quarta-feira, 5 de setembro de 2007

A ROSA MURCHA DE SÓCRATES

No emocionado êxtase de si próprio, José Sócrates anda pelo País a distribuir computadores. Faz discursos repletos de adjectivos e de nenhumas reticências. Como ninguém dá nada de graça, os recebedores das máquinas têm de as pagar, mais tarde ou mais cedo, acaso com leves descontos. Tudo em nome da ciência, da tecnologia e do conhecimento. E ponha lá, também, da esquerda moderna, instrutiva expressão inventada nos melancólicos vagares de José Sócrates. Os portugueses estão cada vez mais aflitos, andam cheios de Prozac, enchem os consultórios de psicólogos e de psiquiatras, e o querido primeiro-ministro entrega-lhes computadores, na presunção de que vai erguer o moral da pátria.

Portugal existe numa litografia graciosa e colorida, segundo no-lo é apresentado pelo Governo. Mas os números do desespero são assustadores. Admito que as evidências da realidade sejam extremamente maçadoras para a desenvolta modernidade do Executivo: meio milhão de desempregados; dois milhões de compatriotas em risco de pobreza; três milhões de famílias endividadas em cerca de 1,2 vezes o seu rendimento anual; 48 mil professores sem colocação; milhares de enfermeiros em estado de susto; e as dez maiores fortunas do País cresceram quase 14%.

Possuo enorme rol de malformações sociais, criadas, aumentadas ou não resolvidas por este Governo que somente serve para nos dar desgostos, enquanto acusa os objectantes de intrigas rasteiras e manobras sórdidas. A verdade é que começamos a assistir a pequeninas insurreições de militantes do PS, que apontam Sócrates à execração socialista e o acusam de ter murchado a rosa. Ainda há dias, Alfredo Barroso deu alguma luminosidade ao triste Sol do Saraiva, aproveitando o rodapé em que foi paginado o seu artigo para reduzir a subnitrato este PS, o Governo e adjacências. É um texto exemplar, pelo que nomeia de danos irreversíveis provocados pela vigência destes socialistas modernos.

Porém, José Sócrates não só dissolveu as expectativas nele depositadas. Avariou, irremediavelmente, a grandeza de intenções contida na ideia de socialismo. Guterres causara amolgadelas graves no corpo cambaleante do infeliz partido, mas nada que se compare às cacetadas de Sócrates. Daqui para o futuro quem vai acreditar nos socialistas, no socialismo, no PS?, cuja história carrega um peso insuportável de derivas, desvios e traições.

José Sócrates pode ser um guloso de tecnologia, um amante desvairado de cibernética, um animal feroz, como se definiu numa preguiçosa e insensata entrevista ao Expresso. O que José Sócrates não é, sabemo-lo todos - e todos os dias: nem socialista, nem grande político nem grande primeiro-ministro.


B.B.

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2 Comments:

At 5 de setembro de 2007 às 18:33, Anonymous Anónimo said...

Portugal é o País do Faz de Conta.

Faz de conta que a economia vai bem
Faz de conta que se está a combater o desemprego
Faz de conta que a saúde está melhor
Faz de conta que as reformas na educação estão a funcionar
Faz de conta que estamos no topo das novas tecnologias
Faz de conta que o governo, governa
Faz de conta que o Primeiro Ministro é excepcional

 
At 17 de janeiro de 2008 às 07:52, Anonymous Anónimo said...

Quero dar-lhe os meus parabéns pelo seu artigo. Sinto-me pelo menos mais consolada ao saber que não sou a única a reconhecer uma realidade que por todo o lado se tenta ofuscar, como se de ilusão se tratasse.

Obrigada pela solidariedade que tem com o país; já vão sendo raras as pessoas que têm essa visão alargada e não pensam apenas no seu umbigo.

Helena Castro

 

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