OS NOVOS GAIBÉUS
Do Alto Ribatejo e da Beira Baixa, eles descem às lezírias pelas mondas e ceifas. Gaibéus lhes chamam. No romance que estabeleceu novos meridianos na literatura portuguesa, e inaugurou o movimento neo-realista, Alves Redol escrevia o mural do desespero e da fome. Gaibéus é de 1939. Adjectivava uma infâmia e um infortúnio.
Camponeses das Beiras, a que chamavam, também, ratinhos, furavam greves, trabalhavam nos campos gerais ribatejanos e nas searas alentejanas submetendo-se a salários muito inferiores aos dos trabalhadores locais.
Também do Algarve saíam, para os latifúndios, os que não encontravam, nas suas terras, a subsistência mais rudimentar.
O emprego sazonal era o anverso da medalha do desemprego. A fome acossava esses pobres portugueses, que vendiam a alma, perdiam a dignidade e estilhaçavam o carácter a troco de um pouco de pão.
O Ribatejo e o Alentejo, insubmissos, insultavam e, amiúde, espancavam os que iam roubar-lhes o trabalho.
As designações gaibéu ou ratinho, estigmas desonrosos, assinalavam a rejeição do outro, afinal sofredor como aqueles que o abominavam.
Redol não se cansou de narrar a epopeia dos imigrados do interior, esses retirantes temporários nos quais depositava uma comovente porção de ternura, em páginas admiráveis, que culminaram com uma obra-prima, Barranco de Cegos.
Lembrei-me do grande escritor quando, há dias, a Televisão da Galiza noticiou que os trabalhadores da região se manifestavam, com veemência e alvoroço, contra os milhares de portugueses que se ofereciam para trabalhar por metade e, até, por um terço dos salários ali auferidos.
A desconstrução da miséria antiga não foi suficiente para a fazer desaparecer: mascarou-a. E a globalização, como espaço de equidade, de solidariedade, e paradigma da liberdade, desprotege, cada vez mais, os desfavorecidos, além de atingir, com singular violência, a classe média.
Os novos gaibéus são, também, licenciados, cientistas, intelectuais, investigadores; e jovens e jovens e jovens.
Os nossos dirigentes políticos não possuem talento nem grandeza para criar condições de vida aceitáveis.
A sua mediocridade exultante é típica do populismo autoritário, que deixa de lado as mais vivas expressões da realidade social.
Portugal é, de novo, um país gaibéu.
Como acentuou Antonio Negri, num entusiasmante livro de entrevistas com Raff Valvora Scelsi, Goodbye Mister Socialism, esta Esquerda estimula o êxodo, em vez de promover o afrontamento.
Prefere o deserto humano a ter de partilhar experiências com as singularidades dos movimentos que se ajuramentam, um pouco por todo o lado.
Esta Esquerda é a Direita exacerbada.
B.B.
Camponeses das Beiras, a que chamavam, também, ratinhos, furavam greves, trabalhavam nos campos gerais ribatejanos e nas searas alentejanas submetendo-se a salários muito inferiores aos dos trabalhadores locais.
Também do Algarve saíam, para os latifúndios, os que não encontravam, nas suas terras, a subsistência mais rudimentar.
O emprego sazonal era o anverso da medalha do desemprego. A fome acossava esses pobres portugueses, que vendiam a alma, perdiam a dignidade e estilhaçavam o carácter a troco de um pouco de pão.
O Ribatejo e o Alentejo, insubmissos, insultavam e, amiúde, espancavam os que iam roubar-lhes o trabalho.
As designações gaibéu ou ratinho, estigmas desonrosos, assinalavam a rejeição do outro, afinal sofredor como aqueles que o abominavam.
Redol não se cansou de narrar a epopeia dos imigrados do interior, esses retirantes temporários nos quais depositava uma comovente porção de ternura, em páginas admiráveis, que culminaram com uma obra-prima, Barranco de Cegos.
Lembrei-me do grande escritor quando, há dias, a Televisão da Galiza noticiou que os trabalhadores da região se manifestavam, com veemência e alvoroço, contra os milhares de portugueses que se ofereciam para trabalhar por metade e, até, por um terço dos salários ali auferidos.
A desconstrução da miséria antiga não foi suficiente para a fazer desaparecer: mascarou-a. E a globalização, como espaço de equidade, de solidariedade, e paradigma da liberdade, desprotege, cada vez mais, os desfavorecidos, além de atingir, com singular violência, a classe média.
Os novos gaibéus são, também, licenciados, cientistas, intelectuais, investigadores; e jovens e jovens e jovens.
Os nossos dirigentes políticos não possuem talento nem grandeza para criar condições de vida aceitáveis.
