quinta-feira, 3 de março de 2005

DICIONÁRIO DO FIM / DICIONÁRIO DO PRINCÍPIO? (2)


Rui Pimentel / VISÃO



POLÍTICA - E se no PSD se experimentasse discutir um pouco de política? E se se acabasse com as desculpas mal-amanhadas e as diversões de desresponsabilização, para fazer uma análise política séria do que aconteceu? Talvez o país e o partido ficassem melhor servidos. As pessoas são importantes, mas as políticas são mais.

QUATRO MESES OU TRÊS ANOS? - O eleitorado puniu quatro meses ou três anos, puniu o Governo PSD-PP ou os meses de Santana Lopes? Puniu Barroso ou Santana Lopes ou Barroso e Santana Lopes? Não me parece haver qualquer mistério especial na resposta, se tivermos em conta algumas distinções. Uma é que a circunstância de ter havido dissolução é responsabilidade primeira de Santana Lopes e segunda de Barroso, que o deixou de herança. Um governo Barroso teria continuado até ao fim do mandato e teria um julgamento sempre diferente do que foi despedido pelo Presidente ao fim de quatro meses. Teria Barroso perdido as eleições em 2006? Se continuasse com uma política de austeridade e dificuldades, ou se avançasse com as reformas que eram a continuação normal dessas políticas, poderia ter perdido as eleições, mas nada indica que teria o desastre eleitoral de 2005, nem com a sua dimensão, nem com as suas características. É provável que PSD e PP fossem juntos às eleições e que, mesmo contestado o Governo e o primeiro-ministro, não se caísse no atoleiro de descredibilização em que Santana Lopes deixou o PSD e no consequente descalabro eleitoral.

QUATRO MESES OU TRÊS ANOS? (2) - Há quem diga que Barroso alteraria a política de austeridade e entraria numa espiral de facilidades, após uma remodelação que afastasse Manuela Ferreira Leite, assustado com o resultado das europeias. Talvez. Barroso mostrou-se bloqueado na remodelação e deu sinais contraditórios. Mas, mesmo que fosse assim, dificilmente, por temperamento e por, como todos os políticos, ficar preso nas suas circunstâncias, poderia afastar-se muito de uma legislatura de medidas difíceis. A lei das rendas e o fim das scut foram preparadas pelo Governo Barroso, eram a continuidade normal da sua acção, a reforma da administração pública, mesmo tímida, estava na calha. De novo insisto - se vamos apenas julgar pelo ganhar ou perder, provavelmente Barroso e Lopes perderiam ambos, sem isso os tornar idênticos. Haveria sempre uma enorme diferença nesse perder, a começar pela dimensão da vitória socialista, onde duvido que houvesse maioria, e pela normalidade da derrota. A de Santana Lopes foi de outra natureza, profunda e humilhante, com consequências para o PSD que ainda só se vislumbram embrionariamente.

CONSEQUÊNCIAS - Estes últimos seis meses de vida partidária envenenaram tudo à volta. Dividiram o PSD como nunca tinha acontecido desde os "Inadiáveis", deixaram uma herança de ajustes de contas e ódios, alguns dos quais vão minar o futuro imediato. Não é preciso ir mais longe do que o mal-estar larvar contra Cavaco Silva que vai ter consequências nas presidenciais. Fomentou-se, à falta de argumentos políticos, provocações como o cartaz com as caras. Se tudo tivesse sido conduzido com discrição, o não previsível de Cavaco não se tornaria factor de campanha. Mas a fragilidade face à força alheia sempre foi má conselheira. Mexeu-se no apelo primário à "camisola" partidária e levantou-se o lodo de ressentimentos antigos e isto vai ser difícil de apagar. Remendar tudo isto vai ser para o PSD e para os seus novos dirigentes a prova dos nove.

CANDIDATOS - Quem se candidata hoje nunca se pensa a prazo e bem. Não há candidatos para transições, ou para períodos curtos. Pode acontecer que sim, mas é desejável que se parta dessa inevitabilidade. Mas quem vier agora só terá um papel importante e ganhará credibilidade para se apresentar como candidato a primeiro-ministro nas próximas eleições, se for capaz de um trabalho de reconstrução do PSD que aparece quase como impossível. Por tudo isto, o grau de exigência tem que ser muito maior, não basta generalidades e omissões do que é controverso. Tem que se "dividir", antes de unir e para unir.

ANTES ERA SANTANISTA, AGORA SOU (QUALQUER OUTRA COISA) - É importante que se dê espaço à mudança de todos os que queiram, de boa fé, mudar, porque senão o partido fica bloqueado nas rivalidades dos últimos anos. Mas também é importante que os que mudem compreendam que só é legítimo fazerem-no perdendo o poder que tinham e usaram mal. Mudar de fidelidades e unanimidades só para manter o poder é "vira-casaquismo" e bloqueia o debate necessário, porque não quer debate nenhum.

