ESTAREMOS A SONHAR?
Fusão de balcões dos vários ministérios? Criação do gestor de cliente da administração pública? Multiserviços no Estado? Partilha de espaços entre vários serviços administrativos? Um único «front-office» para vários «back-offices»? Estaremos a sonhar ou é isto mesmo que o Governo vai aprovar no final deste mês?
Algo de extraordinário se está a passar no domínio da reforma da Administração Pública. Depois de longos anos de conversas no ar, de muitas promessas sem conteúdo e sem acção, este Governo propõe-se encarar a organização da relação entre os serviços do Estado e os seus utentes, pelas melhores práticas da relação entre empresas e clientes.
Até onde irá esta reforma, quanto tempo demorará, quantas muralhas terá de derrubar para fazer o seu caminho, não é isso que importa neste momento.
Agora a questão é desenhar o objectivo e estabelecer a convicção colectiva de que esta matéria é decisiva para o próprio desenvolvimento económico e para a reforma da despesa pública.
O inacreditável conceito organizacional que, por exemplo, obriga um contribuinte a dirigir-se a quatro balcões diferentes da mesma repartição de finanças, a tirar três senhas de cores diferentes, e a esperar três vezes, consoante o assunto que vai tratar e ainda a ir à porta ao lado para comprar um impresso e proceder a um pagamento, é este conceito que o Governo pretende reformar.
Não se julgue que isto se passa apenas nas repartições de finanças. O mesmo acontece no mais improvável dos serviços do Estado. Por exemplo no Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Na mesma sala, um utente tem de se dirigir a três balcões para realizar um único acto. Espera três vezes. Uma para o impresso, outra para o entregar, outra para pagar.
Se o Ministério da Agricultura tem 253 balcões espalhados pelo país, então estes espaços podem ser partilhados por outros ministérios.
Se é preciso pagar um determinado imposto para realizar um determinado acto notarial, então que seja possível fazê-lo no mesmo espaço físico, diante do mesmo interlocutor.
Se um contribuinte se relaciona sistematicamente com o Estado em vários domínios fiscais, seja ele empresa ou particular, porque não ter um gestor do cliente? Que importa que o assunto seja do domínio do IVA, da Segurança Social ou do IRC?
Não será através de um gestor do cliente que o conhecimento do contribuinte se realiza? Não será dessa maneira que o Estado pode mais eficientemente tipificar os contribuintes «difíceis» e estabelecer prioridades efectivas para a sua acção?
Não será também desta maneira que os funcionários dos serviços administrativos, em vez de cristalizarem as suas capacidades num subdomínio, podem ambicionar carreiras mais estimulantes, mais desafiantes e dinâmicas?
É claro que este Governo não descobriu a pólvora. Há longos anos que certas práticas do sector bancário têm servido como ilustração da eficiência que os serviços administrativos públicos podem ganhar. Há longos anos, por esta Europa fora, que as administrações públicas procederam ao início da modernização. O gestor do cliente fiscal é uma realidade em Espanha há vários anos.
Será que chegou a hora de Portugal fazer o que não pode deixar de fazer, ou estaremos a sonhar?
Eduardo Moura
2 Comments:
Em nome da maioria parlamentar que obteve, o governo do PS propõe-se governar de forma peculiar: não ouve, não motiva, não estimula, não envolve, não gera confiança nos sectores que pretende «reformar». Pode dizer-se que do «excesso de diálogo» de Guterres se passou ao «autismo» de Sócrates. Não sei qual deles seja o mais preocupante.
Uma pergunta se impõe: Sócrates, que prometeu não aumentar os impostos e não alterar os sistemas de segurança social do sector público, acabou por desmentir essas promessas, que foram, aliás, das primeiras medidas que tomou (com a rábula mal explicada do ministro Campos e Cunha).
Porquê? Das duas, uma: ou mentiu ao eleitorado (pois sabia que não iria poder cumprir essas promessas) ou não conhecia o verdadeiro estado das finanças públicas, e revela que não estava preparado para governar, tendo que improvisar medidas governativas «à vista».
Ainda não se percebeu qual seja a verdadeira razão.
Mas, toda a lógica de «modernização do País», de «reformas», de «contenção da despesa pública», está a passar muito mais por um processo de delapidação do capital de confiança e mesmo de «esperança» que o eleitorado depositou no PS. Mas que se vai esboroando, com o real «amiguismo» que se vai adensando e com uma deriva política errática semelhante aos piores tempos de Santana Lopes.
Sócrates anunciou no sábado (17/09/05), em Coimbra, que «vai dar instruções aos membros do governo» para não fazerem inaugurações em período de campanha eleitoral. Provavelmente, não se apercebeu da gravidade do que disse: a invocada «moralização da vida política» não tem – não deve ter – «instruções» ou «normas de execução». Tem um código ínsito, tem valores assumidos e vivenciados, caso contrário, o que existe é, uma vez mais, a virtude postiça.
O eng. Sócrates revelou conhecer bem os que o rodeiam: precisa de lhes dar instruções. Não vão eles tentar-se com os exemplos que lhes tem dado, ao nomear destacados deputados do PS como administradores de importantes empresas públicas e – pasme-se – presidente do Tribunal de Contas.
Será que os governantes, o aparelho do partido, os autarcas e os «amigos» estão dispostos a obedecer?
EQUÍVOCOS
Quando querem ficar bem os nossos políticos dizem que adoptam no Estado aquilo que as empresas privadas fazem, e todos aplaudem porque em Portugal há a convicção de que os que se faz no sector privado é bem feito.
Não fosse o oportunismo desta atitude dos nossos políticos, que assim se dispensam de pensar ou de se confrontar com a sua ausência de ideias, diria que estamos perante um equívoco.
Um equívoco porque nem sempre se copia do privado tudo o que devia ser copiado, e também porque num país que sofre com a falta de competitividade das suas empresas nem tudo o que se faz no sector privado merece ser copiado.
As lojas do cidadão são um progresso, mas podem esconder uma realidade triste nos serviços que lá estão representados; isto é, não traduzem qualquer modernização dos serviços; experimentem esquecer-se dos documentos do carro num bolso das calças que vão para a máquina de lavar, como já me sucedeu, e verão que as lojas do cidadão são uma fachada.
O mesmo vai suceder com os balcões únicos, ma forma de não modernizar a Administração Pública, começando pelo mais fácil, a fachada; não será mais do que uma operação de propaganda paga à custa do orçamento do Estado, e enquanto se vai montando esta “obra” de José Sócrates não haverão recursos ou vontade política para modernizar os serviços.
Outra grande inovação vai ser a colocação de um controleiro de contas em cada ministério, algo parecido mas aquém do aqui proposto, a criação de “conselhos fiscais” na instituições da Administração Pública.
Mas o que vai fazer esse controleiro?
Discutir as decisões de directores-gerais que são da confiança do ministro e trabalham quase em exclusivo para a sua imagem?
Como vão avaliar as despesas se na AP não há nada que se pareça com uma contabilidade e ainda menos com uma contabilidade analítica, o mais que poderão fazer vai ser comparar o preço do papel higiénico adquirido pelos serviços com os praticados nas mercearias da vizinhança.
Sócrates não quer apostar num trabalho sério de modernização e opta por investir em tinta, limitando-se a pintar a fachada, tendo em vista o calendário eleitoral?
Gostaria muito de pensar que não, que aquilo a que estou a assistir não é verdade.
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