HAVERÁ SAÍDA?
Várias vezes me tenho colocado esta pergunta, mas nunca tantas vezes como agora: será Portugal viável?
Haverá ainda, na consciência da maioria dos portugueses, a noção de que um país se constrói com o esforço, a iniciativa, o trabalho e, se necessário, o sacrifício de todos, na medida das respectivas responsabilidades?
De que um país não pode depender apenas ou principalmente do Estado, do Governo, das iniciativas e dos dinheiros PÚBLICOS?
Que a cidadania não é só direitos adquiridos e benesses garantidas eternamente, sem relação com a produtividade, o crescimento, a competitividade, a qualidade daquilo que se faz e se produz?
Tenho as maiores dúvidas. Como todos, oiço os portugueses a falar, todo o tipo de portugueses, e constato que a esmagadora maioria não vai, nem quer ir, além do inverso da célebre frase de Kennedy: limitam-se a perguntar o que pode o país fazer por eles. Ouvindo-os, eles têm sempre razões de queixa e matéria para reivindicarem do Estado e do Governo, seja ele qual for, que episodicamente o represente. Mesmo aqueles que tinham mais obrigação de estarem informados e reflectirem sobre a informação de que dispõem reagem às más notícias como se elas fossem matéria abstracta, insusceptível de descer ao concreto e poder afectá-los. Lêem que o Estado português vive há vários anos acima das suas disponibilidades, gastando mais do que tem e endividando-se para as gerações futuras, mas, ao mesmo tempo que reconhecem que isso não pode continuar, recusam qualquer medida de contenção de gastos PÚBLICOS que mexa com os seus "direitos adquiridos". Lêem (e sabem que é incontroverso) que as pessoas se reformam cada vez mais cedo e vivem até mais tarde, consumindo simultaneamente maiores cuidados de saúde, o que torna financeiramente insustentável o actual sistema de pensões e reformas, mas, quando se pretende reformar o seu estatuto particular, aqui d"El rei, que "descontei toda a vida para a Segurança Social e não me podem agora mexer nas minhas expectativas!". Lêem que os portugueses têm o maior índice europeu de consumo de medicamentos, mas acham um roubo que o Governo diminua a sua comparticipação nos medicamentos, que, além do mais, constitui uma forma de assegurar um negócio florescente e de risco garantido a laboratórios e farmácias. Lêem que os professores trabalham poucas horas em comparação com os seus colegas europeus, ganhando proporcionalmente mais e reformando-se mais cedo, ao mesmo tempo que a Educação consome recursos desproporcionados e com resultados menos que medíocres. Mas, qualquer tentativa de mexer no que está, dá logo direito a uma greve aos exames nacionais - com a compreensão, aliás, de um juiz de Ponta Delgada, que deve achar que, de "irremediável" só existe a morte, e, portanto, qualquer prejuízo desproporcionado que uma greve possa causar, mesmo a centenas de milhares de alunos, nunca será suficiente para pôr em causa o direito à greve, sem serviços mínimos. Aliás, eles próprios, juízes, também sabem, e sabem que nós sabemos, que a justiça é talvez a coisa que pior funciona em Portugal, mais lenta, mais ineficaz, mais cara e mais afastada das necessidades dos cidadãos. Mas aquilo com que unicamente os ouvimos preocuparem-se é com o seu estatuto, as suas férias, a manutenção do seu regime de total desresponsabilização profissional.
