Com os sindicatos? Com os patrões? E por que julga ele que alguém o ouvirá, quando não pode por si mesmo mexer uma palha. Sobre isso, suspeito, Cavaco não tem opinião. Na TVI, por exemplo, jurou que ia combater com "muito empenho" o insucesso escolar. O insucesso escolar? Lá da Presidência, com 60.000 licenciados no desemprego e sem dinheiro? Ó, dr. Cavaco...
Com esta extraordinária lucidez sobre a realidade das coisas, Cavaco aceita naturalmente o título de "tecnocrata"; e acha até bom para o país que esteja em Belém um "tecnocrata", em vez de um advogado palavroso, à velha moda comicieira e parlamentar, que ele despreza. Anda manifestamente muito esquecido. Foram os tecnocratas dele que prepararam com suma competência o desastre de hoje. E ele próprio que inventou o "sistema remunerativo da função pública", princípio e pilar da falência do Estado. Mas Cavaco não se impressiona com detalhes. "Pensa no futuro" e não tem opiniões. Não precisa. A técnica não é matéria de opiniões - é matéria de certezas. E os portugueses num Presidente da República querem certezas. Coitados.»
As Presidenciais 2006
A minha razão para apoiar esta candiatura é muito simples: estaremos mais tranquilos, mais seguros e mais livres para prosseguir com as nossas vidas individuais e familiares se o Prof. Cavaco Silva for o Presidente da República.
As eleições presidenciais que se avizinham constituem um momento invulgarmente positivo na nossa jovem democracia.
Nestas eleições há a possibilidade de votar pela positiva numa personalidade que parece talhada para o exercício da função presidencial numa altura em que Portugal atravessa uma das suas recorrentes crises de confiança.
Nestas ocasiões, a personalidade colectiva do povo português leva-nos muitas vezes a atitudes de desânimo ou desorientação.
O Professor Cavaco Silva é uma personalidade que transmite a muitos portugueses uma sensação de credibilidade e segurança se vier a exercer, como eu espero, a função de Presidente da República.
Mais do que uma personalidade messiânica ele representa hoje uma dose de rigor, exigência, conhecimento e experiência que muitos sentem fazer falta à democracia portuguesa.
Os portugueses não atribuem hoje à política a importância que ela teve nos anos atribulados e heróicos de 1974 a 1976. Hoje os portugueses procuram a sua realização pessoal e profissional noutras esferas da vida social. Os portugueses, em particular os mais jovens, estão mais interessados no que se passa no resto do mundo, usam a Internet em vez de ver televisão, praticam desporto, e interessam-se por uma miríade de actividades lúdicas e culturais.
Somos um povo mais adulto, maduro, democrata e auto-confiante do que éramos há 30 anos. Somos também mais diversificados, heterogéneos e temos mais diferenças nas nossas ambições e sistemas de valores do que tínhamos há alguns anos atrás.
É por isso que para os portugueses é tão importante poderem confiar amplamente nos seus líderes políticos. A confiança é um factor muito importante para que cada um se possa dedicar ao que muito bem entender na sua esfera pessoal ou social. A confiança na competência e honestidade dos líderes políticos permite-nos fazer outras coisas com as nossas vidas.
Acresce que muitos portugueses se recordam do tempo de prosperidade, crescimento e convergência com a Europa que se viveu durante os 10 anos em que Cavaco Silva foi Primeiro Ministro. Houve profundas reformas no domínio da economia, em particular a privatização de muitas das maiores empresas públicas. Mas houve também uma grande melhoria no desenho das políticas sociais. Muitos gostariam de voltar a viver num tempo em que a ambição, a esperança no futuro e a autoconfiança fossem factores permanentes da nossa vida colectiva.
É por isso natural que o Prof. Cavaco Silva atraia o apoio de muitos portugueses que podem ter ideias diferentes para muitas políticas públicas. Penso que o que nos une é considerar que ele usará a sua experiência, conhecimentos, hábitos de trabalho e visão de futuro para actuar em cada momento em função da sua avaliação do interesse nacional.
Aqueles que o conhecem sabem que exercerá as suas funções presidenciais com o peso do amor, orgulho e respeito que tem por Portugal. No fundo é isso que a maioria dos portugueses gostariam de sentir no Presidente da República. Mais do que alguém que seja próximo das opiniões ou ideologia de cada um, querem alguém que tenha ideias claras e capacidade para interpretar em permanência uma visão do interesse nacional.
Acresce que Portugal vive hoje uma crise económica de duração demasiado longa. Essa crise tem sido muito difícil de ultrapassar e os portugueses estão descrentes na capacidade dos seus líderes políticos em gizar uma estratégia que ultrapasse essas dificuldades. Nesta conjuntura conhecimentos profundos de economia, teóricos e práticos, aliados a uma forte consciência social e de coesão nacional, não podem prejudicar um exercício competente das funções do Presidente da República.
A minha razão para apoiar esta candidatura é muito simples: estaremos mais tranquilos, mais seguros e mais livres para prosseguir com as nossas vidas individuais e familiares se o Prof. Cavaco Silva for o Presidente da República.
Que frustrado o Zé da Ponte deve andar. Primeiro falhou no seu desígnio de destronar o Pinto & Ca. do poleiro que ocupa desde 1993; pior: viu-o reforçar a maioria absoluta! Imagino o melão co que o Zé da Ponte deve ter ficado no rescaldo eleitoral!
Em Janeiro vai apanhar o segundo balde de água fria, ao ver Cavaco Silva ganhar à 1ª volta e o seu poeta de estimação ficar 5 a 10% de distância o avôzinho Soares, o óbvio segundo classificado nesta corrida.
Será que aí vai aprender? Por favor, Sr. Zé, não tente o suicídio porque para além do Pinto e seus lacaios, ninguém lhe deseja mal! Só um pouco de prudência e discernimento... que lhe tem faltado.
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