quarta-feira, 29 de março de 2006

QUANTAS MEDIDAS? [parte II]

O SIMPLEX merece uma crítica mais séria do que as gracinhas do Ribeiro e Castro ou com maior responsabilidade e consistência do que a eterna acusação de propaganda feita pelo PSD. É evidente que a escolha da designação simplex tem o seu quê de idiota, vem na linha do ‘boé’ e lembra algumas marcas como a Durex ou a Klineex, para além de ser o nome do vírus do herpes, mas as graças ficam para outro post, por agora importa tecer alguns comentários que resultam de uma primeira leitura:


É POSITIVO

É positivo que um governo faça um levantamento do que está quase feito, do que está a ser feito, do que se prevê fazer e do que se acha que deve ser feito, significa que há uma preocupação com o desenvolvimento dos projectos. É igualmente positivo que um governo tenha a simplificação e a eliminação da burocracia como objectivo e que acarinhe todos os projectos que apontem nesse sentido ou que determine que sejam considerados novos objectivos.

É OPORTUNISMO

Um governo pegar em projectos que estão a ser desenvolvidos há anos e apresentá-los como ideia e obra sua, e isso sucede com algumas das medidas anunciadas, incluindo nas trinta que foram consideradas.

Exemplo:

M131: DESMATERIALIZAÇÃO DO PROCESSO DE EXPORTAÇÃO

Simplificar o processo de exportação com eliminação dos procedimentos manuais, substituindo a declaração em papel por uma declaração electrónica e eliminando as entregas sistemáticas de documentos anexos.

Este projecto tem anos, desde que foi iniciado Portugal teve vários governos e agora que se encontra em fase de testes é transformada em obra de José Sócrates. Incluir medidas nesta fase de desenvolvimento é a mesma coisa que o governo anunciar que vai construir a Ponte Vasco da Gama só porque tenciona adjudicar um acesso ao Parque das Nações.

É DEMAGÓGICO

São muitas as medidas que não têm qualquer relação com simplificação administrativa ou redução da burocracia. Confundir declarações de princípios ou objectivos políticos com medidas é um truque que apenas serviu para impressionar os ignorantes com um programa tão extenso. É evidente que a mensagem passa junto de quem desconhece estas coisas, muito embora esta opção não abone em favor da honestidade intelectual de quem a adopta

Exemplo:

M231 - CONCILIAR O EQUILÍBRIO ECOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DAS POPULAÇÕES NAS ÁREAS DE REN

Facilitar acções e actividades essenciais ao desenvolvimento das populações residentes em áreas de Reserva Ecológica Nacional, designadamente a construção de instalações de apoio às explorações agrícolas e de turismo rural, com salvaguarda dos valores ecológicos protegidos.

Se isto é uma medida o que não uma medida? Nesta medida não há nada que simplifique o que quer que seja, e se considerarmos os projectos similares desenvolvidos pela Administração Central, pelas Autarquias e até pelos privados o programa teria milhares de medidas.

É PROVINCIANISMO

Transformar cada formulário que é convertido num formato electrónico numa medida de simplificação, talvez fosse uma medida há vinte anos atrás, agora não passa de um acto corrente, é um processo natural à medida que os meios tecnológicos evoluem. Se recuarmos na história nunca vimos um governo anunciar a criação de formulários em papel nos tempos em que se generalizaram as tipografias, ou, mais recentemente, ninguém se lembrou de transformar em medida a adopção das fotocópias para a emissão das muitas certidões que passaram a usar este suporte

Exemplo:

M260 – Criar formulários electrónicos para o pedido de autorização de criação de Estabelecimentos de Ensino Particular ou Cooperativo, dispensando o requerente de se dirigir aos serviços e disponibilizando informação estruturada e de acesso mais facilitado através da Internet.

Há assim tantos milhares de estabelecimentos particulares a serem criados para que a mera criação de um formulário seja um progresso digno de apresentação por um primeiro-ministro?

É CONFUSO

A excitação criada em torno da multiplicação das medidas, o que terá levados muitos dirigentes a não querer ficar sem a sua medalha, multiplicou as medidas.

Exemplo

M265 - Simplificar o processo de equiparação a bolseiro e concessão de licença sabática, desmaterializando a emissão interna de pareceres, disponibilizando informação estruturada e de acesso mais facilitado através da Internet e implementando o e-mail directo.

Alguém devia explicar onde está a simplificação, o que se entende por informação estruturada’ ou que inovação é essa do ‘e-mail directo’. Trocado por miúdos, isto não é nada.

É CRIATIVO

Algumas medidas mais do que uma simplificação não passam de momentos de criatividade dos seus autores.

