quinta-feira, 19 de abril de 2007

SAGA SOCRÁTICA

A saga da Universidade Independente (UnI), que esta semana deixou o País suspenso dos próximos capítulos com a promessa de revelações bombásticas, bate aos pontos qualquer telenovela mexicana – incluindo as de fazer chorar as pedras da calçada –, mete num chinelo as múltiplas e milionárias querelas em torno do Código Da Vinci, deixa a léguas de distância os mais intrincados enredos de Sherlock Holmes ou Hércule Poirot, e só não bate os recordes de bilheteira do Harry Potter porque a indústria cinematográfica do vasto mundo ainda não se deu conta do potencial português.
O caso tem os ingredientes todos para o sucesso:
funcionários menores que obviamente começaram por ser os principais suspeitos;
gestores maiores que estando evidentemente acima de qualquer suspeita estão a contas com a justiça;

documentos que aparecem, desaparecem e reaparecem em duplicado;
datas trocadas e/ou truncadas em registos oficiais;
segredos guardados a sete chaves em cofres blindados; administradores empossados de manhã e demitidos à tarde;
ligações internacionais mais ou menos obscuras;

insinuações de traficâncias várias e lavagem de dinheiro;
acusações de tráfico de influências, favores e recompensas por bons serviços prestados ou a prestar;
ratos
a abandonar o navio levando os queijos da dispensa;

e um rol ainda não totalmente apurado de personalidades que teriam sido atraídas pela UnI como borboletas pela luz.


Se semelhante imbróglio não empolgar os portugueses, não fizer estremecer as provectas paredes de Belém, e não sacudir as cadeiras de S. Bento e afins, então será caso para concorrer ao Guiness e ganhar a palma de falta de sentido de oportunidade, porque com uma trama destas qualquer governo que se prezasse havia de meter para debaixo do tapete as críticas à sua governação, explorar até ao tutano o filão dos engenheiros, doutores e advogados (só para citar alguns exemplos) que às tantas são apenas josés, marias, pedros ou franciscos como os pais os nomearam, o que não sendo vergonha nenhuma tem o pequeno óbice de dar menos prestígio a um republicano regime que ao acabar com a monarquia ficou a braços com a falta de títulos que distinguissem a elite da populaça.

Não é, infelizmente, o que vai suceder.
Primeiro, porque os doutores e engenheiros prezam tanto os respectivos rótulos que não olham a meios para os defender e ostentar, prova provada das penas que penaram para os arranjar; depois, porque o povo, sempre ingrato, se não mesmo invejoso, insiste em não se deixar distrair com o enredo e desdobra-se em plenários, reuniões, encontros e debates, multiplica queixas e críticas, e até, imagine-se, insiste em sair à rua com manifestações e greves. Um despautério. Uma falta de imaginação. Diria mesmo uma falta de consideração para quem tanto se empenha em distribuir um requintado perfume de escândalo para amenizar os suores do trabalho ou da falta dele, que é o que mais transtorna quem de universidades só sabe por ouvir falar, ou que as tendo frequentado se interroga hoje para que lhe serve o canudo.

Há que dar o devido desconto a tamanha ingratidão.
Sem cofres fortes para guardar a revolta, resta a luta para exigir justiça. De preferência em alto e bom som, que faz bem à alma e já fez cair muitos doutores e engenheiros.


A.F.

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3 Comments:

At 19 de abril de 2007 às 21:57, Anonymous Anónimo said...

A pulsão suicida'
O primeiro-ministro foi particularmente atingido por um caso que mostrou ao país o que o seu retrato oficial escondia