A desresponsabilização é, de facto, a grande reivindicação de quem se habituou a trabalhar para o Estado ou a depender do Estado. Somos um país onde muito pouca gente está disposta a abrir caminho por si, a assumir responsabilidades e correr riscos, sem a cobertura do emprego PÚBLICO, do favor PÚBLICO ou do dinheiro PÚBLICO. Ainda esta semana, Jorge Sampaio chamava a atenção para a inexistência de financiamento ao capital de risco por parte da banca, em comparação com a facilidade do financiamento ao consumo, de risco praticamente nulo. Em Portugal, 63 por cento do capital de risco é assumido pelo sector PÚBLICO; em Espanha é 9 por cento, o resto é privado. A diferença é eloquente e explica muita coisa: em Portugal, a formação de cartógrafos e navegadores, a construção dos navios, o pagamento das tripulações, todo o financiamento das Descobertas e a comercialização dos produtos foram de iniciativa pública; em Espanha, foram empresários privados de Sevilha que ajudaram a financiar a primeira viagem de Colombo, início da expansão ultramarina de Castela. Talvez tenha começado aí a história da nossa progressiva demissão cívica, agravada, nos tempos recentes, por três momentos decisivos: o salazarismo, o gonçalvismo e os dinheiros europeus. O primeiro propôs-nos o Estado protector, inflexível na defesa do nosso bem e em tornar-nos imunes às tentações libertárias vindas de fora; o segundo propôs-nos o Estado suficiente, motor da história, infinitamente justo e generoso, distribuindo a cada um em função das suas necessidades e a ninguém em função do seu mérito; o terceiro propôs-nos o Estado oportunidade, aberto a todos os espertos que quisessem fazer fortuna rapidamente ou ganhar dinheiro fácil, bastando estender a mão e declarar-se qualquer coisa: agricultor, empresário, formador, inovador, isolado no interior ou ilhas, enfim, representante adequado dessa coisa enxovalhante a que chamam "a especificidade portuguesa" - o direito de esmolar eternamente à conta de sermos piores, mais atrasados e mais incompetentes do que os outros.
Há cada vez mais gente que, olhando para o diagnóstico frio daquilo que somos e do que valemos, vai insinuando a ideia de que o menos mau seria sermos absorvidos pela Espanha. Nem adianta entrar em questões de patriotismo para concluir que eles estão errados na sua última esperança: seguramente que a Espanha não nos quereria para sermos em relação a ela o que a Madeira autónoma é em relação a nós. A Espanha quer é que nós continuemos a ser o que somos, como vizinho: um mercado escancarado e sem competitividade para enfrentar a sua concorrência e uma espécie de laboratório daquilo que deve ser evitado - como temos sido para eles, desde 1975. Agora, para nos pagar o fado ou a "especificidade", isso de certeza que não querem. Resta-nos esperar que a União Europeia não se desagregue nem se canse de nos aturar, porque, então sim, ficaremos face a face com nós próprios e corremos o risco de concluir que nos tornámos um país inviável.
Peço desculpa se isto soa a demasiado pessimismo negativista. Mas, nestes dias em que todos só falam dos seus interesses e só olham para o seu próprio umbigo, onde estão os sinais de esperança?
Miguel Sousa Tavares
Tenho as maiores dúvidas. Como todos, oiço os portugueses a falar, todo o tipo de portugueses, e constato que a esmagadora maioria não vai, nem quer ir, além do inverso da célebre frase de Kennedy: limitam-se a perguntar o que pode o país fazer por eles. Ouvindo-os, eles têm sempre razões de queixa e matéria para reivindicarem do Estado e do Governo, seja ele qual for, que episodicamente o represente. Mesmo aqueles que tinham mais obrigação de estarem informados e reflectirem sobre a informação de que dispõem reagem às más notícias como se elas fossem matéria abstracta, insusceptível de descer ao concreto e poder afectá-los. Lêem que o Estado português vive há vários anos acima das suas disponibilidades, gastando mais do que tem e endividando-se para as gerações futuras, mas, ao mesmo tempo que reconhecem que isso não pode continuar, recusam qualquer medida de contenção de gastos PÚBLICOS que mexa com os seus "direitos adquiridos". Lêem (e sabem que é incontroverso) que as pessoas se reformam cada vez mais cedo e vivem até mais tarde, consumindo simultaneamente maiores cuidados de saúde, o que torna financeiramente insustentável o actual sistema de pensões e reformas, mas, quando se pretende reformar o seu estatuto particular, aqui d"El rei, que "descontei toda a vida para a Segurança Social e não me podem agora mexer nas minhas expectativas!". Lêem que os portugueses têm o maior índice europeu de consumo de medicamentos, mas acham um roubo que o Governo diminua a sua comparticipação nos medicamentos, que, além do mais, constitui uma forma de assegurar um negócio florescente e de risco garantido a laboratórios e farmácias. Lêem que os professores trabalham poucas horas em comparação com os seus colegas europeus, ganhando proporcionalmente mais e reformando-se mais cedo, ao mesmo tempo que a Educação consome recursos desproporcionados e com resultados menos que medíocres. Mas, qualquer tentativa de mexer no que está, dá logo direito a uma greve aos exames nacionais - com a compreensão, aliás, de um juiz de Ponta Delgada, que deve achar que, de "irremediável" só existe a morte, e, portanto, qualquer prejuízo desproporcionado que uma greve possa causar, mesmo a centenas de milhares de alunos, nunca será suficiente para pôr em causa o direito à greve, sem serviços mínimos. Aliás, eles próprios, juízes, também sabem, e sabem que nós sabemos, que a justiça é talvez a coisa que pior funciona em Portugal, mais lenta, mais ineficaz, mais cara e mais afastada das necessidades dos cidadãos. Mas aquilo com que unicamente os ouvimos preocuparem-se é com o seu estatuto, as suas férias, a manutenção do seu regime de total desresponsabilização profissional.
