terça-feira, 11 de março de 2008

É O PS QUE TEMOS?

Para o bem, mas, também, em larga medida, para o mal, o PS de hoje é apenas uma nova versão das características de sempre.

Há uma velha asserção que diz que as instituições têm memória. Contudo, se pensarmos nos partidos portugueses, somos levados a pensar que tal não é verdade. Esta semana temos mais uma prova disso mesmo, desta feita com o PS.

Numa altura em que a contestação de rua assumiu particular intensidade, o PS agendou um comício para o próximo fim-de-semana. Se bem que marcado para assinalar os três anos de Governo, ao fazê-lo coincidir com a manifestação impressionante dos professores, foram dados sinais de que o objectivo é responder à rua com rua. Esta opção não só contraria a história recente do PS, como tem pouco a ver com a identidade do partido.

É sabido que, ao contrário dos seus congéneres europeus, o PS não foi criado de baixo para cima, através de movimentos sociais, mas, pelo contrário, nasceu de cima para baixo, resultando da vontade de elites, muitas delas ligadas às profissões liberais.
Isto deveu-se à existência de uma ditadura que não só proibiu a criação de partidos livres, como reprimiu qualquer forma de organização da sociedade civil não tutelada. O código genético do PS ficaria indelevelmente marcado por este acto fundador. E ficou marcado com aspectos negativos, mas que coexistem também com um legado positivo.

Entre as dimensões mais negativas da ausência de um movimento social organizado da qual emanou o PS, encontra-se o carácter pouco ou nada orgânico da representação de interesses no partido, ao qual estão associados níveis significativos de volatilidade ideológica e de plasticidade programática.

Mas há outra face desta moeda. Ao contrário dos partidos onde o encastramento social é mais forte, o PS, sempre que quis modernizar a sua agenda governativa, encontrou poucos pontos de veto e, no que é mais importante, pôde fazê-lo abrindo-se à sociedade. Não por acaso, os governos socialistas caracterizam-se pela presença de muitos independentes, no que é uma singularidade europeia que se tem revelado instrumental para compensar a fraca representação social do partido. Neste sentido, se dividirmos os partidos de matriz socialista entre mais conservadores (isto é, aqueles que menos se afastaram da sua matriz fundadora) e mais modernizadores (os que mais mudaram), o PS sempre fez parte do segundo grupo.

Este legado explica, em importante medida, que o PS tenha organizado a sua presença no espaço público com autonomia face a alguns dos mecanismos tradicionais dos partidos de massas (por exemplo, os comícios, mas, também, as manifestações de rua).

Com excepção dos anos quentes da transição democrática, o PS nunca utilizou a rua como arma. E nunca o fez porque, realisticamente, não o consegue fazer. Por exemplo, a manifestação que o PCP organizou há um par de semanas em Lisboa, seria impensável para o PS.

Neste contexto, José Sócrates escolheu acentuar o que foi tradicionalmente a marca do PS, em lugar de tentar alterá-la. Aliás, é isto que faz com que não façam sentido as críticas que dizem que este PS é muito diferente do do passado. Para o bem, mas, também, em larga medida, para o mal, o PS de hoje é apenas uma nova versão das características de sempre. Foi assim que o Governo construiu a sua imagem através de uma agenda modernizadora, apoiando-se numa maioria silenciosa, que não se expressa na rua, mas que encontra eco nas sondagens. Enquanto cada grupo profissional reagia à vontade reformadora do executivo, este procurava respaldo no interesse geral. Ainda que isto tivesse ocorrido com fraca capacidade para produzir um sentido global para a sua acção.

É por isso que não pode deixar de ser visto com perplexidade que, no momento de mais intensa contestação à sua acção, o Governo procure responder à rua com rua. O PS nunca foi um partido de massas e essa tendência intensificou-se. A aposta numa resposta de rua, aliás, só pode ser vista como sinal de alguma desorientação estratégica. Algo que este Governo nunca havia revelado e onde reside grande parte do seu potencial eleitoral, designadamente na capacidade de captar votos para além do seu núcleo duro de eleitores. Mas, desde a opção sobre a construção do novo aeroporto e em particular desde a remodelação do ministro da Saúde, há sinais de que o Governo aparenta ter escolhido a opção conservadora por relação à modernizadora. Ora, as mudanças de identidade a meio do percurso não costumam trazer vantagens eleitorais e esquecer a memória partidária muito menos.


P.S.

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1 Comments:

At 12 de março de 2008 às 21:12, Anonymous Anónimo said...