CAVAQUISMO - Como era de prever depois das eleições, Cavaco Silva e os seus apoiantes foram reduzidos ao estatuto ambíguo de cavaquistas e tornaram-se o alvo a abater de todos os lados. Compreende-se porquê, tendo em conta que no actual ciclo pós-eleitoral são o único obstáculo ao poder absoluto dos socialistas e o pólo mais firme de mudança no PSD. Mas a ideia absurda que existe um centro de conspiração cavaquista que se reúne e decide como se de um comité central se tratasse pode ser cómoda para alimentar alguns pesadelos imaginativos, e a sua vertente jornalística, mas não existe de todo.

CAVAQUISMO (2) - Em consequência, cavaquismo e cavaquistas são das palavras mais abusadas nos tempos recentes. Das duas umas: ou se referem às idiossincrasias de Cavaco Silva, e então ficam presas ao dono e às suas circunstâncias; ou representam um pensamento e uma prática que justificam mais análise. Quando se segue esta última via, vê-se que o cavaquismo enquanto teoria, chamemos-lhe assim, não coincide com os cavaquistas, ou, pelo menos, com parte deles.

CAVAQUISMO (3) - Como é tradicional no PSD o cavaquismo como teoria é mais um "programa não escrito" do que qualquer outra coisa. Significa um grupo de percepções centradas em várias ideias que Cavaco Silva materializou e que incluem: uma preocupação com a governabilidade do sistema político português, de que a procura de maiorias absolutas de um só partido e a tendência para a bipolarização são uma expressão, entre outras; uma ideia sobre a indispensabilidade da cada vez maior integração na União Europeia como instrumento exógeno de pressão para mudanças endógenas; uma governação liberal para a sociedade e keynesiana para o Estado (não, não é contraditório); uma afirmação obsessiva da autonomia do Estado face aos interesses; racionalização "modernizadora" do Estado; utilização dos fundos comunitários em obras estruturais. Foram estas políticas - de que são exemplo a introdução do IVA, a preparação para o euro, o plano de erradicação de barracas, as estradas, escolas e hospitais construídos, a democratização do ensino secundário, a privatização de parte da comunicação social, com relevo para a abertura da televisão aos privados, a revisão constitucional que permitiu as privatizações, etc. - que materializaram uma política de centro, entre a esquerda e direita moderadas. Na realidade o cavaquismo é o mais próximo do programa social-democrata "à portuguesa" definido por Sá Carneiro. Agora que o cavaquismo se tornou uma espécie de anátema, aqui está o que dele pode ser útil para o futuro.

ALIANÇA COM O PP - Todos os candidatos à direcção do PSD afirmam a sua vontade de acabar com a aliança com o PP. Muito bem e porquê? Tem todo o sentido perguntar, porque convinha que o acordo de coligação não acabasse sem se saber como existiu, que resultado teve, que méritos ou deméritos tinha. Fica-se com a impressão que essa aliança só existiu por conveniência (garantir que o PSD governasse), continuou por conveniência (nas europeias) e acabou porque o PP não a quis (por conveniência eleitoral, para descolar da má fama governativa do PSD). Se foi assim, o acto de lhe pôr termo parece também ser pura conveniência e tudo fica como dantes, ou seja não se discute nada.

ALIANÇA COM O PP (2) - Como não se discute, o equívoco vai continuar e um dia volta-se ao mesmo. Que efeitos perversos teve a aliança com o PP? Não vale a pena repetir aqui, onde já escrevi o suficiente sobre o deslocar para a "direita" que essa aliança trouxe. Mas, talvez por isso mesmo, por estar à vontade quanto ao PP, é que acho um pouco superficial e descuidado o modo como agora se arrumou a questão. Por várias razões: uma, a de que o PSD e o PP devem colaborar na oposição de forma consistente, sem que isso signifique a redução do espaço político do PSD a essa colaboração. Depois, porque tem sentido o PSD e PP terem entendimentos vários, inclusive no âmbito eleitoral quanto às autárquicas e, em particular, quanto às presidenciais. Segundo, porque o PP sem Paulo Portas vai também conhecer um processo de recentramento político e libertar-se da sua caracterização de partido unipessoal. Convém por isso, pensar um pouco, e não deitar fora o menino com a água do banho. (Continua)

José Pacheco Pereira

1 Comments:

At 3 de março de 2005 às 13:52, Anonymous Anónimo said...

"POLÍTICA - E se no PSD se experimentasse discutir um pouco de política? E se se acabasse com as desculpas mal-amanhadas e as diversões de desresponsabilização, para fazer uma análise política séria do que aconteceu? Talvez o país e o partido ficassem melhor servidos. As pessoas são importantes, mas as políticas são mais.
..."

Este texto do Pacheco Pereira diz tudo o que o meu PPD/PSD necessita de fazer, para mudar.
É necessário repensar tudo neste Distrito e principalmente em Ponte de Sor.
Senão não vamos a lado nenhum.
Arriscamos a não ter representação nenhuma.

 

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