quinta-feira, 1 de junho de 2006

ONDE JÁ VIMOS DO MESMO?


A procuradora Maria José Morgado criticou, terça-feira à noite, no Porto, a impunidade de que gozam, ao nível do poder local, "fenómenos de tipo mafioso siciliano, que se processam segundo as regras do cacique". Fê-lo no Café Majestic, durante a apresentação do livro Paulo Morais - Mudar o Poder Local, fruto de uma entrevista de António Freitas de Sousa, jornalista do Diário Económico, ao homem que entre 2002 e 2005 foi vice-presidente e vereador do Urbanismo da Câmara do Porto.

À obra (edição da Edeline), Maria José Morgado teceu fortes elogios: "Está aqui a luz de uma nova ética na gestão municipal." Segundo a magistrada, o livro "identifica mecanismos sórdidos que regem certos aspectos do sector do urbanismo em Portugal." Estes vão da "complexidade dos planos directores municipais" à "magia da valorização de terrenos só pela mudança de titular do direito de propriedade", passando pelas "vigarices legais", sem esquecer a "crónica dependência dos partidos dos mesmos promotores imobiliários".

Tais "pecados" caracterizam, nas palavras da procuradora, "uma forma de gestão urbanística degradada que utiliza o interesse público ao serviço de interesses privados", o que se pode resumir em cinco letras: "Crime." Porque é que a estas manobras não correspondem condenações justas, eis a pergunta que importa fazer.

"Um traficante de droga sabe que se for apanhado será condenado a dez, 15, 20 anos de prisão, mas esse risco não pende da mesma forma sobre todas as actividades de corrupção", disse, responsabilizando "um sistema de justiça reactivo e burocrático". Se a corrupção é um vírus, "tem de haver um antivírus", e os tribunais "possuem essa capacidade de resposta", vincou.

"Este livro pode ser um óptimo manual para o combate à corrupção, na medida em que identifica os seus mecanismos", referiu a magistrada, para quem, todavia, "enquanto não houver um sistema que confisque os proventos do crime, um direito premial que seja um aconchego para os que colaboram livremente com as autoridades judiciais e uma justiça que funcione a sério, o País continuará nesta onda de denúncias sem consequências". Ou, como sugeriu, com as menos desejadas: "Vamos ver o preço que Paulo Morais paga pela identificação destas patologias."

Pouco preocupado, Morais criticou fortemente a organização política do País, tanto ao nível da administração central, "que não cria condições para o desenvolvimento", como da local, que "não cria condições para o aumento da qualidade de vida".


In: Diário de Notícias

2 Comments:

At 1 de junho de 2006 às 10:08, Anonymous Anónimo said...

A Dra Maria José Morgado diz tudo o que se passa na cidade de Ponte de Sôr:

-«...fenómenos de tipo mafioso siciliano, que se processam segundo as regras do cacique...»

 
At 1 de junho de 2006 às 11:38, Anonymous Anónimo said...

Corrupção no poder local - por Paulo Morais -



Políticos portugueses "são marionetas ao serviço de interesses obscuros"



Francisco Mangas
Hernâni Pereira

O título do seu livro é Mudar o Poder Local. Mas o que o defende é uma mudança mais ampla.

Este regime, esta Primavera Marcelista que vivemos, não tem futuro. E o poder local é uma das componentes do regime que não funcionam, não servem para aquilo que devia servir. A reflexão que faço é antiga, e defendo que o papel dos políticos - os que querem o desenvolvimento do País acima de qualquer outro objectivo - deve ser de tentar destruir este regime.

Os casos de corrupção têm aumentado nas autarquias?

A corrupção não é um exclusivo do poder local. Temos um regime que foi tomado, numa lógica perversa, pelas corporações que já mandavam em Portugal antes do 25 de Abril. Hoje vivemos uma situação dramática para o povo português que é o sistema cartelizado: um grupo restrito de pessoas domina o País.

E como se combate esta usurpação do regime?

