sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

IMAGEM DE PORTUGAL

Ignorância e desespero

Há algo de equívoco nas afirmações do candidato do PSD-CDS. Foi num governo dele que Saramago se viu impedido de participar num importante prémio europeu, o que atribuiu à «imagem de Portugal» um colete de infâmia, de intolerância e de estupidez.
Segundo parece depreender-se de recentes notícias, o Dr. Cavaco foi a Paris.
Não para visitar a Cinemateca, deslocar-se ao Louvre, adquirir os famosos «Traités Politiques, Esthétiques, Éthiques», de Baltasar Gracián, ou «La Societé Assiégée», de Zygmunt Bauman.
O Dr. Cavaco foi a Paris para prometer, à puridade, «recuperar a imagem de Portugal no estrangeiro».
Quis, assim, de cabeça alta e a costumeira graciosidade espelhada no rosto, criticar a prosápia e a vilania dos governos que o antecederam - os quais teriam, maldosamente, ofuscado essa imagem.
Depois, satisfeitíssimo, tomou o avião e regressou à pátria, por ele considerada «excessivamente deprimida».
Claro que também possui remédio e sólidos métodos para extirpar esta atroz maleita.

Há algo de equívoco nas afirmações do candidato do PSD-CDS.
Foi num governo dele que Saramago se viu impedido de participar num importante prémio europeu, o que atribuiu à «imagem de Portugal» um colete de infâmia, de intolerância e de estupidez. Enorme chinfrim fez a Imprensa lá de fora. Nessa ocasião, como em outras, o Dr. Cavaco, primeiro-ministro, não exautorou nem despediu, como lhe competia, os vigilantes da «cultura» no seu governo: Santana Lopes e Sousa Lara.

O culto da juventude pela juventude atingiu, na década de Cavaco, o requinte de doutrina de governo e de símbolo de «modernidade».
É a época na qual é inculcada a concepção da economia como sagrada força de exemplo.
Por sistema foram ignorados a educação, o desenvolvimento harmonioso, a aplicação dos modos relativos à natureza das técnicas.
A genealogia da amnésia histórica começou a exteriorizar-se, com o apagamento do passado e a remoção daqueles que representavam o espírito do 25 de Abril. Assistiu-se ao agiornamento de abjurados da extrema-esquerda, promovidos a lugares de decisão.
Ressurgiram os velhos mitos patrioteiros e a preponderância do autoritarismo sobre a razão.
Bem entendido: não foi Cavaco Silva o autor da teoria: faltam-lhe leitura e reflexão filosóficas, bases culturais e prospectiva.
Ele foi a causa determinante.

Sabe-se que ciência, arte, literatura, cinema, teatro não se encontram no quadro dos interesses essenciais do Dr. Cavaco. E que as suas famosas confusões culturais, deploráveis num primeiro-ministro tornam-se imperdoáveis num homem que ambiciosa Belém. Mesmo o gosto pelo fado «novo», trovado por Katia Guerreiro, é aquisição recente e, suspeito, passageira.

A «imagem» de Portugal no estrangeiro têm-na dado Alexandre Quintanilha, António Damásio e Paula Rêgo, Saramago, Agustina e Lobo Antunes, Manoel de Oliveira e João César Monteiro, Madredeus e Rodrigo Leão, Cabrita Reis e Julião Sarmento, Joaquim de Almeida e Maria de Medeiros - para só falar de alguns e do nosso tempo actual.
Há muitos mais, que Cavaco sempre desprezou por ignorância e indiferença.

Na inesquecível viagem a Paris, utilizando o patronímico na forma majestática, declarou: «Todos eles atacam o Cavaco porque há falta de argumentos melhores». Entre a urdidura desta frase, trôpega pelo percalço gramatical, a verdade dos factos, e a pompa egocêntrica, compõe-se o retrato de um homem que tem de si próprio a melhor das opiniões. Além de nos reforçar a ideia de que não possui um pingo de humor.

Estamos a grande distância do perfil adequado a um Presidente da República, o qual deve legar-nos uma égide de humanismo, contemporização, ampla curiosidade de interesses, espírito dialogante, aproximação afectiva. Este homem não é só um frigorífico de emoções: desperta muito do que de mais assustador existe, adormecido ou dissimulado, na sociedade portuguesa. Acaso me engane - nesta coluna assinalarei o meu erro de interpretação.
Até lá?


