COM A CARTEIRA OU COM O CORAÇÃO? (VISTO DO LADO DO PS, BE E PCP)
Rui Pimentel / VISÃO
Do ponto de vista da mecânica das eleições, a principal questão é a de saber se elas serão ou não bipolarizadas, se haverá ou não "voto útil", se se vota com a carteira ou com o coração, com os "interesses" ou com a ideologia? O que é interessante é que, sendo essas eleições já para amanhã, seguindo-se elas a uma crise política grave que implicou a dissolução da Assembleia, não se consiga ainda perceber como é que vão ser. Decididamente os portugueses que repudiam o que está também não se entusiasmam com o que vem. Este sentimento é que dá espaço à dúvida.
Várias estratégias eleitorais têm sido construídas na presunção de diferentes respostas a esta questão, embora surpreenda a inconsistência do que se pode perceber dessas estratégias pela prática dos partidos já em campanha. Não deve ser do Natal, é do ar generalizado de mediocridade que se respira e da convicção cada vez mais arreigada no eleitorado que pouco mudará nas políticas a curto prazo e não haverá políticas a mais nenhum prazo - ou seja, o que há de fundo para mudar continuará intangível.
Uma das razões por que isto acontece é que a diferença temporal estreita entre ciclos eleitorais mantém ainda muito viva a memória das razões que motivaram as mudanças eleitorais do último ciclo. As pessoas sabem que, há dois anos, o PS estava no poder, foi a desgraça que foi, e por isso votaram no PSD. Sabem também como acabou o Governo PSD-PP e da desgraça que também foi. A memória das duas desgraças penaliza a mais fresca, mas não é suficiente para apagar a mais distante. Por estranho que pareça, o único partido que tinha margem de manobra neste contexto de dupla memória negativa era o PSD, mas malbaratou-a completamente ao não saber tirar lições do desastre governativo de Santana Lopes. Se tivesse mudado de liderança, num processo de ruptura com o que está, teria possibilidades de obter um crédito de confiança face a um PS que permanece guterrista e com pequena legitimidade para falar de finanças e de reformas, ele que as enterrou no pântano actual e que não as fez no ciclo mais favorável das últimas décadas.
O PS pede uma maioria absoluta, o que tem sentido e não é de todo implausível. No entanto, pedindo a maioria absoluta, o PS parece ainda hesitar na sua convicção de lutar por ela, quanto mais de a ter. Beneficiando acima de tudo do repúdio do que está, o PS parece pensar que é o bastante para obter os votos necessários, o que é um engano total. Para obter uma maioria absoluta, uma disfunção arrancada a ferros de um sistema eleitoral construído para a impedir, o PS precisa não apenas que as pessoas não gostem do que está, mas que acreditem com força no que se lhes propõe. A maioria absoluta precisa ou de dramatização ou de personalidades fortes que motivam amores e ódios, que arrastem atrás de si eleitores motivados pela empatia que suscitam. Foi assim com Cavaco Silva, o único que o conseguiu duas vezes em Portugal.
Ora, as opções do PS são frouxas: evitam a todo o custo uma campanha activa, na sequência de uma oposição cinzenta e pouco eficaz, e limitam-se a comentar as evidências dos incidentes em que o Governo se mete diariamente. Só que nunca foi o PS que revelou esta evidência, foram principalmente aqueles a que Portas chama "atiradores furtivos". Por isso, nem o mérito de uma oposição eficaz tem Sócrates e o PS, para começar.
O PS e Sócrates, já em plena campanha eleitoral, tiveram dois momentos para se revelarem: um, pela positiva, afirmando a opção da co-incineração ; outro pela negativa, ignorando a proposta envenenada de Pinto da Costa para se opor a Rui Rio no Porto. Quanto ao primeiro, inclino-me para considerar que Sócrates fez bem, embora talvez devesse ser mais prudente no carácter taxativo da solução, para incorporar o trabalho posterior que talvez não devesse ser todo deitado ao lixo. Na questão Pinto da Costa, bem mais grave porque envolve a afirmação dos poderes democráticos face aos poderes fácticos, de atitudes claras face à justiça e à corrupção, de recusa do populismo futebolista, Sócrates cedeu. É péssimo sinal.
Quanto à recusa de alianças pré-eleitorais, o discurso do PS é o que se espera de quem pede maioria absoluta, embora nenhuma ilusão possa ser tida quanto ao que acontecerá, caso a não tenha. Sócrates, se tiver uma maioria relativa, no limiar da absoluta, tentará uma solução minoritária semelhante à de Guterres e ela pode funcionar. Guterres fez um mandato em minoria e governou como se estivesse em maioria. Caso precise de mais votos, Sócrates fará os acordos necessários com o BE e mesmo o PCP, sem grandes hesitações, e não terá grandes dificuldades em obter esse apoio pelo menos numa fase inicial da legislatura, Nenhum partido da esquerda contribuirá por acção e omissão para o retorno do PSD e do PP ao poder, enquanto estes partidos tiverem à frente Santana Lopes e Portas.
Esta situação é prometedora para o BE e mesmo para o PCP, tanto maior quanto o forem os seus resultados eleitorais. É do interesse de ambos que o PS não obtenha uma maioria absoluta e farão tudo para isso. Haverá voto útil em Sócrates vindo da "esquerda"? Talvez em menor grau do que aquele que virá de eleitores descontentes com o PSD. A condição para que isto aconteça depende também da campanha ser ou não bipolarizada, porque, se o for, haverá "voto útil" à esquerda no PS. A situação do BE e do PCP é espelhar a do PP e por isso tudo farão para evitar a bipolarização.
Ambos apelarão a nichos eleitorais seguros - o do BE em crescimento, o do PCP a encolher, o do BE com maior dinamismo social e comunicacional, o do PCP com maior capacidade de resistência e raízes sociais mais profundas. Também aqui a capacidade das lideranças para mobilizarem os eleitorados de núcleo duro pode ser decisiva e o BE tem a vantagem de estar na moda e o PCP não. No entanto, seria injusto para Jerónimo de Sousa minimizar a sua capacidade para, numa perspectiva defensiva, proteger o PCP de uma desagregação eleitoral mais acelerada.
(continua)
José Pacheco Pereira
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