A PARTIDOCRACIA
CORRE O RISCO DE SE TORNAR NUMA FEDERAÇÃO ENTRE CACIQUES, LOCAIS E REGIONAIS, E UMA CASTA DE POLÍTICOS PROFISSIONAIS
Luísa Mesquita diz que, desde anteontem, deixou de ser comunista, só porque foi formalmente expulsa do PCP, isto é, continua tão comunista que até admite o monopólio da causa pela instituição de que se desligou.
António Costa ameaça demitir-se se os deputados municipais do PSD não apoiarem uma proposta que apresentou. Um novo acordo de regime parece concretizar-se, depois de um encontro entre um ex-chefe do governo e um ex-ministro da reforma do estadão, duas excelentes carantonas do regime a que chegámos, naquilo que parece querer retomar o estilo da ignóbil porcaria.
Isto é, para além do folclore das reivindicações e do apoios, um redivivo rotativismo decidiu entrar em ditadura sistémica, procurando feudalizar, em bipartidarismo, mas sem bipolarização, o monopólio da representação política, numa altura até em que o PS e o PSD são secções nacionais das principais multinacionais partidárias da Europa.
Por outras palavras, já não serão precisos mais golpes violentistas de chapelada para que, no futuro, tudo continue como dantes.
O anunciado gentleman's agreement do vira o disco e toca o mesmo vem, assim, garantir, através da lei, que todas as futuras mudanças eleitorais serão alternâncias sem possibilidade de alternativa.
Belém, naturalmente, lavará as mãos como Pilatos, dado que seria feio aplaudir.
Desta forma, os tradicionais inputs do sistema político ficam cada vez mais reduzidos ao situacionismo oficial e ao oposicionismo oficioso das duas faces do Bloco Central.
As outras forças políticas estão condenadas à residual dimensão de vozes tribunícias, cada vez mais prenhes de demagogia, para forçarem o agenda setting.
Todos vão deixar o campo do dinamismo interventivo aos grupos de pressão das velhas forças vivas, dado que se desiste da mobilização cívica de uma maioria de indiferentes e de abstencionistas.
Corremos assim o risco de a chamada sociedade civil perder as pontes de ligação à black box do sistema político, onde passa a circular, quase impune, uma classe política bipartidocratizada. E esta corre o risco de se tornar numa federação entre caciques, locais e regionais, e uma casta de políticos profissionais, face à qual apenas temos que referendar e plebiscitar as respectivas propostas.
Logo, as eleições, assim rigorosamente vigiadas, poderão ser limitadas às canalizações representativas de um sistema que parece temer a voz directa dos povos.
O ambiente é propício à criação de um mainstream que retome os vícios do rotativismo dos monárquicos liberais e da ditadura sistémica do afonsismo durante a Primeira República.
Não tardará que o mesmo caia na tentação de condicionar ou punir o dissidente ou de procurar estigmatizar a heresia.
Até pode acontecer que os serviços oficiais de espionagem comecem a comunicar, a grupos políticos, a lista dos infiltrados, ou que os partidos dominantes abram uma secção de renovação com blocos de bons desinscritos dos partidos marginais.
Aliás, se consultarmos um desses engenheiros de sistemas políticos e eleitorais, ele dir-nos-á, em termos técnicos, que o bipartidarismo é mau para os pequenos e médios partidos, mas que é bom para o sistema, até porque um parlamento ou uma assembleia municipal que fosse uma fotocópia do país, ou da autarquia, conduziria à ingovernabilidade.
Por mim, preferiria que os engenheiros sistémicos, representados por Alberto Martins e Santana Lopes, cedessem lugar aos repúblicos que se preocupam com a crescente falta de participação cívica, para todos tratarmos de reinventar a cidadania.
Por isso, continuo do contra!
J.A.M.
3 Comments:
O divórcio político arrastou-se por um ano, num processo longo e penoso que conhece agora o seu epílogo oficial: a expulsão de Luísa Mesquita do PCP.
A decisão encerra de vez o caso da deputada "rebelde", mas abre outros problemas à direcção do PCP.
Luísa Mesquita mantém o lugar de deputada na Assembleia da República e o de vereadora na Câmara Municipal de Santarém.
Agora como independente.
Quer isto dizer, metaforicamente falando, que a noiva ficou com todo o enxoval e deixou a casa vazia ao noivo.
O PCP perde de facto e no imediato, em toda a linha.
No Parlamento passa para 4ª força política, ficando portanto atrás do CDS, o que implica a perda de várias prerrogativas, desde maior limitação nos tempos de intervenção em plenário ao financiamento mais curto do grupo parlamentar.
Já no executivo da autarquia de Santarém perde o único lugar que tinha de representação partidária, e ainda algumas juntas de freguesia que mantinha há anos.
Convenhamos que é muito estrago político.