Como era de esperar, os "esclarecimentos" do primeiro-ministro à RTP "esclareceram" apenas os que queriam, acima de tudo, ser "esclarecidos". Uma semana depois, a fé dos adeptos, onde se contam inúmeros jornalistas, resiste heroicamente à divulgação de novos dados sobre a licenciatura do eng. Sócrates: para uns, o fim do silêncio do primeiro-ministro devia equivaler ao fim de uma polémica que, segundo um editorial do Diário de Notícias, tem sido alimentada diariamente por "notícias avulsas, sem conteúdo nem sentido"; para outros, esta insistência numa "questão que não interessa nada" (José António Saraiva dixit) revela, como explica candidamente Fernando Madrinha, no Expresso, "uma pulsão suicida que nos puxa para o abismo sempre que um Governo tem condições para definir um rumo e a coragem de seguir em frente, convicto de estar a fazer aquilo que tem de ser feito". Só falta recuperar, embora a recuperação esteja implícita, a famosa frase do Prof. Cavaco Silva que o PS tão bem soube aproveitar: "Deixem-nos trabalhar!". Nessa altura, foi o próprio primeiro-ministro que, perante a gargalhada geral, defendeu o seu direito ao sossego e à harmonia institucional. Agora, pelos vistos, são os jornalistas os primeiros a zelar pelos interesses laborais de um Governo que, de acordo com os mesmos, tem um "rumo" para o país e a "coragem" de não o abandonar.

Não vale a pena perder muito tempo com a suposta "irrelevância" das notícias que têm vindo a público. Como se viu esta semana, é impossível ignorar a sucessão de factos controversos que enfeitam o percurso universitário do eng. Sócrates. As datas não coincidem, os documentos são contraditórios, as avaliações incompreensíveis, o plano de equivalências inexplicável e as "explicações" oficiais claramente insuficientes.

Neste momento, fazendo um ponto provisório da situação, existem dois certificados de licenciatura que não coincidem, um plano de equivalências que não passou pelo conselho científico da Universidade e que não foi sequer aprovado pelo seu reitor, dois curricula na Assembleia da República, quatro cadeiras dadas, no mesmo ano, pelo mesmo professor, uma cadeira que não foi dada pelo professor responsável e, por fim, um exercício de Inglês Técnico feito e avaliado depois da data em que terá sido concluída a licenciatura. Se, no meio de todo este enredo, há quem se considere devidamente "esclarecido", não sou eu, com certeza, que vou desfazer essa doce e miraculosa fantasia. Já a "pulsão suicida" referida por Fernando Madrinha e outros ilustres comentadores merece alguma atenção. Pelo que se depreende do que foi escrito, esta semana, um jornalista responsável não pode fragilizar politicamente um Governo que está "convicto de estar a fazer aquilo que tem de ser feito". Antes de "dar gás" a "trapalhadas" avulsas e crises ministeriais, tem que fazer uma avaliação da política governamental: se esta for positiva, como parece ser a do eng. Sócrates, as "trapalhadas" devem desaparecer perante as velhas e recorrentes questões que interessam verdadeiramente aos portugueses; se, pelo contrário, a política anunciada indiciar o pior, como aconteceu, por exemplo, no tempo do dr. Santana Lopes, então qualquer "trapalhada" deve transformar-se num caso nacional, com direito a primeiras páginas e a aberturas de telejornais.

O principal "erro" do dr. Marques Mendes não foi ter falado numa "falha de carácter" do eng. Sócrates: foi ter-se "atrevido" a dar crédito institucional a factos que fragilizam politicamente um Governo - que, de acordo com os poderes estabelecidos, deve ser preservado a todo o custo, de forma a poder cumprir os seus lustrosos objectivos.

Acontece que os factos não desaparecem perante as conveniências de uns e o entendimento de outros tantos. Por muito "corajoso" e "determinado" que seja, o primeiro-ministro foi particularmente atingido por um caso que mostrou ao país o que o seu retrato oficial escondia. Por trás da imagem de Estado que ele habilidosamente construiu, durante estes dois anos de Governo, surge, agora, à vista de toda a gente, o Sócrates que ele sempre foi: um político sem espessura, educado nos meandros do aparelho e nos favores do partido, que se notabilizou, a dada altura, pelas qualidades cénicas que revelou. O facilitismo que se detecta no seu percurso académico conjuga-se mal com o "rigor" de que faz gala e com a "determinação" com que enfrenta os "interesses" estabelecidos e os grupos de "privilegiados". Não vale a pena escamotear a realidade. Muito menos alterar critérios noticiosos consoante a opinião política dos jornalistas. O facto (por demonstrar) de este Governo ter um "rumo" e "coragem" para o prosseguir não o exime do escrutínio público, nem pode ser visto como um impedimento à liberdade de informação.

