TORGA: ESQUECIDO E PRESENTE
Ainda bem que o Governo esteve ausente nas homenagens a Miguel Torga. O Governo não tem nada a ver com Torga. E, se pouco tem a ver connosco, nada tem a ver com a cultura.
O Governo desconhece que a cultura é um dos interesses da política e que a política é uma disciplina da cultura.
Embora ajam em esferas diferentes.
Um político inculto possui algo de deformado. E um homem culto que se diz indiferente à política revela amolgadelas de carácter: mente porque, em rigor, defende pareceres desonrados.
O Governo não se lê porque não lê.
Para actuar em consonância com a ética da cultura seria necessário que pensasse culturalmente.
Não dei conta de nenhuma manifestação de desagrado, por módica que fosse, daqueles destemidos intelectuais, apoiantes discretos ou descarados deste Executivo.
Aguardam benesses e sinecuras, atenções.
Há ministros e adjacências que, habitualmente, fazem parte de júris de prémios, e para atribuição de bolsas; são comissários de feiras e de embaixadas culturais; designam adidos; decidem sobre quem vai ou não, aqui e acolá, representar a cultura portuguesa; os escolhidos pertencem sempre ao mesmo grupo, dispõem de idêntico sainete, cortejam iguais gostos, nomeiam os mesmos autores.
Nada de correr riscos desnecessários.
Os destemidos intelectuais são brandos, cuidadosos, cautos, prevenidos.
Também eles nada têm a ver com Miguel Torga, que nada teria a ver com eles.
São paixões em tudo opostas, desordens do espírito só explicáveis pela natureza abúlica de uma gente que embaça e desacredita, moralmente, os testamentos herdados.
Observamos os nomes destes cúmplices no silêncio e certificamos que traíram os antecedentes, sem os substituir ou sequer lhes suceder.
Os contemporâneos de Torga eram: Aquilino, Tomaz de Figueiredo, Jorge de Sena, Nemésio, Pessoa, Pascoaes, Miguéis, Almada, Raul Brandão, João de Araújo Correia, Ferreira de Castro, Régio, Casais Monteiro, Gaspar Simões, Branquinho da Fonseca, Domingos Monteiro, José Gomes Ferreira, Armindo Rodrigues, Eugénio de Andrade, Sophia, Redol, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Irene Lisboa, Maria Judite de Carvalho, Abelaira, Mário Dionísio, Namora, José Cardoso Pires.
Foram estes que, em diversos momentos, reafirmaram o perfil da pátria medular e cívica.
Em meados dos anos de 60, Jorge Amado, de visita a Portugal, encontrou-se com Ferreira de Castro, amigo de sempre. A RTP quis fixar o momento.
Com altiva dignidade, Castro apostrofou: A televisão, que ignorou Mestre Aquilino, não me filma, certamente, porque a proíbo!
Esta gente era a minha e a nossa gente.
B.B.
O Governo desconhece que a cultura é um dos interesses da política e que a política é uma disciplina da cultura.
Embora ajam em esferas diferentes.
Um político inculto possui algo de deformado. E um homem culto que se diz indiferente à política revela amolgadelas de carácter: mente porque, em rigor, defende pareceres desonrados.
O Governo não se lê porque não lê.
Para actuar em consonância com a ética da cultura seria necessário que pensasse culturalmente.
Não dei conta de nenhuma manifestação de desagrado, por módica que fosse, daqueles destemidos intelectuais, apoiantes discretos ou descarados deste Executivo.
Aguardam benesses e sinecuras, atenções.
Há ministros e adjacências que, habitualmente, fazem parte de júris de prémios, e para atribuição de bolsas; são comissários de feiras e de embaixadas culturais; designam adidos; decidem sobre quem vai ou não, aqui e acolá, representar a cultura portuguesa; os escolhidos pertencem sempre ao mesmo grupo, dispõem de idêntico sainete, cortejam iguais gostos, nomeiam os mesmos autores.
Nada de correr riscos desnecessários.
Os destemidos intelectuais são brandos, cuidadosos, cautos, prevenidos.
