quinta-feira, 3 de março de 2005

EM PORTALEGRE CIDADE...

Portalegre Jazzfest III
-o fim do primeiro ciclo -



Contra ventos e marés o “Portalegre Jazzfest” atingiu a maioridade e assume-se de uma vez por todas, como a maior manifestação cultural do Norte Alentejano, sendo também, depois do Raid “Portalegre 500”, o único evento da região que consegue mobilizar os principais órgãos de informação do país.
Quem não perceber ou não quiser ver o que está em jogo, está claramente desfasado da realidade, porque no fundo estamos a falar da afirmação cultural de uma região, que não pode apenas viver da excelência dos vinhos e enchidos e da beleza da paisagem. A gastronomia deve ser entendida como uma componente e nunca como objectivo final.
O Jazzfest III foi, e a opinião é unânime, em todas as vertentes o mais conseguido de sempre. As Workshops deram oportunidade a músicos locais de abordarem, alguns pela primeira vez, o único género musical que concilia a técnica com a criatividade.
Quem não nasceu para a música mas tem atracção por estas coisas, teve a possibilidade de aprender todos os passos necessários que levam à produção de um espectáculo.
As sessões no Café Central, apesar da exiguidade do espaço, correram muito bem; a Regiophonia foi, como é hábito, competente, mas deixa-me sempre um sabor a pouco.
O núcleo duro é muito bom logo, digo eu, deve arriscar bastante mais.
As Jam Sessions foram parceiro activo nos encontros ocasionais enquanto se bebericava um copo.
Julgo que pela primeira vez houve iniciativas independentes, mas oficiosas, no âmbito do festival. As bases foram os bares X-Terna e Alibábá onde, numa organização da Associação Prometeu tiveram lugar, com sucesso, concertos, exposições e exibição de filmes temáticos.
Mas o centro de operações estava no Crisfal.
No foyer a oferta ia do inevitável “merchandising” até aos óptimos vinhos e enchidos da região, passando por uma banca bem fornecida de discos e dvd’s de jazz.
No palco os músicos entregaram-se à função e apesar do frio que se sentia em toda a sala ofereceram-nos momentos extraordinários:


Maria João & Mário Laginha - A música deste duo nunca me entusiasmou particularmente, apesar de lhe reconhecer méritos imensos e qualidades pouco comuns. Assim, cheguei ao Crisfal sem grandes expectativas. Mas a noite estava calhada para as surpresas. A primeira foi a lotação estar esgotada e ter que recorrer à “cunha” para entrar, depois fiquei com receio que um concerto de piano e voz pudesse levar à debandada, pois a assistência era bastante heterogénea, mas a noite era mágica e os dedos sábios de Mário Laginha e o domínio vocal quase irreal de Maria João deixaram a assistência absolutamente rendida. É inacreditável a facilidade com que a cantora muda de registo vocal. O prazer e a paixão imensa que estes dois músicos mostram pelo palco fizeram o resto. Concerto absolutamente inesquecível.


Enrico Rava Quintet - Músico experimentado, leva mais de quarenta anos de carreira a actuar entre os melhores e a percorrer todas os caminhos do jazz.
Enrico Rava apresentou-se em Portalegre acompanhado por quatro jovens músicos italianos e com reportório assente no jazz mais clássico mas sem concessões de espécie alguma ao facilitismo.
Rava disse em recente entrevista que aprendeu com Miles Davis a liderar um grupo, marcando a sua presença, mas dando, no entanto, liberdade aos músicos. Foi isso que se passou no Crisfal onde o talento do mestre não ofuscou o brilho individual de cada um dos músicos. Não será justo salientar ninguém, ainda assim permitam-me uma palavra para o espantoso desempenho do trombonista Gianluca Petrella. Grande concerto para um público entusiasta e disponível para boas sensações, que não esgotou mas preencheu condignamente a gélida sala da Corredoura.


Mulgrew Miller Trio - No rock o termo “mainstream” tem normalmente um sentido pejorativo pois as conotações com o pior comercialismo são inegáveis. No jazz a coisa não é tanto assim, “mainstream” tem a ver com requinte, classicismo ou mesmo com um certo savoir faire.
Assim não há que ter engulhos quando se apresenta Mulgrew Miller como um dos maiores pianistas de jazz mainstream da sua geração. Pois foi este norte-americano de 49 anos que se apresentou em trio, a sua maneira preferida de se exprimir, no encerramento do III Jazzfest de Portalegre.
Concerto sóbrio, profissional, aliando a balada pura ao devaneio galopante, sempre com um toque de classe. Grande concerto com prestações excepcionais do baterista Karriem Riggins e do contrabaixista Derrick Hodge.
O público que compareceu em elevado número e disponível para a festa acabou rendido e feliz à performance superior deste trio baseado em Nova Iorque.

Com este III Jazzfest, chega-se na minha opinião ao fim de um ciclo, o primeiro, pois nem me passa pela cabeça que um evento desta importância termine.
Há no entanto novas perspectivas no horizonte. No próximo ano a autarquia terá novo executivo e não é crível que a equipa liderada pelo vereador Luís Pragana que representou a Câmara neste evento se mantenha, e assim veremos se o director do festival Carlos Barreto terá por parte da autarquia um interlocutor com sensibili-dade e conhecimentos suficientes para levar para a frente um projecto desta envergadura. Quero crer que sim. E faço votos que para o ano esteja aqui a gabar o elevado nível dos concertos e as condições excepcionais do auditório do novo Centro de Artes e Espectáculos.


Luís Filipe Meira
in:Jornal Fonte Nova

1 Comments:

At 3 de março de 2005 às 14:39, Anonymous Anónimo said...

É assim que se trabalha.
É o melhor festival do Sul de Portugal.
O Dr. Luís Pragana e o Engº Mata Cáceres tem feito um esforço meritório em colocar Portalegre na agenda cultural de Portugal.
O público agradece.

 

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