Exemplo:

M246 – Criar espaços de trabalho electrónico para grupos específicos de interesses nomeadamente para as comissões de acompanhamento de fluxos específicos de resíduos.

Alguém deveria explicar se a concretização desta medida passa pela adopção da vídeo-conferência ou se, muito simplesmente, vai ser usada a possibilidade de conversação simultânea oferecida pela generalidade dos telemóveis.

É MILAGROSO

Muitas das medidas não passam de actos de gestão corrente ou de produção legislativa usual, basta ler os regulamentos comunitários relativos à PAC para se perceber que organismos como o ING têm que adoptar milhares de normas que mais do que de simplificação administrativa são medidas de aplicação administrativa.

Exemplo:

M269 – Criar um quadro legal comum em matéria de pagamentos complementares dos sectores das carnes de bovino, ovino e caprino.

Medidas como estas são adoptadas aos milhares e muito mal estaria o país se fosse necessário o Simplex para as adoptar.

É PLÁGIO

É positivo que se copiem as experiências alheias mas se forem apresentadas com pompa e circunstância então convém lembrar que algumas não passam de cópias alheias

Exemplo:

M241 – Criar um Portal da Habitação que garanta o acesso dos cidadãos à informação relevante em matéria de parque habitacional público e privado.

Um portal com estas características foi lançado há cerca de um mês na vizinha Espanha.

É OFENSIVO

Dizer que se coloca na Internet uma determinada informação e acrescentar como medida que se vai possibilitar a cidadãos não residentes em Portugal o acesso a essa informação é ofender a inteligência de quem lê o programa, a não ser que Sócrates ache que cada país tem a sua rede Internet.

Exemplo:

M328 - Disponibilizar, via Internet, informações e serviços, que permitam ao cidadão português residente no estrangeiro requerer diligências e interagir com os serviços da Administração Pública, sem ter de se deslocar a Portugal ou a um posto consular.

Quem lê esta medida fica a pensar, por exemplo, que para se entregar a declaração de rendimenstos do IRS por via electrónica tem que se vir a Portugal.



CONCLUSÃO FINAL

1. Se no programa fossem eliminadas as medidas que não o são, não se teria atingido as 333, da mesma forma que não foram atingidas as 400 prometidas, mas o programa seria mais sério. Da mesma forma se não houvesse a preocupação do espectáculo e se tivesse exigido maior consistência às propostas feitas pelos serviços ter-se-ia evitado o excesso de poluição provocado pelas propostas feitas por dirigentes bajuladores que tiveram que inventar medidas para dizerem que também são capazes.

2. Sócrates optou por se parecer a Santana Lopes e apostar mais na imagem do que na consistência, e da mesma forma que Santana Lopes andava bater recordes de comensais em jantares da campanha eleitoral, Sócrates entregou-se a um fetiche numérico e apresenta pacotes que mais do que consistência política traduzem uma vocação para a aritmética criativa.

3. É estranho que a par daquilo que se pretende fazer crer que é um mega programa não se avance com qualquer medida de gestão, com projectos de investimento ou qualquer outra medida que vise dotar o Estado com capacidades adicionais no domínio da modernização. Parece um milagre que Sócrates consiga tudo isto de forma quase milagrosa.

4. Esperemos que um dia destes Sócrates não nos venha dizer que o facto de ter um curso de engenharia o ajudou a inventar a Internet em Portugal.

JUM

7 Comments:

At 29 de março de 2006 às 15:41, Anonymous Anónimo said...

Portugal sempre foi um refém feliz da burocracia. Passa horas em filas para conseguir ser atendido por um serviço que lhe assina um papel que lhe permite ir para outra fila. Se fosse bom em contas, o país somaria as horas que por ano passa desnecessariamente num labirinto habitado por um Minotauro chamado Estado.
E perceberia que perde milhares de horas de trabalho de múltiplos cidadãos que são atirados para esse universo de equívocos que são os serviços estatais. Sócrates, nesse aspecto, ficará na história. Como Sócrates, o simplista. Pode não ter feito muitas coisas além de ter embrulhado muito bem modernidades ocas, mas a sua bandeira central, a simplicidade de processos, ficará na história. A menos que não vingue. Será o ovo de Colombo da simplificação o que vai marcar os anos que Sócrates passará à frente do Governo. No futuro, ninguém se lembrará, como na fábula chinesa, se foi o filósofo que sonhou ser uma borboleta ou se, quando acordou, pensou que era uma borboleta que tinha sonhado ser filósofa. Sócrates poderá ter sonhado com a simplificação, mas não se sabe se esta não será o pesadelo do chefe do Executivo. Mas isso pouco contará no futuro. O poder tem de criar ilusões. E Sócrates criou uma: que é possível desburocratizar em Portugal.

