Acabo de ler a entrevista de Miguel Veiga à «Visão». Foi um momento raro de lucidez, bom senso e inteligência, no meio de tanto ruído e vazio de ideias que marcam a política portuguesa.
Entre a fidelidade a uma «amizade eterna» com Mário Soares e a racionalidade na escolha de Cavaco como o Presidente que considera ser mais acertado para o actual momento do país, o distinto advogado portuense opta pela razão, ainda que não esconda que não morre de amores pelo professor de Boliqueime e, pelo contrário, nutre um «grande afecto» por Soares.
É este tipo de honestidade intelectual que vai faltando a este país. De vez em quando, também convém falar dos bons exemplos.
1. Se olharmos à composição da "comissão política" da recandidatura presidencial de Mário Soares, onde nem sequer falta o inefável Ivan Nunes, vemos que ela é nitidamente desequilibrada para a "esquerda". Os empresários que vão aparecer na "de honra" não são novos e fazem parte da nomenclatura habitual que tem acompanhado a vida política do candidato. Pelo PS, é também a "ala" esquerdina que aparece destacada - com João Cravinho, Medeiros Ferreira, Sérgio Sousa Pinto ou Alfredo Barroso, por exemplo -, incluindo, provavelmente a contre coeur "soarista", Jorge Coelho. Este, aliás, parece que terá já "avisado" para não contarem com ele para "dizer mal" de Manuel Alegre, o que diz praticamente tudo. 2. Estar com o PS e com o governo, e deixar o PS e o governo estar com ele, sem que, com isso, se prejudiquem demasiado uns aos outros, é o oxímoro fundamental do candidato Mário Soares. Lateralmente é preciso aplacar, com alguma suavidade, os danos "alegristas". Nada que Soares - ele, sozinho - não consiga contornar em campanha. Chega? Não chega. Em primeiro lugar, não é líquido que a opinião pública aprecie, entusiasmada, este regresso. Todos os sinais disponíveis mostram precisamente o contrário. E Soares, por eunquanto, não explicou por que "bastava" de vida política activa há uns meses e, agora, é o que se vê. Em segundo lugar, e contrariamente ao que aconteceu há vinte anos, Soares fez questão ligar o seu destino ao do PS e vice-versa. A sua candidatura de 85/86 "cresceu" do partido para o país. Era "útil" e era "necessária", como se viu na 1ª volta e, depois, na vitória. Esta, de 2005, pura e simplesmente não "cresce" porque o país, afinal, não suspira nem aparentemente precisa dela para nada. Finalmente, parece pacífico que, desta vez, Soares não poderá contar com o apoio da "não esquerda", como contou, em 85/86, para a derrota de Zenha e de Pintasilgo. A sua imensa biografia foi consagrada, em nome da liberdade e da "correcção" social-democrata da "revolução", com a eleição presidencial de 1986. Não é repetível. 3. Vital Moreira está na "comissão política" de Soares. À falta de melhores ideias, tudo indica que, pelo menos ele, irá insistir no "perigo" da "presidencialização" do regime e, por consequência, no perigo de um "golpe constitucional" a partir de Belém, com Cavaco lá dentro. Eu lembro-lhe que não foi preciso nenhum "golpe" para M. Soares ter feito dois mandatos perfeitamente distintos, com a mesma Constituição. O primeiro, manso e apaziguador, destinou-se a garantir a reeleição e a não hostilizar um primeiro-ministro bem sucedido. O segundo, o do "moderador e árbitro" - uma tirada puramente retórica -, destinou-se exclusivamente a garantir a efectiva remoção de Cavaco Silva, nem que para isso fosse preciso "atropelar" o PS de Guterres. Mais do que a "lei", como se alcança deste exemplo, as personalidades e as circunstâncias fazem o "órgão". Nada autoriza V. Moreira a retirar, das posições conhecidas de Cavaco Silva sobre a matéria, qualquer tentação "presidencialista" ao arrepio da Constituição. Pelo contrário, e muito brandamente, Cavaco, no livro-entrevista "A agenda de Cavaco Silva", de Vítor Gonçalves (Oficina do Livro), esclarece que conhece "muito bem os limites dos poderes do Presidente da República previstos na nossa Constituição, que aceito integralmente". E acrescenta: "sei bem que as competências para a definição e execução das políticas e a aprovação de medidas legislativas pertencem ao Governo e à Assembleia da República" e que "a magistratura do Presidente da República pode ser exercida em cooperação estratégica com os outros órgãos de soberania, de modo a contribuir activamente para vencer a grave situação em que o país se encontra, principalmente no domínio económico e social, e inverter o ciclo de estagnação em que está mergulhado". Cavaco é, apenas, rigoroso. O que, nos dias que correm, já é quase tudo
"JÁ NÃO HÁ O MÍNIMO DE VERGONHA..." Diz-me com quem andas...
João Paulo Velez, que ficou célebre como assessor (muito bem pago) de imprensa de Pedro Santana Lopes, é o novo assessor de imprensa do candidato presidencial... Mário Soares. Vai valer tudo, mesmo tudo.
4 Comments:
Porque nem tudo é mau
Acabo de ler a entrevista de Miguel Veiga à «Visão».