Baptista Bastos

3 Comments:

At 16 de dezembro de 2005 às 14:25, Anonymous Anónimo said...

O Pony Express

Mário Soares gosta de se sentir uma espécie de último Davy Crockett. Isolado, na rua de Los Alamos ao Rato, com um rifle, resistindo, não a mexicanos, mas a uma tribo liderada por Cavaco Silva. Soares quer ser o único herói da esquerda, aquele que ficará na história do século XX e do XXI.
Alegre pode ter sido a voz que levou Soares ao poder partidário. Nunca será a ferida aberta para sempre que foi Zenha. Soares, quando diz que Alegre não tem experiência, esquece-se de dizer que foi ele que, como um eucalipto, secou o PS à sua volta. Só Sampaio escapou a isso, porque veio de uma sementeira diferente. Mas Sampaio não legará o «sampaismo» ao PS. E Soares ainda tem esperança de, a partir de Belém, regar a futura rosa do PS. Soares quer ser, até ao fim, o mensageiro que cavalga o Pony Express da esquerda socialista. Sócrates e os seus sabem que têm de engolir um velho prato comunista, sapo com batatas fritas, por causa da candidatura de Soares. Mesmo que digam o contrário. Mesmo que, empurrados, tenham de surgir na campanha tentando parecer empolgados. Ganhe quem ganhar, o PS vai começar a preparar-se para uma grande mudança nos próximos anos. Descobrir um «pai espiritual» como Soares vai ser o primeiro dos desafios.

 
At 16 de dezembro de 2005 às 14:26, Anonymous Anónimo said...

Não fizeram a vontade a Coelho

O apelo de Jorge Coelho para que os candidatos de esquerda, e sobretudo Manuel Alegre, desistam a favor de Mário Soares caiu em saco roto.
Jorge Coelho é um exímio e letal manobrador de bastidores, mas ainda não dispõe de poder de anular os direitos cívicos dos seus camaradas de partido. Depois de o candidato oficial do PS ter menorizado a candidatura de Manuel Alegre e tentado humilhar o candidato, o apelo de Coelho só teria sentido se a política se reduzisse a um mero intercâmbio de mercearia eleitoral. O criador da máxima «quem se mete com o PS leva» estará incomodado com o facto de muito boa gente à esquerda, e também no seu partido, estar fascinada com a postura algo quixotesca de Manuel Alegre. A irritação de Coelho é também a de Soares: quem se habituou a ter o partido a seus pés e a não ser contrariado, estranha quando os tempos mudam. Alegre não fez a vontade a Coelho nem soçobrou face ao paternalismo perverso de quem o acha confuso e impreparado. Os tempos mudaram e isso só abona em favor do ar que se respira.

 
At 16 de dezembro de 2005 às 14:27, Anonymous Anónimo said...

O Manel e o Mário

Soares táctico, Alegre solto. Soares nos ataques a Cavaco, procurando mobilizar o eleitorado socialista para conseguir uma segunda volta; Alegre explorando o argumento da renovação, explicação possível da sua candidatura.
Entre os alegres 81 anos de um e os «jubilosos» 70 do outro há entre estes dois homens algo de muito forte: 30 anos de cumplicidade que a divergência de hoje não consegue apagar. E no reencontro voltou a conivência, na aparente secura do primeiro aperto de mão: «Olá Manel» ;»Mário». Como sempre foi. Claro que não faltaram farpas cruzadas entre quem persegue um mesmo objectivo. Soares quis ser professoral na tentativa de diminuir o adversário: a experiência contra «um salto no desconhecido». Alegre contrapôs com uma verdade irrefutável: não existindo cargos vitalícios, há que dar oportunidade a novas experiências. Sobre o que realmente conta, desde a justiça que (não) temos, à luta contra o terrorismo que não queremos, ambos mostraram um acentuada vacuidade. Ou apenas falta de vontade em mergulhar seriamente nas respostas que o presente e o futuro exigem. No final, persiste a pergunta: por que é que um deles não desiste? É claro que não é possível. Apagava-se a única razão de uma divergência

 

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