O PAÍS VAZIO
«Quando escrevo País quero dizer: nós»
Oliveira Martins - «Jornal»
Em Portugal não se discute: gesticula-se com ou sem som. Em Portugal não há debate: há injúria, insulto, calúnia. Alimentamos a cultura da regateira e detestamos ser controvertidos. O discurso político existe na vacuidade de quem o profere. Possuímos uma tradição de sarrafo que se mantém até hoje. Apesar de tudo, o padre Agostinho de Macedo e o Camilo, campeões do porrete, dispunham de ideias. Antero opôs-se ao rito da bordoada e, com elegância veemente, lá foi escrevendo que os nossos governantes eram adultas e descompassadas bestas.
António Sérgio não abolia do texto o tom empertigado de quem não admite crítica. António José Saraiva, um grande português com ideias de seu, também não consultou o médico para tornar combustíveis as teorias de Sérgio. Raul Proença, certamente o mais importante dos «seareiros», foi o primeiro a induzir os perigos do fascismo. Mas Proença não era bom de assoar: o arrocho substituía-se-lhe à pena. E coloque na lista o feroz Alfredo Pimenta, reaccionarão e troca-tintas, de certeza uma alegre descoberta para os amantes da prosa com puas. Goste-se ou não dos indicados, eles escreviam um português correcto e rude, digno de todos os dias.
Tenho frequentado os buliçosos «comentários» de preopinantes enfatuados, discreteando acerca da ausência de ideias que devora a Esquerda. É verdade e sublinho-a. Porém, à Direita, o mesmo tropeço. Falta-lhe o coturno de Manuel Gama, de Manuel Maria Múrias, de Fernando Jasmins Pereira, com os quais briguei, asperamente, nos tempos do pequeno fascismo santa-combadense. Eram temíveis porque letrados. Respeitávamo-nos com minuciosas precauções. Para não nomear Dutra Faria, que molhava a pena no tinteiro dos grandes clássicos. Debruço-me sobre o que se convencionou chamar de «articulistas de Esquerda» e todos eles são melancólicos mimetismos do que foi dito e escrito, pelo menos há quarenta anos. Até Eduardo Lourenço me parece melancolicamente fatigado.
Quando se ataca Soares, por ser velho e anacrónico, esquece-se de que Cavaco é a pedra do banal que tomba na vertical da própria idade. Não é isso que deveria estar em causa. A discussão teria de incidir nas causas que explicam estes efeitos. E tentar dilucidar a intriga política que conduz à inevitabilidade de a Esquerda ter de usar Soares, e a Direita ser impelida a servir-se de Cavaco. Bem desejaria eu que a disputa se estabelecesse entre gente mais nova, habilitada a visitar algumas ideias contidas em alguns livros actuais e antigos.
Temos um «socialismo» que o não é, e uma «social-democracia» que nunca o foi, apesar de alguns contidos esforços de Sá Carneiro. Marques Mendes é um ser lacónico, cordial, e uma temperatura tíbia para corredor de fundo. O CDS sobrenada com Ribeiro e Castro, que ninguém sabe quem é, e recusa-se a escutar Maria José Nogueira Pinto, cuja inteligência, sensibilidade e cultura são subaproveitadas. Na última terça-feira, SIC-Notícias, foi demolidora no diálogo com o meu amigo Ruben de Carvalho, apenas (e surpreendentemente) titubeante. Jerónimo de Sousa é um homem simpático, cuja trajectória respeito e admiro. Porém, o perímetro ideológico em que se move impede-o de ser mais do que o próprio perímetro o permite. O Bloco de Esquerda é Francisco Louça: agressivo, descarado, corajoso, astuto, agudo e provocador. Não adianta nem atrasa: faz estragos. Ajudou a Direita a ganhar a Câmara de Lisboa; e os dez por cento por que almeja, talvez apadrinhem Cavaco a trepar até Belém. Louça e o Bloco pretendem substituir-se a quem e a quê? E que é isso de Esquerda moderna, com uma proposição cediça? Engraço com eles, mas tenho dificuldade em percebê-los.
Os modelos apresentados nos últimos trinta anos esvaíram-se. Se recorrermos ao que foi dito pelos grandes dirigentes, verificaremos que a nossa educação política foi edificada através de sofismas e de uma mitologia vocabular exemplarmente eloquente e paradigmaticamente leviana e manipuladora. Falaram-nos ao primarismo das emoções. Ocultaram o primado da razão. Forjaram gerações de obedientes. Não exerceram a pedagogia do civismo, naturalmente criadora de cidadãos e não de servos.
O País está de rastos, o regime está seriamente ameaçado, o idioma é tripudiado por bandos de analfabetos obstinados, já ninguém acredita em ninguém. Temos o futebol, Deus abençoe a nação valente!