A desresponsabilização é, de facto, a grande reivindicação de quem se habituou a trabalhar para o Estado ou a depender do Estado. Somos um país onde muito pouca gente está disposta a abrir caminho por si, a assumir responsabilidades e correr riscos, sem a cobertura do emprego PÚBLICO, do favor PÚBLICO ou do dinheiro PÚBLICO. Ainda esta semana, Jorge Sampaio chamava a atenção para a inexistência de financiamento ao capital de risco por parte da banca, em comparação com a facilidade do financiamento ao consumo, de risco praticamente nulo. Em Portugal, 63 por cento do capital de risco é assumido pelo sector PÚBLICO; em Espanha é 9 por cento, o resto é privado. A diferença é eloquente e explica muita coisa: em Portugal, a formação de cartógrafos e navegadores, a construção dos navios, o pagamento das tripulações, todo o financiamento das Descobertas e a comercialização dos produtos foram de iniciativa pública; em Espanha, foram empresários privados de Sevilha que ajudaram a financiar a primeira viagem de Colombo, início da expansão ultramarina de Castela. Talvez tenha começado aí a história da nossa progressiva demissão cívica, agravada, nos tempos recentes, por três momentos decisivos: o salazarismo, o gonçalvismo e os dinheiros europeus. O primeiro propôs-nos o Estado protector, inflexível na defesa do nosso bem e em tornar-nos imunes às tentações libertárias vindas de fora; o segundo propôs-nos o Estado suficiente, motor da história, infinitamente justo e generoso, distribuindo a cada um em função das suas necessidades e a ninguém em função do seu mérito; o terceiro propôs-nos o Estado oportunidade, aberto a todos os espertos que quisessem fazer fortuna rapidamente ou ganhar dinheiro fácil, bastando estender a mão e declarar-se qualquer coisa: agricultor, empresário, formador, inovador, isolado no interior ou ilhas, enfim, representante adequado dessa coisa enxovalhante a que chamam "a especificidade portuguesa" - o direito de esmolar eternamente à conta de sermos piores, mais atrasados e mais incompetentes do que os outros.
Há cada vez mais gente que, olhando para o diagnóstico frio daquilo que somos e do que valemos, vai insinuando a ideia de que o menos mau seria sermos absorvidos pela Espanha. Nem adianta entrar em questões de patriotismo para concluir que eles estão errados na sua última esperança: seguramente que a Espanha não nos quereria para sermos em relação a ela o que a Madeira autónoma é em relação a nós. A Espanha quer é que nós continuemos a ser o que somos, como vizinho: um mercado escancarado e sem competitividade para enfrentar a sua concorrência e uma espécie de laboratório daquilo que deve ser evitado - como temos sido para eles, desde 1975. Agora, para nos pagar o fado ou a "especificidade", isso de certeza que não querem. Resta-nos esperar que a União Europeia não se desagregue nem se canse de nos aturar, porque, então sim, ficaremos face a face com nós próprios e corremos o risco de concluir que nos tornámos um país inviável.
Peço desculpa se isto soa a demasiado pessimismo negativista. Mas, nestes dias em que todos só falam dos seus interesses e só olham para o seu próprio umbigo, onde estão os sinais de esperança?
Miguel Sousa Tavares
1 Comments:
ESPERANÇA não existe na boca do pobre, na boca do pobre existe a palavra SAUDADE, saudade do momento em que passeou quando foi à inspecção militar ou à tropa ou onde teve que ir a LIsboa para ir ao médico, saudade do mês em que recebeu 400 euros porque nesse mês recebeu o subsídio de Natal... Parece incrível mas esta é o nosso país real, o país dos honestos que trabalharam durante toda a vida e agora ainda cavam na horta porque o dinheiro não chega nem para os medicamentos... Ainda bem que este senhor pode ter esperança mas não pode ter o direito de a pedir aos outros...
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