DEZ
O que se tem passado na Universidade Independente seria desinteressante, se não se tratasse de algo que revela mais do que sugere à primeira vista. Não é apenas um caso de má gestão, luta pelo poder e intriga. É muito mais do que isso. É um episódio visível de uma realidade mais vasta, a da maioria das universidades privadas. Mostra a fragilidade do capitalismo de casino e das universidades instantâneas. Põe em evidência a ganância dos novos empresários universitários. Exibe as semelhanças existentes entre o ensino superior privado, as grandes obras públicas, a construção civil e o futebol. Deixa de rastos a capacidade reguladora e fiscalizadora do Estado. E faz recordar as condições em que nasceu o ensino superior privado em Portugal.
Uma parte daqueles senhores, que se devem tratar mutuamente de professor doutor, vossa excelência e magnífico reitor, já andou envolvida em várias aventuras idênticas, com espectáculos indecorosos e pancadaria. É injusto para algumas instituições privadas que cumprem as suas obrigações e desempenham um papel útil, mas a verdade é que a reputação e a realidade deste sector são do pior. Umas ensinam pouco, outras não estudam. Umas recebem mal, outras gastam pior. Umas estão em dificuldades financeiras, outras não têm estudantes. De umas ninguém quer ouvir falar, de outras não há quem queira os diplomados. Quase todas têm problemas com o fisco ou com as finanças; ora com a lei penal, ora com as leis do comércio. Os cursos de umas não são certificados pelas Ordens profissionais, os de outras não são desejados pelas empresas. O caso da Independente é símbolo de algo que muitos recusam reconhecer: a falência quase total do ensino superior privado.
Vale a pena recordar. No final dos anos 70, por causa da incapacidade do ensino público, mas também graças à ambição de uns tantos, começam a nascer umas instituições a que o Estado obriga a tomar a forma legal de cooperativa. Era uma ficção, toda a gente o sabia, mas os costumes locais são esses. Logo uma das primeiras, Livre de sua graça, acaba em pancadaria. Em meados dos anos 80, a pressão demográfica era terrível, o numerus clausus apertado e a ideologia muito forte: de um jacto, o governo reconhece seis universidades, a quem atribui alvará e mérito científico. Eram umas associações sem qualquer actividade conhecida e acabadas de criar para esse efeito. Mas bastaram os nomes e as cunhas. O ministro não hesitou em reconhecer-lhes competência. De repente, de todos os lados, surgiram benfeitores, académicos e elites científicas preocupadas com as capacidades intelectuais da pátria. Um rancho de antigos ministros de Salazar e Caetano que queriam regressar à vida pública. Muitos novos-ricos da democracia e da advocacia. Maçons das duas lojas, a crente e a laica. Católicos de vários bordos, secretos ou discretos. Empresários no minuto. Académicos falhados das universidades públicas. E gente de todos os partidos da direita e da esquerda, muito especialmente deputados com visibilidade e influências. As coligações políticas que, para provar a sua isenção, se fizeram nestas universidades fariam corar qualquer observador. A facilidade com que se adquiriam títulos foi um grande argumento. Os vencimentos eram de tão alta cilindrada quanto os carros que se alinhavam nos estacionamentos das instituições. De um dia para o outro, todos eram professores doutores e catedráticos. Os estudantes enchiam os corredores. Foram comprados palácios e solares. Fizeram-se negócios imobiliários. As indústrias de móveis, de informática, de equipamentos pedagógicos e outros saltaram em cima das oportunidades. Logo surgiram mais umas dezenas de universidades, escolas superiores e institutos. Tão dinâmicas cooperativas multiplicaram os cursos e inventaram licenciaturas que se contaram por muitas centenas. Alugaram-se os serviços de professores das universidades públicas que acumularam sem vergonha. Nos prospectos de publicidade e nas candidaturas ao reconhecimento ministerial, corriam listas de notáveis de todos os partidos, de cientistas de todos os quilates e de figuras de todas as grandes famílias de sociedade. Muitos só davam o nome, mas recebiam o cheque. Quase todas conseguiram apoios bancários. Todas obtiveram a cumplicidade activa do ministério. Abriram-se linhas privilegiadas de negócios e cooperação com os países africanos, sobretudo Angola, onde havia mais petróleo. Em poucos anos, chegámos aos 120.000 estudantes, tantos quantos havia em 1999. A preços de hoje e a 300? por mês e cabeça, vezes dez a 14 meses de propinas, facturaram-se belas somas que ultrapassavam os 300 milhões de euros por ano! Era negócio! Havia nicho de mercado. Depois, as coisas começaram a correr mal. O numerus clausus oficial aumentou um pouco. A demografia reduziu os candidatos. A experiência mostrou que muitos daqueles diplomas eram do domínio da ficção. Os episódios de intriga, má gestão e ganância consolidaram a má reputação das privadas. Gradualmente, todo o sector entrou em crise. Esta perturbação na Independente não é a primeira. Nem a última.
