sexta-feira, 18 de novembro de 2005

POBRE PAÍS O NOSSO...


Está aí alguém?

O desemprego deu um pulo, o crescimento económico estagnou e o Plano Tecnológico não se sente nada bem.
O retrato do país não o recomenda a ninguém.
Está abúlico, descrente, desalentado.
O Governo impôs a si próprio uma empreitada generosa: sanear as contas do Estado e reformar a administração pública.
O problema é que essa receita, sendo inevitável, corresponde a deitar meio copo de tristeza em cima de uma depressão.
Na verdade, o país desespera por sinais de confiança. Mas o que é feito do ministro da Economia?
A ideia que fica é que o Plano Tecnológico e o caso ENI submergiram Manuel Pinho, retirando-lhe a capacidade de iniciativa que as circunstâncias exigem.
Talvez Mário Lino, mais sólido do ponto de vista político, possa compensar o vazio do Executivo em sede da economia real.
Na próxima terça-feira, a apresentação do projecto da Ota é um teste à persuasão e capacidade de motivação do ministro das Obras Públicas.
Os empresários e o país precisam de ser convencidos.
Mas para isso alguém tem de falar com eles.


Miguel C.

5 Comments:

At 18 de novembro de 2005 às 15:17, Anonymous Anónimo said...

Se estivéssemos na Finlândia e o primeiro-ministro prometesse um plano tecnológico – no caso seria apenas mais um –, a notícia seria levada a sério desde o início.

Em dez anos a economia finlandesa ganhou projecção e relevância. E a Nokia converteu-se numa marca tão universal que, em Inglaterra (segundo foi noticiado recentemente), alguns casais até já baptizaram os filhos de Nokia como outros casais têm feito com produtos igualmente conhecidos. É verdade que se trata de um exotismo – ou até de simples falta de gosto de uma sociedade obcecada com o consumo – mas o que interessa aqui realçar é o facto de uma marca de um pequeno país como a Finlândia (5,2 milhões de habitantes) ter alcançado uma notoriedade tão esmagadora e, já agora, resultados tão importantes para o país. Será muito devido às exportações do sector das telecomunicações – além da indústria papeleira e do controlo apertado dos gastos públicos – que a Finlândia conseguirá que o orçamento para 2006 preveja um excedente de 2%. Como se sabe, a Nokia vale 25% das exportações finlandesas e 4% do PIB. São empresas assim que ajudam um país a sair da mediocridade e a impor-se numa economia cada vez mais aberta.

Dito isto, chegamos a Portugal. E a José Sócrates. E a Manuel Pinho. E a Mariano Gago. E, finalmente, a José Tavares e ao Plano Tecnológico. Como se verá, não é uma história feliz. É uma história de erros de ‘casting’ e alguns pequenos poderes.

Durante a campanha eleitoral, Sócrates lançou a ideia do Plano Tecnológico e agarrou-se a ela. Fez bem. Portugal precisa desesperadamente de um projecto arrojado que leve a economia para a frente, libertando-a de indústrias de mão-de-obra barata e pouco rentáveis. Ora, isso só se consegue com profissionais cada vez mais qualificados. Ou seja, com melhor educação. É uma ideia simples – a boa política faz-se com ideias simples –, que pode ter êxito se for posta em prática com orientações estratégicas claras.

Infelizmente, não foi isso que aconteceu. Primeiro, Sócrates entregou o projecto ao ministro da Economia. Mas, pelo caminho, colocou a maior fatia do dinheiro necessário para o executar nas mãos do ministro da Ciência e Tecnologia. Não se conhecem ainda os motivos para a indefinição do primeiro-ministro (pode apenas suspeitar-se) mas o resultado está à vista: ontem, demitiu-se José Tavares, o responsável que tinha sido nomeado para coordenar a iniciativa. É importante notar que José Tavares se foi embora sem ter sequer apresentado publicamente o documento-síntese do Plano Tecnológico. Ou seja, para fora não há ainda Plano Tecnológico nenhum. Talvez o próximo responsável – nomeado logo ontem – tenha mais sorte. Veremos. Já se viu que José Sócrates é rápido a substituir colaboradores, pena que o Plano Tecnológico tenha outro ritmo: ainda só é ficção científica.

 
At 18 de novembro de 2005 às 20:45, Blogger J said...

