Um dia talvez consiga perceber o fascínio intelectual que Medina Carreira exerce sobre metade da imprensa e blogosfera. A entrevista de ontem é exactamente igual às ultimas seis ou sete que concedeu nos tempos mais recentes. O problema nem é tanto o diagnóstico apocalíptico que faz do país - tirando a forma como mistura indiscriminadamente endividamento público e privado, ou a conversa de café sobre um sistema educativo que, quem o oiça falar, até parece que alguma vez produziu uma geração mais qualificada. A questão é que, no meio daquela torrente de fel, não apresenta nenhuma proposta ou saída para o país e para os portugueses. Meia hora daquilo e estamos dispostos a encontrar em Pulido Valente um indisfarçável optimista. Estamos condenados a perecer. O país é um caos e um caos está condenado a ser. Resta uma solução. Mudarmos para um regime presidencialista, sem renovação de mandato. Uma ditadura esclarecida, exercida por alguém “altamente qualificado”, que só assim é que a ditadura faz sentido. Tenho ouvido melhor nos táxis de Lisboa.
Fico fascinado e aterrado quando ouço Medina Carreira. Acompanho os seus diagnósticos acerca deste País, assolado, há séculos, pela tradição que os portugueses mais amimam: a do mau Governo. Aprecio o desassombro com que fala dos partidos (”casas de mulheres de má vida“) e como resume os falhanços do actual regime. Mas há o perigo de que os pessimistas, como eu, ao ouvirem Medina Carreira se transformem, igualmente, em irremediáveis derrotistas: nada em Portugal tem solução e todos os esforços são escusados. Só que viver não é assistir impavidamente ao desenrolar da vida. Implica um empenho em corrigir o que não se julga bem, em deixar uma marca por pequena que seja. Quando estiver perto de me ‘medinizar’ pego na família e vou para lugar diferente. Se o houver.
Medina Carreira arrasou Portugal. Em entrevista ao Mário Crespo, o fiscalista disse que este país não existe, que o voto não serve para nada, que a economia está ao mesmo nível, em termos de crescimento, do início do século passado, que não há gente, que não há partidos - na sua opinião, casas de gente de má vida já há que baste -, que o Parlamento é uma vergonha e que não há nada a fazer, não existe solução. Disse muito mais, disse pior. Medina Carreira não surpreendeu, apenas mostrou o seu habitual pessimismo no seu melhor. No final da entrevista, restava fechar o país e dá-lo, se alguém ainda o quisesse.
Medina Carreira terá, seguramente, razão em algumas coisas que disse. Infelizmente, terá razão em mais do que qualquer um de nós gostaria. Mas, Medina Carreira fez o mais fácil, o que qualquer um de nós pode fazer, sentado à mesa do café.
Não defendo os optimistas profissionais, recuso veementemente a tese que para aí circula entre os tontos do costume, que acham que é a cultura do pessimismo a principal causa da miséria que vivemos. Mas assim, também eu. Destruo e a seguir vou para casa dormir tranquilamente porque afinal não há nada que eu possa fazer.
Defendo os críticos, os que usam e abusam da palavra para nos chamar a atenção para o que está mal e para as armadilhas dos inúmeros vendedores de elogios que para aí existem. Lembro-me, a propósito, de um brilhante artigo que António Barreto escreveu no Público há cerca de dois anos. Recortei e guardei para reler e confesso que, em tão pouco tempo, já o fiz várias vezes.
Passo a transcrever alguns excertos:
"O optimismo dos dirigentes é uma profissão de fé. Se estão em posição de poder, se mandam em alguma coisa ou alguém, se sentem segurança na sua posição social, declaram-se previsivelmente optimistas. O problema é que também entendem que os outros devem ser optimistas. E fazem o que podem para concretizar tal desejo".
(...)