Baptista Bastos
Oliveira Martins - «Jornal»
Em Portugal não se discute: gesticula-se com ou sem som. Em Portugal não há debate: há injúria, insulto, calúnia. Alimentamos a cultura da regateira e detestamos ser controvertidos. O discurso político existe na vacuidade de quem o profere. Possuímos uma tradição de sarrafo que se mantém até hoje. Apesar de tudo, o padre Agostinho de Macedo e o Camilo, campeões do porrete, dispunham de ideias. Antero opôs-se ao rito da bordoada e, com elegância veemente, lá foi escrevendo que os nossos governantes eram adultas e descompassadas bestas.
António Sérgio não abolia do texto o tom empertigado de quem não admite crítica. António José Saraiva, um grande português com ideias de seu, também não consultou o médico para tornar combustíveis as teorias de Sérgio. Raul Proença, certamente o mais importante dos «seareiros», foi o primeiro a induzir os perigos do fascismo. Mas Proença não era bom de assoar: o arrocho substituía-se-lhe à pena. E coloque na lista o feroz Alfredo Pimenta, reaccionarão e troca-tintas, de certeza uma alegre descoberta para os amantes da prosa com puas. Goste-se ou não dos indicados, eles escreviam um português correcto e rude, digno de todos os dias.
Tenho frequentado os buliçosos «comentários» de preopinantes enfatuados, discreteando acerca da ausência de ideias que devora a Esquerda. É verdade e sublinho-a. Porém, à Direita, o mesmo tropeço. Falta-lhe o coturno de Manuel Gama, de Manuel Maria Múrias, de Fernando Jasmins Pereira, com os quais briguei, asperamente, nos tempos do pequeno fascismo santa-combadense. Eram temíveis porque letrados. Respeitávamo-nos com minuciosas precauções. Para não nomear Dutra Faria, que molhava a pena no tinteiro dos grandes clássicos. Debruço-me sobre o que se convencionou chamar de «articulistas de Esquerda» e todos eles são melancólicos mimetismos do que foi dito e escrito, pelo menos há quarenta anos. Até Eduardo Lourenço me parece melancolicamente fatigado.
Quando se ataca Soares, por ser velho e anacrónico, esquece-se de que Cavaco é a pedra do banal que tomba na vertical da própria idade. Não é isso que deveria estar em causa. A discussão teria de incidir nas causas que explicam estes efeitos. E tentar dilucidar a intriga política que conduz à inevitabilidade de a Esquerda ter de usar Soares, e a Direita ser impelida a servir-se de Cavaco. Bem desejaria eu que a disputa se estabelecesse entre gente mais nova, habilitada a visitar algumas ideias contidas em alguns livros actuais e antigos.
Temos um «socialismo» que o não é, e uma «social-democracia» que nunca o foi, apesar de alguns contidos esforços de Sá Carneiro. Marques Mendes é um ser lacónico, cordial, e uma temperatura tíbia para corredor de fundo. O CDS sobrenada com Ribeiro e Castro, que ninguém sabe quem é, e recusa-se a escutar Maria José Nogueira Pinto, cuja inteligência, sensibilidade e cultura são subaproveitadas. Na última terça-feira, SIC-Notícias, foi demolidora no diálogo com o meu amigo Ruben de Carvalho, apenas (e surpreendentemente) titubeante. Jerónimo de Sousa é um homem simpático, cuja trajectória respeito e admiro. Porém, o perímetro ideológico em que se move impede-o de ser mais do que o próprio perímetro o permite. O Bloco de Esquerda é Francisco Louça: agressivo, descarado, corajoso, astuto, agudo e provocador. Não adianta nem atrasa: faz estragos. Ajudou a Direita a ganhar a Câmara de Lisboa; e os dez por cento por que almeja, talvez apadrinhem Cavaco a trepar até Belém. Louça e o Bloco pretendem substituir-se a quem e a quê? E que é isso de Esquerda moderna, com uma proposição cediça? Engraço com eles, mas tenho dificuldade em percebê-los.
Os modelos apresentados nos últimos trinta anos esvaíram-se. Se recorrermos ao que foi dito pelos grandes dirigentes, verificaremos que a nossa educação política foi edificada através de sofismas e de uma mitologia vocabular exemplarmente eloquente e paradigmaticamente leviana e manipuladora. Falaram-nos ao primarismo das emoções. Ocultaram o primado da razão. Forjaram gerações de obedientes. Não exerceram a pedagogia do civismo, naturalmente criadora de cidadãos e não de servos.
O País está de rastos, o regime está seriamente ameaçado, o idioma é tripudiado por bandos de analfabetos obstinados, já ninguém acredita em ninguém. Temos o futebol, Deus abençoe a nação valente!
Baptista Bastos
1 Comments:
ENTÃO PESSOAL O TEXTO DO BB É TÃO FORTE, TÃO REAL, QUE FICOU TUDO CALADO...
POIS É:
A PEDIDO DE VÁRIAS FAMÍLIAS MAIS UMA VEZ VOS DEIXO:
A VERDADE DÓI...
DÓI...
DÓI...
CADA DIA QUE PASSA DÓI, MUITO...
VAI DOENDO CADA VEZ MAIS...
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