quarta-feira, 16 de novembro de 2005

OPINIÃO


A última palavra na Internet
É do interesse dos países que prezam a liberdade de expressão e a inovação tecnológica chegar a um compromisso que evite a «última palavra» unilateral dos Estados Unidos e alargue, sem governamentalizar, a gestão da Internet.
A polémica acerca do controlo técnico da Internet vai dominar a Cimeira Internacional sobre a Sociedade da Informação, que decorre até sexta-feira no cenário improvável e autoritário de Tunes, e ofuscar o objectivo de promoção do desenvolvimento das tecnologias de informação nos países em desenvolvimento.

A ligação à Internet de metade da população mundial até 2015, o incremento de serviços como a telemedicina, a divulgação da banda larga a baixo custo, o combate à criminalidade informática, são tópicos de interesse mais premente, mas estão subordinados à questão política da alegada hegemonia norte-americana.

Em 1998 o crescimento da rede, desenvolvida inicialmente nos Estados Unidos, obrigou à normalização do sistema de gestão até então garantido exclusivamente por um particular: o investigador Jonathan Postel, da Universidade da Califórnia do Sul. A Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) foi, assim, constituída como uma organização privada não-lucrativa. Sedeada em Marina del Rey, na Califórnia, cabe-lhe a coordenação dos nomes e domínios, dos endereços únicos, dos 13 servidores principais da rede (dez nos Estados Unidos e os restantes em Amesterdão, Estocolmo e Tóquio), além dos parâmetros técnicos que asseguram a estabilidade operacional do sistema.

O Departamento do Comércio dos Estados Unidos reafirmou, em Junho, que Washington manterá por tempo indeterminado a supervisão da ICANN que é gerida por um directório internacional de especialistas dos sectores empresariais, académicos e não-comerciais presidido pelo australiano Paul Twomey. Áreas sensíveis como regulamentação de transacções financeiras, protecção de dados e privacidade, spam, criminalidade informática ou exploração de jogos e apostas estão fora da supervisão do organismo.

A questão da «última palavra» reivindicada solitariamente por Washington em matéria de controlo da infra-estrutura técnica e da atribuição de nomes, domínios e endereços únicos é contestada pelos restantes estados que defendem diversas propostas no sentido da criação para o efeito de um organismo intergovernamental, agregando entidades não-oficiais, com sugestões de graus diversos de eventual tutela por parte da Organização das Nações Unidas.

A governamentalização da gestão de áreas até agora descentralizadas e pluralistas traz consigo a ameaça de controlo de segmentos significativos da rede que conta com mais de mil milhões de utentes (um sexto da população mundial) por estados autoritários ou ditatoriais, conforme têm demonstrado as restrições impostas na China, no Irão ou em Cuba. Na pior das alternativas talvez venham a ser criados sistemas autónomos com servidores principais que possibilitem ou limitem o acesso livre à rede existente. O actual modelo unificado de interligação pulverizar-se-á e poderão surgir organismos alternativos à ICANN. Alguns estados ditatoriais poderão isolar-se das redes principais de fluxo de informação, mas a maioria poderá optar pela adopção de parâmetros técnicos diferentes, mas compatíveis com o sistema de nomes, domínios e endereços existentes, no caso de se agravar o diferendo com os Estados Unidos.

Tal como a administração Clinton optou por um compromisso, evitando a burocratização e politização da Internet de forma a garantir a segurança e estabilidade da rede, a Washington republicana admite, presentemente, a discussão de formas de governação da rede a nível multilateral. É a salvaguarda que permitirá tentar evitar a pulverização do sistema. É do interesse dos países que prezam a liberdade de expressão e a inovação tecnológica chegar a um compromisso que evite a «última palavra» unilateral dos Estados Unidos e alargue, sem governamentalizar, a gestão da Internet



João Carlos Barradas