"Os que tudo têm são assim: querem que os outros se sintam felizes, aconselham esperança e vendem optimismo, pois, assim, vivem em paz, sem culpa nem remorsos. O combate pelo optimismo é uma das mais maçadoras pragas da vida pública. Se alguém escreve nos jornais ou aparece na televisão a mostrar algo errado, a criticar as filas de espera em qualquer instituição, a descrer da justiça que temos ou a mostrar repugnância pelo sistema educativo, logo é acusado de pessimista, descrente e céptico. Daí a serem denunciados como intelectuais bem pensantes e profetas da desgraça não é preciso esperar. 'Só sabem dizer mal', é a frase mais ouvida aos poderosos quando se referem a quem se exprime no espaço público".
(...)
"É verdade que a qualidade da imprensa deixa muito a desejar. (...) Mas nada disso justifica que se julgue que a imprensa poderia ser sobretudo uma folha congratulatória. Pior ainda do que essa atitude é o esforço colossal que os governos, as instituições, as empresas e as instituições da Administração Pública fazem para dourar a pílula e cuidar da sua propaganda. Se fosse possível contá-las, são milhares as pessoas envolvidas nas 'agências de informação', nas empresas de 'relações públicas', nas assessorias de 'imprensa' ou no aconselhamento de 'imagem'. Sem contar os jornalistas reciclados em consultores e os que aceitam recados. Eis porque vale a pena que alguns, poucos que sejam, se especializem na crítica e na explicação, quite a serem injustos, isto é, a não se preocuparem com as coisas que correm bem. Para estas últimas e para apresentar bem o que corre mal, ou para simplesmente esconder o que não corre, andam por aí milhares de profissionais, consomem-se milhões de horas de trabalho e gastam-se dezenas de milhões de euros. É por isso que a liberdade é sobretudo a de criticar, não a de elogiar".
Melhor seria difícil. É isto. Só que, nesta entrevista, Medina Carreira não mereceu a liberdade de criticar.
5 Comments:
Tásse mêno a ver !, a culpa é do Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Sor, Dr. João Taveira Pinto.
Um dia talvez consiga perceber o fascínio intelectual que Medina Carreira exerce sobre metade da imprensa e blogosfera. A entrevista de ontem é exactamente igual às ultimas seis ou sete que concedeu nos tempos mais recentes. O problema nem é tanto o diagnóstico apocalíptico que faz do país - tirando a forma como mistura indiscriminadamente endividamento público e privado, ou a conversa de café sobre um sistema educativo que, quem o oiça falar, até parece que alguma vez produziu uma geração mais qualificada. A questão é que, no meio daquela torrente de fel, não apresenta nenhuma proposta ou saída para o país e para os portugueses. Meia hora daquilo e estamos dispostos a encontrar em Pulido Valente um indisfarçável optimista. Estamos condenados a perecer. O país é um caos e um caos está condenado a ser. Resta uma solução. Mudarmos para um regime presidencialista, sem renovação de mandato. Uma ditadura esclarecida, exercida por alguém “altamente qualificado”, que só assim é que a ditadura faz sentido. Tenho ouvido melhor nos táxis de Lisboa.
Fico fascinado e aterrado quando ouço Medina Carreira.
Acompanho os seus diagnósticos acerca deste País, assolado, há séculos, pela tradição que os portugueses mais amimam: a do mau Governo.
Aprecio o desassombro com que fala dos partidos (”casas de mulheres de má vida“) e como resume os falhanços do actual regime.
Mas há o perigo de que os pessimistas, como eu, ao ouvirem Medina Carreira se transformem, igualmente, em irremediáveis derrotistas: nada em Portugal tem solução e todos os esforços são escusados.
Só que viver não é assistir impavidamente ao desenrolar da vida.
Implica um empenho em corrigir o que não se julga bem, em deixar uma marca por pequena que seja.
Quando estiver perto de me ‘medinizar’ pego na família e vou para lugar diferente.