Entretanto, passou mais uma greve de professores. Realmente, o que devíamos era mesmo de ter dois ou três bons e honestos professores no Governo. Porque em minha opinião, do que este País necessita urgentemente é mesmo de sabedoria, de integridade, e, claro, de, com alegria, valorizarmos e cuidarmos do que temos, que não é assim tão pouco.

 
At 19 de novembro de 2005 às 09:34, Anonymous Anónimo said...

Há poucas semanas escrevemos aqui sobre a generalização de um relacionamento da sociedade com o tempo que se exprimiria na esmagadora campanha publicitária de uma marca ligada a telemóveis e que apregoa o conceito de uma vida centrada no "now", no "agora", no "já", no imediato.

O segredo da publicidade reside na capacidade de detectar uma tendência e actuar sobre ela, associando-a a um produto, o que, já se vê, potencia e generaliza tal tendência.

A publicidade não é o alfa e o ómega construtor ideológico das nossas sociedades é simultaneamente um quase barómetro das suas grandes tendências e, depois, um importante impulsionador (agora, diríamos, um booster...) delas.

A política em geral e a portuguesa em particular têm pago muito pesadamente esta degradação da noção de tempo, a afectar realidades tão vitais como a experiência, a memória, o exemplo ou, por outro lado, o estudo, a preparação, a reflexão. As primeiras a exigirem saber o tempo antes do "agora", as segundas a exigirem indispensável tempo depois do "agora".

A pressão do noticiário, do impacto, do marketing, do "acontecimento", da "resposta", da criação do "facto político" são alguns dos muitos exemplos que se poderiam apresentar e em que a pressão da comunicação social e a sua avassaladora tecnologia têm evidente e determinante responsabilidade.

Voltamos ao problema por causa do colapso do Plano Tecnológico do eng. Sócrates, que parece uma peculiar simetria da muito popular alegoria da pescada antes de não o ser, já não o é...

A verdade é esta é credível que qualquer coisa a que inevitavelmente se terá de exigir tanta consistência e reflexão quanto um Plano Tecnológico nacional seja exequível (mesmo puramente ao nível do projecto e preparação) surgindo como bandeira eleitoral a executar como milagrosa acção de meses governativos?!

Há aqui um problema dos conceitos da política, do tempo, do estudo, da inteligência, do trabalho. De seriedade. E nota- -se muito - agora.

 
At 19 de novembro de 2005 às 09:42, Anonymous Anónimo said...