Belos tempos eram aqueles quando este rebanho de carneiros tinha um deus-pastor que nos guiava a todos e até nem precisávamos da arte política, desta coisa que apenas surgiu quando os homens começaram a ter que tomar conta deles próprios, vivendo um tempo de desordens e de injustiças, até porque os pastores governamentais e presidenciais já não são deuses, mas da mesmíssima espécie que o resto do rebanho. Por outras palavras, Maria de Lurdes é tão da raça rebanhal quantos os cem mil membros da classe que, contra as políticas que ela personifica, se manifestaram, comigo à mistura, porque há sempre alguém que resiste, porque há sempre alguém que diz não, nem que seja na rua, depois de o ter dito pela pena. Coitada da Maria de Lurdes, que é tão ovelha quanto Sócrates é carneiro, da mesma espécie de dois terços de uma classe que tem a força dos números, mas, segundo o grão-pastor, tão carneiro quanto os outros carneiros, não possui o "dossier" que lhe dá a força da razão.

Voltando ao Politikos de Platão, que estamos a reproduzir, neste interregno posterior ao despedimento de Camacho, se é possível o governo pela violência e pela opressão, como é timbre da tirania, também pode optar-se pela ordem e pela justiça, mais próximas daquilo que foram as nossas origens democráticas, utilizando a arte de governar pela persuasão e pelo consentimento, aquilo que o mesmo Platão qualifica como arte política. Uma arte de conciliar contrários, semelhante à do tecelão, onde reinar é fazer juntar e convergir grupos opostos de seres humanos e até qualidades contrárias, como a bravura e a doçura.

Aliás, se passarmos para outra obra de Platão, Nomoi, poderemos concluir que a política tem a ver com a tensão existente no comando que emerge de todas as leis, com essa forma mista que procura conciliar a coerção com a persuasão, onde se mistura a tirania própria dos escravos, na sanção, com a democracia, coisa própria dos homens livres, como acontece na exposição das razões constante do preâmbulo das leis. Porque só o governo das leis, desses comandos da recta razão, é que permite a paz, aproximando os homens do governo dos deuses.

Outro deve ser o conceito de razão do senhor ministro da propaganda nacional, com intervalos na relação com o parlamento, o ex-trotskista Silva que não esteve na Alameda, mas que disse ter sido tão antifascista que já não precisa de receber lições de liberdade de mais ninguém. Por outras palavras, segue aquela lei que levou o socialista Mussolini a fundar o fascismo, ou o socialista Laval a aliar-se, de forma colaboracionista, com os nazis, dado que estes também eram socialistas. Todos sabem que quem tem o poder tem o monopólio da palavra e daquele ilusionismo vocabular que faz os ministros, que têm a força do estadão, serem os donos de um cajado que confundem com a razão. Como se a razão da força alguma vez coincidisse com a força da razão. Como se apenas pudesse ter razão quem vence numericamente, até numa eleição, donde pode resultar uma maioria absoluta, tão aritmética quanto a de dois terços de uma classe numa manifestação, manifestando o seu direito à indignação.

Sócrates prefere as novas oportunidades de agências de "casting", distribuindo computadores, e já perdeu a paixão pela educação do governo Guterres, onde era ministro daquela co-incineração que ainda não ardeu. Logo, eles, os donos do poder, continuam a fazer maquiavélicos cálculos, típicos de todas as pequenas criaturas, desses pigmeus que não compreendem que só existem porque tomaram posse dos altos lugares do estadão.

E lá volto a Platão. Porque, a cada um dos regimes políticos, corresponde um certo tipo de homem. E todos eles apenas ocorrem dentro de cada um de nós, a partir da tensão entre a parte da alma que é dotada de razão e a outra a parte, a animal e selvagem. Porque existe, em cada um de nós, uma espécie de desejos terrível, selvagem e sem leis, mesmo nos poucos, de entre nós, que parecem comedidos.
Logo, há que fazer coincidir cada regime com o tipo de homem, porque o homem tirânico é feito à semelhança da polis tirânica, o democrático, da democracia e os restantes, do mesmo modo. Só pode, portanto, avaliar-se um regime como se avalia um homem, isto é, em pensamento. E só deve avaliá-los quem, em pensamento, for capaz de penetrar no carácter de um homem e ver claro nele.

Haveria assim três espécies de homens, o filósofo, o ambicioso, o interesseiro, movidos, respectivamente, pelo saber, pelo prazer das honrarias e pelo lucro. E dessa fricção é que surgiria a dinâmica dos regimes. Aqui, o padrão é o ministro Silva, palavra que, aliás, vem daquela selva onde os bons selvagens fazem parte das espécies em extinção... Prefiro ler Rousseau, porque este, ao menos, sempre traduziu em francês helvético, a carta do achamento dos índios, de Pêro Vaz de Caminha que Cavaco, feito D. João VI, anda relendo por terras da Guanabara, para dentro de dias regressar a um sítio onde há um governo de esquerda que pensa ter razão só porque tem mentalidade de direita...

 

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