E qual foi o papel do Estado? O habitual. Primeiro resistiu. Depois foi cúmplice. Finalmente deixou correr. Como de costume. Ou se ocupa de tudo, monopoliza e mata o que cresce à volta. Ou deixa a selva crescer e chama-lhe sociedade civil. Como fez nas comunicações, na televisão, nos petróleos, na electricidade e nos telefones. A passagem dos sectores fechados à iniciativa privada e do monopólio ao mercado fez-se quase sempre com desatenção do Estado, promiscuidade partidária e interesses pessoais ilegítimos. O Estado português é assim, não está para meias medidas. Não sabe permitir e, ao mesmo tempo, regular. Não consegue deixar viver e, em simultâneo, cumprir os seus deveres de fiscalização. Nem sequer é capaz de reagir rapidamente, como deveria ter feito neste caso. Não é justo dizer que o Estado tem culpa. Mas é rigoroso afirmar que é responsável.
António Barreto
Uma parte daqueles senhores, que se devem tratar mutuamente de professor doutor, vossa excelência e magnífico reitor, já andou envolvida em várias aventuras idênticas, com espectáculos indecorosos e pancadaria. É injusto para algumas instituições privadas que cumprem as suas obrigações e desempenham um papel útil, mas a verdade é que a reputação e a realidade deste sector são do pior. Umas ensinam pouco, outras não estudam. Umas recebem mal, outras gastam pior. Umas estão em dificuldades financeiras, outras não têm estudantes. De umas ninguém quer ouvir falar, de outras não há quem queira os diplomados. Quase todas têm problemas com o fisco ou com as finanças; ora com a lei penal, ora com as leis do comércio. Os cursos de umas não são certificados pelas Ordens profissionais, os de outras não são desejados pelas empresas. O caso da Independente é símbolo de algo que muitos recusam reconhecer: a falência quase total do ensino superior privado.