 
At 29 de março de 2006 às 16:02, Anonymous Anónimo said...

O Governo decidiu avançar com a co-incineração dos “resíduos burocráticos perigosos” e já tomou as primeiras medidas nesse sentido: publicou 333 disposições para acabar com as “práticas administrativas inúteis”.

Até ao final do ano, os cidadãos terão ao seu dispor o novo produto Simplex. A sigla não é lá muito original. Uma busca na ‘net’ pela expressão Simplex, apenas em língua portuguesa, dá 159.000 páginas, com conteúdos que vão desde filtros para refrigeração a uma modalidade de herpes, de um parasita gastrointestinal a um método de fundição de ligas metálicas, passando por um algoritmo para programação linear. Enfim, há um mundo de ‘simplexes’. Mas o Simplex do Governo, o 2006, é único e quer dizer Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa. Simples. Ou melhor, Simplex.

Com Simplex a “visão distante, arrogante e prepotente” da Administração será substituída por números de telefone gratuitos, acessos no telemóvel, endereços na ‘net’ ou caixas automáticas, tudo com atendimento personalizado. Vão passar à história as filas de espera, a papelada e as expressões carrancudas de funcionários com mais que fazer que aturar utentes, contribuintes ou pacientes.

Claro que tudo isto é tão bem intencionado como todos os programas de anteriores governos para acabar com a burocracia, que não acabaram com coisa alguma. O que não quer dizer que não seja desta. Até porque algumas medidas são de fácil e rápida aplicação e de efeitos imediatos e garantidos. Levantam-se, porém, duas ordens de questões. Primeiro, o País deveria ser só um e o Simplex, se conjugado com o encerramento de escolas, hospitais, maternidades, repartições no interior, ameaça aprofundar o Portugal desertificado. E, em segundo lugar, se o Governo quer mesmo acabar de vez com a burocracia já terá pensado o que vai fazer dos burocratas?

 
At 29 de março de 2006 às 16:07, Anonymous Anónimo said...

O nascimento de uma nova figura.
O Legislador (ostensivamente) panfletário:

Com as novas regras contidas neste decreto-lei, bastarão dois registos na conservatória e duas publicações num sítio na Internet, a efectuar por via electrónica, para concretizar uma fusão ou cisão. Antes do XVII Governo Constitucional começar a actuar neste domínio, eram necessários três actos de registo nas conservatórias, quatro publicações em papel na 3.a série do Diário da República, uma escritura pública a celebrar no notário e duas publicações em jornais locais para efectuar uma fusão ou cisão."

in Exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março.

 
At 29 de março de 2006 às 16:10, Anonymous Anónimo said...

A isto tudo (simplex) eu chamaria: "pôr o carro à frente dos bois".
Só para ver se nos entendemos: que impacto vão ter estas medidas, na resolução dos problemas concretos, económicos ou outros, que afectam os cidadãos e os impedem de ser "úteis e produtivos"? ZERO!
Sei duma reclamação (de vigarice praticada pelo fisco na avaliação duma casa) que me passou debaixo do nariz (ver em: http://sociocracia.blogspot.com/2005/06/como-o-estado-vigariza-os-cidados.html), feita há mais de nove meses, que continua sem resposta, sem resolução. Sei doutros casos parecidos, nomeadamente uma reclamação para a Segurança Social, que foi respondida falaciosamente, de forma cretina mesmo, mas omitindo todas as informações solicitadas, nomeadamente a de como fazer pagamentos através do multibanco... Foi necessário recorrer a toda a nossa criatividade, engenho, arte e capacidade de dedução, para além de algumas tentativas falhadas para descobrir como se faz... Sei de milhares doutros casos...
O que eu quero dizer é que, se o governo e restantes instituições dessem ouvidos aos cidadãos e resolvessem, BEM, os problemas reais, concretos, não só estas medidas já teriam sido implementadas há muito, como se tornariam "produtivas" e galvanizadoras das vontades, capazes de recuperar a esperança e a confiança dos cidadãos.
RESOLVAM OS PROBLEMAS CONCRETOS! É aí que está a chave para "vencer a crise"! Isto são tudo falácias, publicidade enganosa!

Na prática sabem o que vai acontecer? Na maioria dos casos as medidas vão ser boicotadas, nunca serão aplicadas e noutros casos até serão utilizadas como desculpa para não resolver os problemas pendentes... Só se aplicam "medidas" mal e ao contrário, como é costume!
Esta gente não tem emenda, nem recuperação possível. São parte do problema e não da solução!
Mas pronto! Eles dizem umas cretinices, no plano do teórico, e toda a gente vai atrás, "avaliar" se "a teoria" já mil vezes enunciada, está certa ou é "positiva" nas intenções!
Vão-se catar! de Boas intenções está o inferno cheio (e nós também); o que falta são "boas acções", dignas, concretas, civilizadas, honestas...