A decisão de substituir por um ilustre desconhecido e a meio do mandato a deputada Luísa Mesquita com a qual tinha, até aí, mantido os mais fortes laços partidários e de representatividade política foi sempre mal compreendida – pela própria e não só.
A direcção política do partido revelou-se desastrada e algo obsessiva na condução de todo este processo, de que notoriamente perdeu o controlo e que a prazo poderá custar muito caro ao PCP em próximos actos eleitorais no distrito de Santarém.
Quanto a Luísa Mesquita, será interessante acompanhar este novo capítulo da sua vida política, já sem as orientações políticas do directório comunista e apenas a sós com sua consciência de cidadã.
As próximas eleições autárquicas (de 2009) vão realizar-se já com nova lei eleitoral.
PS e PSD chegaram a acordo esta semana.
Muito vai mudar no modelo político autárquico que, no essencial, seguirá a matriz do poder legislativo.
Passará a haver apenas um boletim de voto, câmaras maioritárias e assembleias municipais com poderes fiscalizadores reforçados.
O modelo em si é interessante, mas só o terreno fará prova da sua bondade democrática.
Neste trinta e poucos anos que já levamos de poder local muita coisa mudou na vigência da actual lei eleitoral.
Lembro-me ainda do tempo em que todos os vereadores (da maioria e da oposição) partilhavam pelouros municipais e responsabilidade executivas.
Foram os directórios partidários (em especial o PSD de Cavaco Silva) que acabaram com esta boa prática. Floresceu uma cultura política que replicou nas câmaras o modelo das assembleias.
É isso que a nova lei pretende aparentemente resolver, dando um sentido mais pragmático ao executivo e remetendo o debate político para a assembleia.
Bem se rala o PCP que a purga de uma deputada esteja a envolver o partido numa tempestade. Depois da tempestade vem a bonança.
Conta-se que certa vez, discutindo-se no PCP uma decisão administrativa e repressiva que previsivelmente acarretaria forte contestação interna e até mesmo danos externos para a imagem do partido, um avisado militante comunista – por sinal, hoje avisado militante socialista do Governo – alertou: “Mas isso, camaradas, vai provocar uma tempestade”. Ao que o velho controleiro que dirigia os trabalhos respondeu, com a manha de anos e anos de experiência: “Pois é, camarada, mas depois da tempestade vem a bonança”.
E é assim que após alguns tempos de bonança chega nova tempestade ao PCP. O caso é simples e de uso corrente no PCP. A meio do mandato “foi visto” que uma deputada deveria ser substituída, em nome da “renovação” da bancada, sendo que a sua apresentação às eleições pressupunha um compromisso para quatro anos. Como a deputada recusou ser “renovada” pelo seu pé o PCP retirou-lhe o tapete da confiança política. E como mesmo sem a confiança do PCP a deputada decidiu ocupar o lugar até ao fim o PCP acusou-a de “grande violação dos estatutos” e expulsou-a.
As purgas políticas foram inventadas pelo leninismo mas têm vindo a ser adoptadas em Portugal por todos os partidos políticos. Só que no PCP têm sido mais frequentes e marcadas por mais ronha. Causam certo alarido mas depois vem o silêncio, lá dentro e cá fora. Daqui a umas semanas já ninguém se lembra e o PCP e os seus dirigentes voltam a merecer a boa vontade e o enternecimento dos líderes de opinião. Tanto mais que agora é ainda mais pequenino no Parlamento e tudo quanto é pequenino tem graxa.
O PS e o PSD começaram a discutir uma nova lei eleitoral para as autárquicas.
Quais donos deste mundo que é o jardim onde vivemos, preparam o seu Tratado de Tordesilhas para dividirem Portugal entre eles.
Para o PS o ideal é que todo o executivo camarário seja composto só por elementos do partido vencedor, enquanto o PSD é mais discreto, propõe que a maioria do executivo fique nas mãos do partido mais votado ficando a oposição com uma representação mínima.
Seja qual for a proposta final, os mais prejudicados são certamente os partidos com menor expressão eleitoral que verão drasticamente reduzidas a sua participação em executivos municipais.
Assusta-me saber que as Autarquias deste país, já tão suspeitas de serem locais de negociatas e corrupção, passem a ter uma só cor, e com isso, uma maior facilidade em branquear situações menos claras. Poderão dizer que com esta nova lei que pretendem os executivos ficarão mais coesos e mais eficazes, o que até pode ser verdade, mas não ficarão também mais livres para utilizar a prepotência?
A experiência que os governos de maioria absoluta têm mostrado, tanto no Continente como nas ilhas, (ai Madeira, Madeira), não me deixa muito descansado.
Também não posso deixar de me questionar se tudo isto não virá também alguma da necessidade de alargarem o número de vagas para o clientelismo partidário.
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