Constança Cunha e Sá

19 Abril 2007
in PÚBLICO

 
At 19 de abril de 2007 às 21:59, Anonymous Anónimo said...

A razão do "estado a que chegamos"

“ A legitimidade de um primeiro ministro vem dos votos, não dos títulos académicos. Mas, utilizar um título que não se tem, fazer passar-se por aquilo que não é, revela uma falha de carácter, mina a credibilidade e afecta a sua autoridade.”

Foi isto que o político Marques Mendes disse de José Sócrates a propósito do seu percurso académico e que tem vindo a causa polémica.Nenhum outro político ousou avançar tanto nos comentários ao caso escandaloso.
Há um consenso algo esquisito em comentadores e políticos que se aprestam sempre a demarcar-se destas declarações. Jorge Coelho acha-as “indignas”, o que revela muito sobre o seu conceito de dignidade. Pacheco Pereira, demarca-se e não concorda com apreciações de “carácter”. Duarte Lima, Dias Loureiro, Ângelo Correia e outros, idem. Aliás, estes três personagens da nossa política mediática, enriquecidos pela política, costumam falar estranhamente a uma só voz e uma breve e perfunctória análise do seu percurso político, deveria fazer pensar duas vezes quem os ouve, cuidando de apurar razões para o que dizem.

Assim, o mais interessante, neste caso, começa a ser a observação da atitude pública dos políticos, comentadores e público em geral, bem como da opinião publicada nos media, incluindo blogs.

O caso Sócrates permite avaliar uma fractura importante, tornada explícita pelas diversas reacções públicas e políticas já conhecidas: o actual nível de ética e moral, publicamente exigível a governantes e responsáveis políticos em geral.
Uma esmagadora maioria de políticos de todos os quadrantes e feitios ideológicos, continua a desvalorizar o assunto e começou a comentar o caso, apenas quando o mesmo era inevitável e incontornável. Et pour cause, dir-se-ia.
Objectivamente, resulta como óbvio que todos prefeririam deixar o assunto morrer por si mesmo, na indignação dos blogs anónimos, nunca citados e confundidos com bastidores de mentideros e maledicência. Algo semelhante aos corredores dos círculos de poder onde se diz que disse.
O assunto era incómodo para os poderes, porque colocava em crise aberta, o modo como muitos se alcandoram a esses poderes fácticos e de direito. E são aos milhares, em Portugal!
Mas havia factos. Muitos factos e sem possibilidade de contorno político. E os jornais, fatalmente pegaram neles. Hoje, até o 24 Horas dá destaque de primeira página ao assunto famoso ( e só por isso, claro, que as vendas contam para todos).
Os factos registados, apontavam para sérias dúvidas e interrogações de perplexidade, acerca da correcção de uma qualificação académica e profissional de um indivíduo que pertence à classe política, foi deputado, ajudante de ministro e é actualmente primeiro- ministro. As aparentes incorrecções de datas, números, afirmações, contradições escritas e documentalmente comprovadas, permitem a dúvida séria e consistente no sentido de o diploma de um indivíduo que é primeiro-ministro, poder ter sido obtido através de um eventual favorecimento pessoal, grave nesta circunstância particular. A dúvida foi considerada pelo próprio como "legítima", depois de numa primeira reacção publicada, ter sido considerada uma "calúnia".

Essa circunstância aventada a medo e a custo, foi considerada publicamente, até pelo circunspecto líder do BE, Louça, como o pecado mortal que nunca seria perdoado ao primeiro ministro, nem que fosse confessado.
Há por aqui, uma primeira fractura: uma parte dos políticos, aceita como inadmissível o favorecimento pessoal, na obtenção de um diploma, pelo actual primeiro ministro, mesmo quando ainda nem o pensava ser. Eticamente, há pelo menos esta definição assente.