A sua mediocridade exultante é típica do populismo autoritário, que deixa de lado as mais vivas expressões da realidade social.
Portugal é, de novo, um país gaibéu.
Como acentuou Antonio Negri, num entusiasmante livro de entrevistas com Raff Valvora Scelsi, Goodbye Mister Socialism, esta Esquerda estimula o êxodo, em vez de promover o afrontamento.
Prefere o deserto humano a ter de partilhar experiências com as singularidades dos movimentos que se ajuramentam, um pouco por todo o lado.
Esta Esquerda é a Direita exacerbada.
B.B.
Etiquetas: Partido Socialista, Portugal, Trabalho
1 Comments:
As eleições para a Câmara de Lisboa – apesar das especiais circunstâncias em que se deram – vieram confirmar algumas perigosas evidências do nosso actual regime democrático. A primeira evidência é a de que o centro-direita está de rastos. Depois da fuga de Durão Barroso, da balbúrdia do governo de Santana Lopes, da demissão sequente de Portas; depois dos erros políticos graves, depois da incapacidade reformista, depois da incapacidade financeira que levou ao descontrolo do ‘deficit’, e depois do erro tremendo que foi o apoio à guerra do Iraque; depois de tudo isto, e de uma derrota colossal nas últimas legislativas; o centro-direita em Portugal ainda conseguiu humilhar-se mais em Lisboa, auto-destruindo-se aos olhos dos seus cidadãos com estrondo e sem um pingo de glória. A “questão Carmona”, o “regresso de Portas”, os “erros de Marques Mendes”, são os fenómenos visíveis de um mal-estar muito mais profundo.
Na verdade, o centro-direita português já não existe. O que existem são apenas siglas – PSD, PPD, CDS, PP – e as suas memórias partidárias, de passados que já foram gloriosos. No presente, o centro-direita é uma tábua rasa. Não tem uma ideia de país, não tem uma estratégia para o futuro, e não tem qualquer tipo de credibilidade política. O que tem são egos. Egos que vagueiam por aí sem tino nem destino, como fantasmas de um filme de piratas ou leprosos que tocam a sineta afastando as gentes. A agitação sobre a saída ou não do dr. Portas, e sobre as “directas” do PSD, é uma agitação tonta e inútil. Seja quem for que aí venha – mais Portas, mais Mendes, ou Menezes, ou Aguiar Branco (?), ou outro ego qualquer – esbarrá contra um muro, o muro das lamentações de um centro direita que se auto-destrói nos últimos anos com ‘hara-kiris’ sucessivos.
Duvido que deste triste cemitério saiam mais do que mortos-vivos. A mim parece-me que se chegou ao fim, e que é preciso recomeçar, com novos partidos, novas ideias, novas caras. Em vários países europeus – Itália, Holanda, Polónia, até em França – mudaram-se as cores, as siglas, as ideias e as pessoas. O sistema partidário antigo ruiu e nasceu um novo, capaz de se apresentar com novas energias e com propostas de futuro. É isso que se devia pensar em Portugal. Atirar para trás das costas esta tralha toda – o PSD e os laranjinhas, o CDS-PP e os seus conservadores-liberais de fatinho, os Lopes, os Portas, os Mendes e os Menezes, os Monteiros, as distritais e as bandeirinhas. Varrer isto tudo da vista e começar de novo, procurando uma ideia alternativa de Portugal e de política. Talvez assim, daqui a uns anos, o centro-direita português recuperasse a credibilidade, a dignidade e o respeito do seu país. Assim como está não vai lá.
A segunda evidência que as eleições de Lisboa confirmaram é que Sócrates continua extremamente vulnerável pois não agrada à esquerda do PS. Obrigado pela Europa a uma governação de contenção, e animado por alguns tiques autoritários e pelo desejo de pôr ordem no despesismo do Estado, o governo de Sócrates fica à mercê das cisões internas. Não perde votos para comunistas ou bloquistas, mas sim para líderes de opinião socialistas. Alegre e Roseta não eram independentes virtuosos e apartidários, mas puros “aparatchicks” zangados, pessoalmente frustrados com Sócrates. Tal como Alegre, Roseta só se candidatou por despeito, depois da sua oferta como candidata ter sido rejeitada. E, apesar de não ter humilhado – como Alegre humilhou Soares – impediu António Costa de chegar perto da maioria.
Ora, se o rumo de Sócrates se mantiver nos próximos dois anos, este é um filme que se pode repetir nas legislativas. A facção “desiludida” pode retirar a Sócrates a maioria absoluta e conduzir o regime político para um beco sem saída. Com um centro-direita de rastos e sem possibilidade de ser alternativa, um PS sem maioria absoluta pode ser o fim do regime político partidário tal como o conhecemos.
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