quarta-feira, 12 de outubro de 2005

NO NOSSO PORTUGAL...


Reformar o mapa autárquico

Faz sentido ter câmaras municipais, assembleias municipais e toda uma máquina administrativa e financeira para um áreas que têm, por exemplo, duas freguesias e 2151 eleitores (este), ou três freguesias e 3216 eleitores (este)?

Ou mesmo 6148 eleitores (este)?

Pode o país dar-se a este luxo?

Não pode, e até chegou a haver algum sinal do Governo neste sentido.

Mas foi só um sinalzinho e nunca mais se ouviu nada.


Irr

1 Comments:

At 12 de outubro de 2005 às 16:57, Anonymous Anónimo said...

O mal não está nas votações do “povinho”, mas no colapso do Estado de Direito, e num sistema político incapaz.

Nem sempre é fácil fazer da política uma coisa interessante. Foi o que se viu com estas últimas eleições de câmaras e freguesias. Para começar, como logo nos explicaram os entendidos, não era uma eleição, mas milhares de eleições, com dezenas de milhares de candidatos. Não se podia “generalizar”, nem sequer comparar as votações dos partidos, por causa das coligações. Depois, os nossos líderes de partido e opinião, com um ar muito sério, decidiram autorizar o eng. Sócrates a não tirar dos resultados conclusões tão dramáticas como o eng. Guterres há quatro anos. Correu-se assim o risco de ver as “autárquicas” desaparecerem do radar dos jornais e televisões. Surgiu então um condimento salvador: três ou quatro candidatos que tinham tido problemas com a polícia, e ao mesmo tempo com os líderes dos seus partidos. Já que não serviriam para atormentar o eng. Sócrates, as eleições iam servir para exercer indignação. Com maus modos, os líderes de partido e opinião exigiram que as populações dos concelhos de Gondomar, Oeiras, Felgueiras e Amarante fizessem o que as polícias e os tribunais não tinham sido capazes de fazer.

Houve nesta guerra santa contra os “arguidos” uma imensa hipocrisia. A campanha, mais do que de certezas judiciais, viveu dos preconceitos do centralismo iluminado contra o chamado “poder autárquico”. Em discursatas oficiais, é da praxe louvar o tal “poder” como um “pilar” da democracia. No comentário e na decisão política, pelo contrário, esse “poder” é invariavelmente tratado como o leproso do regime. Basta ouvir os nossos líderes falar da limitação de mandatos, das dívidas das autarquias, ou da degradação da paisagem. O que nos mostram é um país entregue a um feudalismo demagógico, em conluio com construtores civis e clubes de futebol. Tudo, obviamente, explicado pela boçalidade daquele género de povo que não costuma ir ao dentista e bate nos líderes nacionais dos partidos, quando estes os visitam em peregrinação justiceira. Vista de baixo, a democracia portuguesa consistiria apenas na exibição impúdica do “atraso” provinciano. Não seria melhor ficarmos todos às ordens da gente limpa e cosmopolita dos Ministérios de Lisboa?
No meio desta indignação centralista, muita coisa escapou. Ninguém, por exemplo, questionou um sistema político que esvazia os municípios de recursos e responsabilidades, empurrando os autarcas para o papel de agentes de “cunhas” em Lisboa, ou tribunos dos descamisados da periferia. Acima de tudo, pouca gente reparou na verdadeira explicação do fenómeno dos “candidatos arguidos”: um sistema judicial incapaz, há muito tempo, de incriminar ou de ilibar quem quer que seja. Basta lembrar os processos contra ministros e deputados desde há vinte anos. Quantos acabaram num esclarecimento definitivo? Quantos não fizeram suspeitar de que a separação de poderes não vai, frequentemente, além do papel? Há dois anos, a publicação das escutas judiciais aos líderes de um dos nossos maiores partido revelou aos portugueses o que ex-ministros verdadeiramente pensavam da justiça. Têm as populações de acreditar naquilo em que a nossa classe política já não acredita? Porquê, nesse caso, pedir-lhes que reneguem quem construiu piscinas e lhes serviu bifanas – só por causa de umas diligências judiciárias destinadas (segundo a tradição) a permanecer inconclusivas? O mal não está nas votações do “povinho”, mas no colapso do Estado de Direito, e num sistema político incapaz de gerar responsabilidades. É por aí que esta democracia pode resvalar para qualquer coisa de ignóbil e insustentável.

 

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