Para mudar o sistema são precisos políticos com coluna vertebral. E em Portugal temos políticos que não são mais do que marionetas ao serviço de interesses obscuros. Aliás, os únicos seres que se mantêm de pé sem coluna vertebral são as marionetas. Por outro lado, um sistema muito burocratizado, um sistema em que a justiça não funciona permite que, nas várias facetas da vida política, se desenvolvam mecanismos de corrupção.

Nas câmaras quais são as áreas mais permeáveis à corrupção?

As áreas mais visíveis, que constituem tumores da democracia, são as obras públicas, onde há um tráfico de influências generalizado e que convém atacar pela via da intervenção da justiça, mas também ao nível da gestão de urbanismo. Como sabemos, a maioria dos partidos e da vida partidária é financiada por empreiteiros e imobiliárias.

Depois há as contrapartidas...

Cada financiamento tem sempre um pagamento: a contrapartida que normalmente pedem é o favorecimento na avaliação de determinados projectos imobiliários. A corrupção aparece como corolário lógico do sistema que está montado para privilegiar ou para induzir à corrupção. É também importante que a Inspecção-Geral de Administração do Território e o Ministério Público cumpram a sua função.

A campanha das autárquicas no Porto foi paga pelos empreiteiros?

Não queria estar a concretizar, mas a maioria do financiamento dos partidos e, sobretudo, o financiamento da vida de muitas pessoas que andam à volta dos partidos, depende de empreiteiros e promotores imobiliários. Vi recentemente muitos políticos a vangloriar-se de que empresas portuguesas têm grande capacidade de entrada no mercado angolano. Fico triste: empresas com capacidade de entrar num mercado de corrupção como o de Angola não são seguramente empresas cuja principal componente seja a qualidade!

Quando fala de políticos com avenças dos empreiteiros está a referir-se a pessoas do seu partido...

De quase todos os partidos. Infelizmente em Portugal há um bloco central de interesses. O problema do tráfico de influências atravessa transversalmente todos os partidos, sendo que se exerce com maior relevo nos partidos do poder.

Voltando às autarquias: o Plano Director Municipal (PDM) abre caminho a negócios obscuros?

O PDM em certas autarquias é uma bolsa de terrenos, onde há favorecimento da valorização em função de quem é o proprietário e onde há a promiscuidade entre interesses privados e o interesse público. Como a legislação é complexa, quem for assessorado por bons advogados consegue fazer o que lhe apetece.

Quando foi afastado das listas do à Câmara do Porto disse que "enquanto Rui Rio for presidente e tutelar o urbanismo não haverá vigarices". Mantém a afirmação?

Ao sair tomei a decisão de não me pronunciar durante quatro anos sobre a vida autárquica no Porto. ..

Um dos projectos imobiliários que chumbou foi o da Quinta da China. Projecto agora aprovado por Rui Rio.

Este e outros projectos estão a ser analisados pelas autoridades e, em particular, pela Direcção Central de Investigação e Acção Penal. Não devo pronunciar-me. Abro uma excepção para explicar o motivo por que decidi indeferir o projecto da Quinta da China. A sua aprovação, tal como tinha sido vontade do executivo anterior (do PS), mais não seria que uma cedência de terrenos públicos a um promotor imobiliário para que fizesse uma obra ilegal. Jamais poderia permitir isso.

Um projecto da Mota e Companhia.

Exactamente. Chumbei o projecto sem hesitação: enquanto vereador não podia ceder terrenos a um promotor imobiliário, para que desenvolvesse um projecto ilegal. Antigo vice-presidente e vereador do Urbanismo da Câmara do Porto, Paulo Morais, lança amanhã à noite, no Café Majestic, o livro Mudar o Poder Local. Em entrevista ao DN, fala do polémico projecto Quinta da China, que chumbou e agora é aprovado por Rui Rio, e do financiamento de empreiteiros a "muita gente que anda à volta dos partidos". Na obra, apresentada por Maria José Morgado, revela que figuras do PSD o pressionaram a aprovar projectos imobiliários. O Ministério Público tem "informação bastante para intervir", assegura.
Nasceu em Viana do Castelo há 43 anos

Foi afastado das listas do PSD-CDS/PP à Câmara do Porto por alegada pressão de empreiteiros

É autor de Mudar o Poder Local
Paulo Morais
Professor universitário

 

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