Outra, que perpassa nas declarações públicas e parece pacífica, será obviamente a que contende com a prática de crimes de catálogo. A falsificação de documentos ou o uso dos mesmos, é naturalmente inadmissível e insuportável, se comprovada. O caso dos manuscritos de José Sócrates, nos boletins biográficos da Assembleia da República, onde perpassam eventuais indicações apócrifas, da autoria do próprio, sem que se conheçam os originais de onde partiram e a atitude manifestamente reservada do próprio presidente da AR, ontem, fazem prever um cenário inadmissível, mesmo para os padrões de laxismo e contemporização mais alargados, onde aliás, o local tem sido fértil ( basta lembrar o caso das viagens dos deputados e as faltas ao plenário com assinaturas presenciais de ausentes).

Temos por isso, outro padrão ético de desvalor evidente, neste caso, até com relevância jurídica, pacificamente aceite pela classe política em particular e cidadãos em geral.

Onde já se torna duvidosa a relevância ética, é na atenção da opinião político-mediática ao “uso social” e também pessoal, de um título profissional por quem nunca o teve nem podia ter. Este pecadilho, desvalorizado e glosado agora como costume social sem importância, distraído do facto incómodo de ser o próprio titular a contemporizar e assumir a sua prática, passa actualmente como a justificação cega para quem não quer olhar para os pecados graves indesculpáveis que podem ocultar-se e aos quais nega a possibilidade de investigação, por afastamento liminar.
É a poeira possível que tentam lançar para quem pode decidir o destino dos seus tachitos de interesses particulares e de grupo: o cidadão médio que se ouve em sondagem na rádio.
Esta atitude cívica, ética e moral diz muito de quem somos e da educação que cultivamos. Diz mais do que mil estudos sociológicos de Antónios Barretos e afins.

Por fim, como corolário de todos estes cenários de amostra dos nossos actuais valores éticos e políticos, apresenta-se um outro fenómeno antigo e de solidez comprovada nos círculos de poder de todas as latitudes e ideologias: o Interesse do Estado. A raison d´ état dos franceses.
Esta razão conhecida e aprovada por alguns, costuma servir para justificar encobrimentos de malfeitorias em nome de valores sólidos, como a estabilidade de um serviço, regime, poder ou para evitar males maiores para um povo, grupo ou interesse relevante. Representa muitas vezes o sacrifício de um valor nobre, para proteger outro de nobreza equivalente ou de significado mais alargado.
Em política, serve como justificação para variadas decisões. Há razões de Estado que evitam guerras e serão aceitáveis. Há razões de Estado que evitam males maiores para uma população e sê-lo-ão também. Há ainda razões de Estado que protegem segredos classificados como tal, e compreendem-se.

O que não se compreende nem aceita de todo em todo, é que se defendam razões do mesmo tipo, para obliterar valores com validade sólida, como a condenação pública e exemplar, da mentira rasteira, da aldrabice mais evidente e da trafulhice mais pegada, para não falar em manigâncias de ordem mais prosaica e que definem exactamente um carácter. Há quem tenha sido substituído num governo por...incompetência? Há?! Então...
Se tal encolher de ombros democrático, se fizer em nome de uma estabilidade de um governo cuja substituição acarreta despesas e resultados incertos para a politiquice e a desestabilização da vida pessoal de quem se acomodou, ainda se compreende menos, porque os valores sacrificados nem sequer se comparam. Nem sequer colhe o argumento da imagem pública internacional. Essa, já se estragou há muito e ainda se estraga mais. Imagine-se o que não se diz por essas chancelarias!
Trocar valores e princípios que deviam ser sólidos, por conveniências de circunstância, parece ser o nosso destino fatal, com estes políticos de pacotilha que andamos a escolher há trinta anos. Não dão exemplo algum de correcção democrática, quando tal se lhes exige, como agora; não cumprem os valores que dizem defender em certas alturas e estão sempre prontos para contemporizar e negar os mesmos valores quando as circunstâncias colocam em risco os lugares que ocupam e interesses particulares que defendem.
São, nesse aspecto, todos iguais e as pessoas em geral, já perceberam isso há muito tempo. Alguns não querem parecer, mas são-no. Outros, não o sendo, aparentam muito bem. Resta saber em nome exactamente de quê e de quem.

 
At 19 de abril de 2007 às 23:35, Anonymous Anónimo said...

O que se terá passado nos bastidores para que as prometidas revelações bombásticas sobre a licenciatura de José Sócrates não tivessem acontecido? Sócrates está claramente sob chantagem.

 

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