Vale a pena recordar. No final dos anos 70, por causa da incapacidade do ensino público, mas também graças à ambição de uns tantos, começam a nascer umas instituições a que o Estado obriga a tomar a forma legal de cooperativa. Era uma ficção, toda a gente o sabia, mas os costumes locais são esses. Logo uma das primeiras, Livre de sua graça, acaba em pancadaria. Em meados dos anos 80, a pressão demográfica era terrível, o numerus clausus apertado e a ideologia muito forte: de um jacto, o governo reconhece seis universidades, a quem atribui alvará e mérito científico. Eram umas associações sem qualquer actividade conhecida e acabadas de criar para esse efeito. Mas bastaram os nomes e as cunhas. O ministro não hesitou em reconhecer-lhes competência. De repente, de todos os lados, surgiram benfeitores, académicos e elites científicas preocupadas com as capacidades intelectuais da pátria. Um rancho de antigos ministros de Salazar e Caetano que queriam regressar à vida pública. Muitos novos-ricos da democracia e da advocacia. Maçons das duas lojas, a crente e a laica. Católicos de vários bordos, secretos ou discretos. Empresários no minuto. Académicos falhados das universidades públicas. E gente de todos os partidos da direita e da esquerda, muito especialmente deputados com visibilidade e influências. As coligações políticas que, para provar a sua isenção, se fizeram nestas universidades fariam corar qualquer observador. A facilidade com que se adquiriam títulos foi um grande argumento. Os vencimentos eram de tão alta cilindrada quanto os carros que se alinhavam nos estacionamentos das instituições. De um dia para o outro, todos eram professores doutores e catedráticos. Os estudantes enchiam os corredores. Foram comprados palácios e solares. Fizeram-se negócios imobiliários. As indústrias de móveis, de informática, de equipamentos pedagógicos e outros saltaram em cima das oportunidades. Logo surgiram mais umas dezenas de universidades, escolas superiores e institutos. Tão dinâmicas cooperativas multiplicaram os cursos e inventaram licenciaturas que se contaram por muitas centenas. Alugaram-se os serviços de professores das universidades públicas que acumularam sem vergonha. Nos prospectos de publicidade e nas candidaturas ao reconhecimento ministerial, corriam listas de notáveis de todos os partidos, de cientistas de todos os quilates e de figuras de todas as grandes famílias de sociedade. Muitos só davam o nome, mas recebiam o cheque. Quase todas conseguiram apoios bancários. Todas obtiveram a cumplicidade activa do ministério. Abriram-se linhas privilegiadas de negócios e cooperação com os países africanos, sobretudo Angola, onde havia mais petróleo. Em poucos anos, chegámos aos 120.000 estudantes, tantos quantos havia em 1999. A preços de hoje e a 300? por mês e cabeça, vezes dez a 14 meses de propinas, facturaram-se belas somas que ultrapassavam os 300 milhões de euros por ano! Era negócio! Havia nicho de mercado. Depois, as coisas começaram a correr mal. O numerus clausus oficial aumentou um pouco. A demografia reduziu os candidatos. A experiência mostrou que muitos daqueles diplomas eram do domínio da ficção. Os episódios de intriga, má gestão e ganância consolidaram a má reputação das privadas. Gradualmente, todo o sector entrou em crise. Esta perturbação na Independente não é a primeira. Nem a última.
E qual foi o papel do Estado? O habitual. Primeiro resistiu. Depois foi cúmplice. Finalmente deixou correr. Como de costume. Ou se ocupa de tudo, monopoliza e mata o que cresce à volta. Ou deixa a selva crescer e chama-lhe sociedade civil. Como fez nas comunicações, na televisão, nos petróleos, na electricidade e nos telefones. A passagem dos sectores fechados à iniciativa privada e do monopólio ao mercado fez-se quase sempre com desatenção do Estado, promiscuidade partidária e interesses pessoais ilegítimos. O Estado português é assim, não está para meias medidas. Não sabe permitir e, ao mesmo tempo, regular. Não consegue deixar viver e, em simultâneo, cumprir os seus deveres de fiscalização. Nem sequer é capaz de reagir rapidamente, como deveria ter feito neste caso. Não é justo dizer que o Estado tem culpa. Mas é rigoroso afirmar que é responsável.
António Barreto
Etiquetas: Educação, José Sócrates
1 Comments:
O que e interessante e sermsp goovernados por "licenciados" nesta tal universidade, que ninguem reconhece os cursos,como e que com getsores deste podemos ir a algum lado.
Universidade temos as clasicas Lisboa Porto Coimbra e a Catolica, todas as outras e so juntar rotulos da farinha 33 e tem-se o canudo, nao vale para nada no mercado de emprego, mas ajuda na promoçao social.
Assim vamos cantando e rindo, sonhamdo que esramos na Europa quando estamos e na America Latina
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