Foi um momento raro de lucidez, bom senso e inteligência, no meio de tanto ruído e vazio de ideias que marcam a política portuguesa.
Entre a fidelidade a uma «amizade eterna» com Mário Soares e a racionalidade na escolha de Cavaco como o Presidente que considera ser mais acertado para o actual momento do país, o distinto advogado portuense opta pela razão, ainda que não esconda que não morre de amores pelo professor de Boliqueime e, pelo contrário, nutre um «grande afecto» por Soares.
É este tipo de honestidade intelectual que vai faltando a este país.
De vez em quando, também convém falar dos bons exemplos.
1. Se olharmos à composição da "comissão política" da recandidatura presidencial de Mário Soares, onde nem sequer falta o inefável Ivan Nunes, vemos que ela é nitidamente desequilibrada para a "esquerda". Os empresários que vão aparecer na "de honra" não são novos e fazem parte da nomenclatura habitual que tem acompanhado a vida política do candidato. Pelo PS, é também a "ala" esquerdina que aparece destacada - com João Cravinho, Medeiros Ferreira, Sérgio Sousa Pinto ou Alfredo Barroso, por exemplo -, incluindo, provavelmente a contre coeur "soarista", Jorge Coelho. Este, aliás, parece que terá já "avisado" para não contarem com ele para "dizer mal" de Manuel Alegre, o que diz praticamente tudo.
2. Estar com o PS e com o governo, e deixar o PS e o governo estar com ele, sem que, com isso, se prejudiquem demasiado uns aos outros, é o oxímoro fundamental do candidato Mário Soares. Lateralmente é preciso aplacar, com alguma suavidade, os danos "alegristas". Nada que Soares - ele, sozinho - não consiga contornar em campanha. Chega? Não chega. Em primeiro lugar, não é líquido que a opinião pública aprecie, entusiasmada, este regresso. Todos os sinais disponíveis mostram precisamente o contrário. E Soares, por eunquanto, não explicou por que "bastava" de vida política activa há uns meses e, agora, é o que se vê. Em segundo lugar, e contrariamente ao que aconteceu há vinte anos, Soares fez questão ligar o seu destino ao do PS e vice-versa. A sua candidatura de 85/86 "cresceu" do partido para o país. Era "útil" e era "necessária", como se viu na 1ª volta e, depois, na vitória. Esta, de 2005, pura e simplesmente não "cresce" porque o país, afinal, não suspira nem aparentemente precisa dela para nada. Finalmente, parece pacífico que, desta vez, Soares não poderá contar com o apoio da "não esquerda", como contou, em 85/86, para a derrota de Zenha e de Pintasilgo. A sua imensa biografia foi consagrada, em nome da liberdade e da "correcção" social-democrata da "revolução", com a eleição presidencial de 1986. Não é repetível.
3. Vital Moreira está na "comissão política" de Soares. À falta de melhores ideias, tudo indica que, pelo menos ele, irá insistir no "perigo" da "presidencialização" do regime e, por consequência, no perigo de um "golpe constitucional" a partir de Belém, com Cavaco lá dentro. Eu lembro-lhe que não foi preciso nenhum "golpe" para M. Soares ter feito dois mandatos perfeitamente distintos, com a mesma Constituição. O primeiro, manso e apaziguador, destinou-se a garantir a reeleição e a não hostilizar um primeiro-ministro bem sucedido. O segundo, o do "moderador e árbitro" - uma tirada puramente retórica -, destinou-se exclusivamente a garantir a efectiva remoção de Cavaco Silva, nem que para isso fosse preciso "atropelar" o PS de Guterres. Mais do que a "lei", como se alcança deste exemplo, as personalidades e as circunstâncias fazem o "órgão". Nada autoriza V. Moreira a retirar, das posições conhecidas de Cavaco Silva sobre a matéria, qualquer tentação "presidencialista" ao arrepio da Constituição. Pelo contrário, e muito brandamente, Cavaco, no livro-entrevista "A agenda de Cavaco Silva", de Vítor Gonçalves (Oficina do Livro), esclarece que conhece "muito bem os limites dos poderes do Presidente da República previstos na nossa Constituição, que aceito integralmente". E acrescenta: "sei bem que as competências para a definição e execução das políticas e a aprovação de medidas legislativas pertencem ao Governo e à Assembleia da República" e que "a magistratura do Presidente da República pode ser exercida em cooperação estratégica com os outros órgãos de soberania, de modo a contribuir activamente para vencer a grave situação em que o país se encontra, principalmente no domínio económico e social, e inverter o ciclo de estagnação em que está mergulhado". Cavaco é, apenas, rigoroso. O que, nos dias que correm, já é quase tudo
"JÁ NÃO HÁ O MÍNIMO DE VERGONHA..."
Diz-me com quem andas...
João Paulo Velez, que ficou célebre como assessor (muito bem pago) de imprensa de Pedro Santana Lopes, é o novo assessor de imprensa do candidato presidencial... Mário Soares.
Vai valer tudo, mesmo tudo.
Entretanto, o rigor, que apreciamos, não pode dar em autoritarismo? Autoritarismo de direita claro. De modo que...
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