Se o houver.
nao é culpa do taveira pinto, mas ele, a uma escala mais reduzida, tambem contribuiu para o "estado a que isto chegou"
Medina Carreira arrasou Portugal. Em entrevista ao Mário Crespo, o fiscalista disse que este país não existe, que o voto não serve para nada, que a economia está ao mesmo nível, em termos de crescimento, do início do século passado, que não há gente, que não há partidos - na sua opinião, casas de gente de má vida já há que baste -, que o Parlamento é uma vergonha e que não há nada a fazer, não existe solução.
Disse muito mais, disse pior. Medina Carreira não surpreendeu, apenas mostrou o seu habitual pessimismo no seu melhor.
No final da entrevista, restava fechar o país e dá-lo, se alguém ainda o quisesse.
Medina Carreira terá, seguramente, razão em algumas coisas que disse. Infelizmente, terá razão em mais do que qualquer um de nós gostaria.
Mas, Medina Carreira fez o mais fácil, o que qualquer um de nós pode fazer, sentado à mesa do café.
Não defendo os optimistas profissionais, recuso veementemente a tese que para aí circula entre os tontos do costume, que acham que é a cultura do pessimismo a principal causa da miséria que vivemos.
Mas assim, também eu.
Destruo e a seguir vou para casa dormir tranquilamente porque afinal não há nada que eu possa fazer.
Defendo os críticos, os que usam e abusam da palavra para nos chamar a atenção para o que está mal e para as armadilhas dos inúmeros vendedores de elogios que para aí existem.
Lembro-me, a propósito, de um brilhante artigo que António Barreto escreveu no Público há cerca de dois anos.
Recortei e guardei para reler e confesso que, em tão pouco tempo, já o fiz várias vezes.
Passo a transcrever alguns excertos:
"O optimismo dos dirigentes é uma profissão de fé.
Se estão em posição de poder, se mandam em alguma coisa ou alguém, se sentem segurança na sua posição social, declaram-se previsivelmente optimistas.
O problema é que também entendem que os outros devem ser optimistas. E fazem o que podem para concretizar tal desejo".
(...)
"Os que tudo têm são assim: querem que os outros se sintam felizes, aconselham esperança e vendem optimismo, pois, assim, vivem em paz, sem culpa nem remorsos.
O combate pelo optimismo é uma das mais maçadoras pragas da vida pública. Se alguém escreve nos jornais ou aparece na televisão a mostrar algo errado, a criticar as filas de espera em qualquer instituição, a descrer da justiça que temos ou a mostrar repugnância pelo sistema educativo, logo é acusado de pessimista, descrente e céptico.
Daí a serem denunciados como intelectuais bem pensantes e profetas da desgraça não é preciso esperar.
'Só sabem dizer mal', é a frase mais ouvida aos poderosos quando se referem a quem se exprime no espaço público".
(...)
"É verdade que a qualidade da imprensa deixa muito a desejar. (...) Mas nada disso justifica que se julgue que a imprensa poderia ser sobretudo uma folha congratulatória.
Pior ainda do que essa atitude é o esforço colossal que os governos, as instituições, as empresas e as instituições da Administração Pública fazem para dourar a pílula e cuidar da sua propaganda. Se fosse possível contá-las, são milhares as pessoas envolvidas nas 'agências de informação', nas empresas de 'relações públicas', nas assessorias de 'imprensa' ou no aconselhamento de 'imagem'.
Sem contar os jornalistas reciclados em consultores e os que aceitam recados.
Eis porque vale a pena que alguns, poucos que sejam, se especializem na crítica e na explicação, quite a serem injustos, isto é, a não se preocuparem com as coisas que correm bem.
Para estas últimas e para apresentar bem o que corre mal, ou para simplesmente esconder o que não corre, andam por aí milhares de profissionais, consomem-se milhões de horas de trabalho e gastam-se dezenas de milhões de euros.
É por isso que a liberdade é sobretudo a de criticar, não a de elogiar".
Melhor seria difícil.
É isto.
Só que, nesta entrevista, Medina Carreira não mereceu a liberdade de criticar.
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