Também eles nada têm a ver com Miguel Torga, que nada teria a ver com eles.
São paixões em tudo opostas, desordens do espírito só explicáveis pela natureza abúlica de uma gente que embaça e desacredita, moralmente, os testamentos herdados.
Observamos os nomes destes cúmplices no silêncio e certificamos que traíram os antecedentes, sem os substituir ou sequer lhes suceder.
Os contemporâneos de Torga eram: Aquilino, Tomaz de Figueiredo, Jorge de Sena, Nemésio, Pessoa, Pascoaes, Miguéis, Almada, Raul Brandão, João de Araújo Correia, Ferreira de Castro, Régio, Casais Monteiro, Gaspar Simões, Branquinho da Fonseca, Domingos Monteiro, José Gomes Ferreira, Armindo Rodrigues, Eugénio de Andrade, Sophia, Redol, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Irene Lisboa, Maria Judite de Carvalho, Abelaira, Mário Dionísio, Namora, José Cardoso Pires.
Foram estes que, em diversos momentos, reafirmaram o perfil da pátria medular e cívica.
Em meados dos anos de 60, Jorge Amado, de visita a Portugal, encontrou-se com Ferreira de Castro, amigo de sempre. A RTP quis fixar o momento.
Com altiva dignidade, Castro apostrofou: A televisão, que ignorou Mestre Aquilino, não me filma, certamente, porque a proíbo!
Esta gente era a minha e a nossa gente.
B.B.
Etiquetas: Cultura, Miguel Torga
3 Comments:
Interessante perspectiva.
Sim, deve ter sido melhor assim :)
A melhor homenagem que o "des"governo deste PAIS poderia fazer ao grande TORGA foi nao estar presente ,porque ofenderiam o GRANDE MESTRE .
O Governo faltou às cerimónias evocativas do centenário do nascimento de Miguel Torga. Em Coimbra, inaugurou-se escultura de monta, fizeram-se as honras ao poeta maior. Entidades locais, familiares, amigos e umas centenas de populares disseram presente. O Primeiro-Ministro José Sócrates e os que com ele governam fizeram de conta.
O tema deu pretexto para indignações. Acesas.
Não sendo provável que o problema seja de memória, é mais sensato pensar tratar-se de falta de leituras, notou António Arnaut, velho republicano e socialista. É uma explicação razoável: os governantes andam sempre mais necessitados de manuais de auto-ajuda do que de reflexões sobre a portugalidade.
Mas não há razão para tanto alarde.
Vendo bem, o que faria qualquer membro do Governo na evocação da memória de um homem que sempre recusou a servidão e o foguetório, ao mesmo tempo que denunciou, com quantas forças tinha, «o cínico desprezo» e «o mais demagógico impudor» a que o povo português foi sucessivamente votado?
Socialista ético, mais do que ideológico, Torga emprestou ao PS as suas palavras, a sua rectidão, a coluna vertebral, a honradez, quando a democracia não era ainda um processo consolidado. Homem de compromissos, de palavra dada, nunca passou cheques em branco à insustentável leveza das circunstâncias. Acreditou que o socialismo prometido seria, mesmo neste País dado a improvisos, algo de concreto. Caminho «dignamente descoberto e trilhado». Em boa verdade, porém, Torga raramente se iludia com as artes dos homens guindados ao poder. Para os conhecer, bastava-lhe ter calcorreado o País acomodado, dado a outras liturgias que não a fiscalização e a denúncia cívica, firme, dos desmandos e das traições dos eleitos.
O poeta sempre soube que, tanto no particular como no geral, «raramente o alcançado corresponde ao desejado». Neste País, sabe-se como os homens políticos se esmeram para levar a máxima à exaustão.
Torga acreditou num socialismo que honrasse a palavra. Não é já desse carácter o partido que governa Portugal. Como ele próprio escreveu, «ninguém pode dignificar uma coisa em que não acredita». Assim sendo, o melhor é mesmo não aparecer. Demonstra, pelo menos, um pingo de vergonha.
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