quarta-feira, 5 de julho de 2006

OPINIÃO

História do futuro

A escola que temos não exige a muitos jovens qualquer aproveitamento útil ou qualquer respeito da disciplina. Passa o tempo a pôr-lhes pó de talco e a mudar-lhes as fraldas até aos 17 anos.

Entretanto mostra-lhes com toda a solicitude que eles não precisam de aprender nada, enquanto a televisão e outros entretenimentos tratam de submetê-los a um processo contínuo de imbecilização.

Se, na adolescência, se habituam a drogar-se, a roubar, a agredir ou a cometer outros crimes, o sistema trata-os com a benignidade que a brandura dos nossos costumes considera adequadas à sua idade e lava-lhes ternurentamente o rabinho com água de colónia.

Ficam cientes de que podem fazer tudo o que lhes der na real gana na mais gloriosa das impunidades.

Não são enquadrados por autoridade de nenhuma espécie na família, nem na escola, nem na sociedade, e assim atingem a maioridade.

Deixou de haver serviço militar obrigatório, o que também concorre para que cheguem à idade adulta sem qualquer espécie de aprendizagem disciplinada ou de noção cívica.

Vão para a universidade mal sabendo ler e escrever e muitas vezes sem sequer conhecerem as quatro operações. Saem dela sem proveito palpável.

Entretanto, habituam-se a passar a noite em discotecas e noutros proficientes locais de aquisição interdisciplinar do conhecimento, até às cinco ou seis da manhã.

Como não aprenderam nada digno desse nome e não têm referências identitárias, nem capacidade de elaboração intelectual, nem competência profissional, a sua contribuição visível para o progresso do país consiste no suculento gáudio de colocarem Portugal no fim de todas as tabelas.

Capricham em mostrar que o "bom selvagem" afinal existe e é português.

A sua capacidade mais desenvolvida orienta-se para coisas como o Rock in Rio ou o futebol. Estas são as modalidades de participação colectiva ao seu alcance e não requerem grande esforço (do qual, aliás, estão dispensados com proficiência desde a instrução primária).

Contam com o extremoso apoio dos pais, absolutamente incapazes de se co-responsabilizarem por uma educação decente, mas sempre prontos a gritar aqui-d'el-rei! contra a escola, o Estado, as empresas, o gato do vizinho, seja o que for, em nome dos intangíveis rebentos.

Mas o futuro é risonho e é por tudo o que antecede que podemos compreender o insubstituível papel de duas figuras como José Mourinho e Luiz Felipe Scolari.

Mourinho tem uma imagem de autoridade friamente exercida, de disciplina, de rigor, de exigência, de experiência, de racionalidade, de sentido do risco. Este conjunto de atributos faz ganhar jogos de futebol e forma um bloco duro e cristalino a enredomar a figura do treinador do Chelsea e o seu perfil de condottiere implacável, rápido e vitorioso. Aos portugueses não interessa a dureza do seu trabalho, mas o facto de "ser uma máquina" capaz de apostar e ganhar, como se jogasse à roleta russa.

Scolari tem uma imagem de autoridade, mas temperada pela emoção, de eficácia, mas temperada pelo nacional-porreirismo, de experiência, mas temperada pela capacidade de improviso, de exigência, mas temperada pela compreensão afável, de sentido do risco, mas temperado por um realismo muito terra-a- -terra. É uma espécie de tio, de parente próximo que veio do Brasil e nos trata bem nas suas rábulas familiares, embora saiba o que quer nos seus objectivos profissionais.

Ora, depois de uns séculos de vida ligada à terra e de mais uns séculos de vida ligada ao mar, chegou a fase de as novas gerações portuguesas viverem ligadas ao ar, não por via da aviação, claro está, mas porque é no ar mais poluído que trazem e utilizam a cabeça e é dele que colhem a identidade, a comprazer-se entre a irresponsabilidade e o espectáculo.

E por isso mesmo, Mourinho e Scolari são os novos heróis emblemáticos da nacionalidade, os condutores de homens que arrostam com os grandes e terríficos perigos e praticam ou organizam as grandes façanhas do peito ilustre lusitano. São eles quem faz aquilo que se gosta de ver feito, desde que não se tenha de fazê-lo pessoalmente porque dá muito trabalho. Pensam pelo país, resolvem pelo país, actuam pelo país, ganham pelo país.