O doutorismo

Em Portugal é mais fácil encontrar um doutor que um sapateiro, um estivador, um camponês, um operário ou um padeiro. A infestação de doutores assumiu proporções tais que quase arrisco afirmar haver um doutor em cada esquina, em cima de cada árvore ou em baixo de cada pedra da calçada. Há doutores a servir cafés, doutores a vender telemóveis, doutoras a tomar conta de crianças, doutores a fazer cargas e descargas ou a impingir-nos férias poligrupo, tapetes marroquinos e cristaleiras nas ruas . A universitarite não conhece limites sociais, mentais e etários, pelo que vemos verdadeiras criadas de servir, autênticos deficientes mentais e sem-abrigo a estender o doutorismo na ponta de garras verdadeiramente zoológicas ou no prolongamento de queixadas paleontológicas que nem Bosch ou Zurbarán, por amor à espécie humana, se atreveriam pintar. Como disse com piada e acerto Alçada Baptista, após os 30 anos de idade cada um é responsável pela cara que tem. Estes doutores, saídos em ranchos dos viveiros-universidades, quase ágrafos, exibindo um português de vão-de-escada e uma total incapacidade para o uso de faculdades intelectivas básicas, impuseram-se-nos com a arrogância de uma praga que ameaça destruir o que de distintivo a Universidade havia laboriosamente erigido desde a Idade Média; a saber, a superiorização pelo duro labor do estudo, a humildade cultural e a sede inextinguível de conhecimento. Abandonam as universidades como entraram: vazios, mas mais perniciosos porque arrogantes no manuseio da granelagem de tópicos científicos; bárbaros, mas mais especializados, pois aprenderam as técnicas de vendas, a programação de computadores, as técnicas da análise psicanalítica, o cálculo de resistência dos materiais, os sistemas constitucionais, a mecânica dos fluídos, a periodização das eras históricas, a desconstrução de um texto literário mas nunca leram uma obra literária, nunca entraran numa biblioteca ou num museu, nunca foram tocados pelo inebriante, pelo inefável ou pelo indizível da contemplação de tudo aquilo que nos diz "eis-me diante de ti, partilha da minha grandeza". Tenho vivido décadas cercado de doutorecas e doutorzinhos com estantes pejadas de Saramagos, Lobos Antunes, Joões de Mello e restante cardápio de intocáveis - em sentido literal - daquela que se transformou em carta de alforria para o reconhecimento social. São produto da escola portuguesa, que parece ter sido concebida por um deus louco. É apenas no ridículo que se aparenta com a abadia de Theleme, mas aqui não se cultiva o poliglotismo, a nobreza, as artes e o convívio. É uma anarquia de programas e teorias pedagógicas, ministros que entram por uma porta e logo se volatilizam, novos ministros que de camartelo em punho lançam o fogo sobre a seara do predecessor, stôras e stôres proletárias que se deliciam, à hora dos intervalos, a falar do cocó do menino, das peúgas do marido, na saída do Mário Frota ou da última chicotada psicológica do jogo de Domingo. São, sem tirar nem por, iguaizinhos aos queridos papás e mamãs dos monstrozinhos barulhentos, insolentes e grosseiros que os esperam para mais 50 minutos de terapia ocupacional em que devieram as aulas. O panorama não sofre alterações, do básico ao universitário, com a agravante do acesso à docência universitária, que no ensino básico e secundário decorre de concurso público, ser claramente marcada pelo grupismo, pelo lóbismo e servilismo.
O doutorismo escalona-se internamente pela corrida aos títulos. Há milhares de doutorecas e doutorzecos, aos encontrões, espezinhando-se, comprimindo-se, aguardando a abertura de uma pós-graduação, de uma especialização, de um mestrado, de um doutoramento, que até dos já inventados pós-doutoramentos, uns com 25, outros com 27 anos - sem referências, sem bases - exibindo certidões de triunfo para o "mercado de trabalho". Externamente, é a corrida às fórmulas de tratamento. Há os dr's (com minúsculas), isto é, os licenciados; há os doutores (com doutoramento), os Prof.'s dr.'s (os licenciados que leccionam como assistentes dos Prof.'s Doutores, que possuem doutoramente mas não agregação), e os Professores Doutores, que exercem nos pináculos. Esta fantasia de títulos não resiste, muitas das vezes, a um dedo de conversa. Figuras cinzentas, monocórdicas, invisíveis, capazes de anestesiar um tigre da Sibéria, de petrificar o mercúrio ou transformar a Amazónia numa cratera lunar.
O doutorismo é um mal menor num país de analfabetos? Não creio. Falseia, mascara e esconde o perpétuo divórcio da inteligência com a nossa sociedade. Enquanto assim formos, seremos, sem apelo, os últimos.

 
At 19 de novembro de 2005 às 13:14, Anonymous Anónimo said...

Com a Revolução, assumiu-se como fundamental licenciar a maioria da população, ostracizada durante cinco décadas por um regime classista altamente hierarquizado. Enquanto o numerus clausus quintuplicou nas universidades, decapitou-se de forma retaliativa o ensino intermédio e profissional, exautorado e dispensado por putativa inutilidade de qualificar canalizadores, electricistas e demais técnicos na construção de um país progressista, absorto na utopia igualitária. Tragicamente, volvidos trinta anos, continuamos a ter sanitas que obstruem, electrodomésticos que avariam e, mais grave, aumentámos modernamente a nossa dependência da técnica. Ele é torneiras misturadoras, radiadores a óleo controlados à distância, persianas eléctricas, fecho centralizado nos automóveis, etc. No entanto, saíram somente da linha de montagem democrática filões de advogados, arquitectos e professores excedentários que, por manifesta negligência curricular, desatinam a manejar uma ventosa ou a substituir uma lâmpada, não lhes sobejando assim que os empregos mal remunerados preteridos por aqueles técnicos que tanto rechaçavam. E se a alguns licenciados se lhes depara o desemprego, rebaterão os políticos tratar-se de uma forma de empolar, duplicar, o índice de educação: afinal de contas, converteu-se um país de analfabetos num país de licenciados… licenciados. Outorgue-se o doutoramento aos ditos.

 

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