 
At 29 de março de 2006 às 16:19, Anonymous Anónimo said...

ESTE BANCO NÃO TEM NO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO PRESIDIDO PELO GRANDE AMIGO DO SÓCRATES ARMANDO VARA?

"Os Vampiros"

A Caixa Geral de Depósitos (CGD) está a enviar aos seus clientes mais modestos uma circular que deveria fazer corar de vergonha os
administradores - principescamente pagos - daquela instituição bancária.

A carta da CGD começa, como mandam as boas regras de marketing, por
reafirmar o empenho do Banco em «oferecer aos seus clientes as melhores condições de preço/qualidade em toda a gama de prestação de serviços»,
incluindo no que respeita «a despesas de manutenção nas contas à ordem».

As palavras de circunstância não chegam sequer a suscitar qualquer tipo de ilusões, dado que após novo parágrafo sobre «racionalização e
eficiência da gestão de contas», o «estimado/a cliente» é confrontado com a informação de que, para «continuar a usufruir da isenção da comissão de despesas de manutenção», terá de ter em cada trimestre um «saldo médio superior a EUR 1000, ter crédito de vencimento ou ter aplicações financeiras» associadas à respectiva conta.

Ora sucede que muitas contas da CGD, designadamente de pensionistas e reformados, são abertas por imposição legal. É o caso de um reformado por invalidez e quase septuagenário, que sobrevive com uma pensão de EUR
343,45 - que para ter direito ao piedoso subsídio de EUR 3,57 (três
euros e cinquenta e sete cêntimos!) foi forçado a abrir conta na CGD por determinação expressa da Segurança Social.

Como se compreende, casos como este - e muitos são os portugueses que vivem abaixo ou no limiar da pobreza - não podem, de todo, preencher os requisitos impostos pela CGD e tão pouco dar-se ao luxo de pagar «despesas de manutenção» de uma conta que foram constrangidos a abrir para acolher a sua miséria.

O mais escandaloso é que seja justamente uma instituição bancária que ano após ano apresenta lucros fabulosos e que aposenta os seus administradores, mesmo quando efémeros, com «obscenas» pensões (para
citar Bagão Félix), a vir exigir a quem mal consegue sobreviver que
contribua para engordar os seus lautos proventos. É sem dúvida uma
sordície vergonhosa,como lhe chama o nosso leitor, mas as palavras sabem a pouco quando se trata de denunciar tamanha indignidade.

Esta é a face brutal do capitalismo selvagem que nos servem sob a capa da democracia, em que até a esmola paga taxa.

Sem respeito pela dignidade humana e sem qualquer resquício de decência, com o único objectivo de acumular mais e mais lucros, eis os
administradores de sucesso a quem se aplicam como uma luva as palavras sempre actuais dos «Vampiros» de Zeca Afonso: «Eles comem tudo/ eles
comem tudo/ eles comem tudo e não deixam nada.»

 
At 29 de março de 2006 às 17:04, Anonymous Anónimo said...

Ontem perguntava-se aqui se os cérebros do "Simplex" estariam mesmo certos do país em que vivem. No suplemento de "economia" do Diário de Notícias vem a resposta. A iliteracia funcional, o envelhecimento e o baixo poder de compra são as principais ameaças ao sucesso do programa.
Perto de 900 mil portugueses continuam analfabetos simples e a taxa de analfabetismo funcional atinge cerca 44% da população, o que dá a ideia do à vontade com que estas pessoas lêem e preenchem formulários, quanto mais em versão electrónica.
Depois, cerca de 16% da população residente tem mais de 65 anos de idade, poder de compra diminuto e, logicamente, uma indiferença quase bestial à internet e aos computadores, cuja "linguagem" lhe é absolutamente desconhecida. Finalmente, até a percentagem de utilizadores pessoais de computadores com ligação à "net" a partir de casa é apenas da ordem dos 16% - basta atentar nos preços praticados para o acesso à famosa "banda larga" - apesar de 34% possuírem computador, segundo dados do Eurostat para 2004.
Vale a pena dizer mais alguma coisa?

 
At 4 de abril de 2006 às 23:33, Anonymous Anónimo said...

A medida mais correcta, pratica e economicamente mais certa seria os nossos governantes e gestores pubicos irem para o estrangeiro, visto que cada vez mais afundam o nosso rico pais, e entregar o reino a castela que ja provaram serem melhores gestores.

 

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