Daí as explosões de regozijo, as multidões em delírio, as vivências mais profundas, insubordinadas e estridentes, as caras lambuzadas de tinta verde e vermelha dos jovens portugueses. Afinal foi só para o Carnaval que a escola os preparou. Mas não para o dia seguinte.


Vasco Graça Moura

2 Comments:

At 10 de julho de 2006 às 14:56, Anonymous Anónimo said...

"A escola que temos não exige a muitos jovens qualquer aproveitamento útil ou qualquer respeito da disciplina. Passa o tempo a pôr-lhes pó de talco e a mudar-lhes as fraldas até aos 17 anos.
Entretanto mostra-lhes com toda a solicitude que eles não precisam de aprender nada, enquanto a televisão e outros entretenimentos tratam de submetê-los a um processo contínuo de imbecilização. "

Tal como bem refere o escritor em pseudónimo de mito, Vasco tem graça, mas falta-lhe memória e alguma vergonha.
Por isso, é sempre bom lembrar os...

"Os Avatares do Escritor
Vasco Graça Moura, o escritor - não confundir com o político (são e não são -neste caso, não - a mesma pessoa)-, escreve um certo número de verdades eloquentes no DN de ontem. São evidências mais que óbvias, que resplandecem, que bradam aos céus, que se têm vindo paulatinamente a acumular e a fermentar numa espécie de monturo regimental, mas que, todavia, não parecem perturbar seriamente ninguém. Mesmo o escritor Graça Moura, do alto da sua condolência retórica, é só às quartas-feiras que padece destas inquietações. No remanescente calendário, sobretudo quando o partido de que é luminária excelentíssima pasta no erário público, o escritor Graça Moura cede diligentemente o púlpito ao deputado Graça Moura, ao Comendador Graça Moura, ao Comissário Político Graça Moura, em suma: a toda uma vasta catrefa de avatares vorazes, todos eles demasiado catrafilados aos úberes do Orçamento para terem tempo a esbanjar com tão improfícuas lana-caprinices. Na verdade, mal a maré muda, o vate pio desce exausto do púlpito e adeja a refocilar, com volúpia, no bordel. Ora, a maré, abençoadinha, Deus lha guarde por muitos e bons anos, tem mudado sistematicamente, com regularidade providencial e cadência de alterne. Não espanta pois que, em perfeita sincronia, logo que a ressaca cede lugar à cornucópia, o campeão das virtudes se outorgue indulgências sabáticas e corra a retemperar-se, jubiloso, entre as rameiras.Mas como agora estamos num daqueles interstícios severos por onde o fariseu, ocasionalmente, espreita e salmodia, não duvidemos: é o escritor. Quiçá mortificado ou descompensado por alguma síndrome de privação, dá gosto vê-lo a verberar contra o petisco, a denegrir no refogado, a escarnecer do pitéu. Quando não está ocupada com a mama, foge-lhe a boca para a verdade. Não obstante, nos trinta anos em que andaram a confeccioná-la, à monumental mixórdia, a maior parte do tempo, ele, o mija-versos, o besunta-formas, passou-o nas cozinhas. Desde o PREC que lá anda: ora de roda do Chef, a acolitar ao forno, ora de faxina ao lava-loiça, a resmungar e a branquear os tachos.De secretário de Estado no lendário Gonçalvismo do IV Governo Provisório a Comissário Político no não menos épico Cavaquistão, [ foi secretário de estado da Segurança Social do IV Governo Provisório e secretário de Estado dos Retornados do VI Governo Provisório. Foi nomeado director de programas da RTP, em 1978, e nesse mesmo ano passou à Imprensa Nacional-Casa da Moeda, cuja área editorial administrou até 1988. Entre 1988 e 1995 foi presidente da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e deputa no Parlamento Europeu, que é uma mama segundo o ex-colega Rosado Fernandes- nota do postador.] foi vê-lo sempre a aviar-se, numa azáfama de videirinho a reboque duma pança insaciável de comensal.
Responsabilidades? Vão pedi-las ao Camões!... Porque neste país, responsabilidade, vergonha, memória, tal qual como o reconhecimento, são geralmente a título póstumo."

 
At 7 de dezembro de 2006 às 02:22, Anonymous Anónimo said...

Keep up the good work
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