sexta-feira, 28 de abril de 2006

"UM PAÍS DE BANANAS, GOVERNADO POR SACANAS"

QUEM PAGA A CRISE?


No fim de um ano de aumento de impostos, de excepcional recolha fiscal e do arranque de várias medidas de contenção, o Governo conseguiu ter um défice superior ao previsto no último orçamento de Santana Lopes / Bagão Félix, descontadas as receitas extraordinárias. Nunca saberemos se o previsto se iria realizar, como nunca saberemos se os 6,8% calculados pelo Banco de Portugal não seriam contrariados por medidas do Governo. O que sabemos é que os resultados são maus. Os relatórios da última semana da OCDE e do BM apenas acentuaram a impressão de que nada vai bem, e as medidas do Governo só tocam na superfície dos problemas, na “epiderme” como diz Medina Carreira. Tudo isto num contexto excepcional quanto às condições políticas, com um governo de maioria absoluta e com uma oposição muito fragilizada, e com considerável apoio da opinião pública.

Torna-se evidente que os dilemas que já existiam em 2005 estão hoje mais acentuados e a margem de manobra, com a passagem do tempo, é já bastante menor. Vamos pois a caminho de tempos muito difíceis, agravados pela conjuntura internacional, mas não explicáveis nem exclusiva, nem principalmente por ela. Agora que realmente tudo vai começar a apertar, e já sem a sombra nem a desculpa legitimadora do governo Santana Lopes, as opções erradas de Sócrates, do Governo e do PS começam a perceber-se com maior clareza. Deixo de lado, que havia uma maneira alternativa de actuar, uma política genuinamente liberal, que no entanto não corresponde às opções políticas e ideológicas do Governo socialista.

Como nas histórias infantis, tudo começou no princípio, “naquele tempo”.
No balanço da actuação de Sócrates esquece-se várias coisas: uma é que o discurso com que o PS ganhou as eleições não era um discurso de crise, bem pelo contrário, era o da sua negação. Não se chegava ao ponto de anunciar a “retoma”, mas o discurso socialista era o de que havia “vida para lá do défice”. É uma história da carochinha da propaganda acreditar que Sócrates só se apercebeu da situação real depois do relatório Constâncio, porque tal era impossível.

É verdade que Sócrates corrigiu o discurso logo que ganhou as eleições e fez bem, mas uma coisa é corrigir um erro outra é compreender totalmente a necessidade de uma viragem de fundo. Depois de um ano a ser saudado com justiça pela sua coragem nas medidas difíceis, pouca gente se apercebeu que os problemas de fundo do nosso desequilíbrio financeiro se mantêm, em particular com o estado a gastar sempre mais e a “comer” não só o que tinha, mas também o que estava a entrar de novo. Apresentar como resultado um défice maior do que o governo anterior não tem volta que se lhe dê – é andar para trás.

Porque é que é hoje mais difícil passar de 6% para 4,8% do que seria um ano antes?

Primeiro, porque é (foi) um erro gravíssimo, ter cedido ao populismo no pior momento para o fazer. O Governo podia muito bem ter pedido todos os sacrifícios e ter anunciado todas as medidas difíceis com um único argumento: eram necessárias para o país, eram uma questão de “salvação nacional”. Ponto final.
Mas o Governo cedeu à tentação de dizer que o que estava a fazer era uma luta contra os “privilégios “ de muitas classes profissionais e com isso deslegitimou-os na sua respeitabilidade social.

Hoje sabemos o efeito dessa táctica comunicacional: deixou cada grupo profissional de per si, socialmente isolado, face a uma opinião pública hostil, mas azedou irremediavelmente o ambiente dentro de cada corporação e grupo entrincheirados contra o Governo.
Fez as corporações e os grupos profissionais fracos por fora e fortes por dentro. Uma segunda vaga ainda mais dura de medidas de austeridade e contenção vai dar origem a conflitos sociais mais tenazes.
Os comportamentos desesperados vão ser mais comuns, a resistência maior.

Isto significa que muito do tempo psicológico para uma política de efectiva dificuldade, já se perdeu, no exacto momento em que é preciso ir muito mais longe e começar a perceber quem ganha e quem perde com a crise que atravessamos e o modo como o governo a defronta.

Segundo, porque o Governo apenas esboçou as políticas necessárias, excluindo muitas medidas que lhe foram sugeridas e que melhor traduziam a gravidade da situação. Claro que o problema é também político-ideológico, em particular na intocabilidade do “estado social” universal, em que nunca ousou mexer, apesar de ser um caminho que garantia melhor justiça social.
Sócrates diminuiu regalias sociais, mas manteve esquemas de universalidade, em particular na segurança social e no sistema de saúde, o que torna muitas medidas mais duras para os mais pobres e irrelevantes para os mais ricos.

Na verdade, as medidas de Sócrates acabam por atingir essencialmente os sectores mais desfavorecidos da sociedade, mais dependentes da inflação, do aumento das taxas de juro, dos despedimentos, da erosão das reformas e menos a classe média. Dos ricos nem falo, porque esses podem sempre bem com as crises.
O que o discurso de Cavaco Silva no 25 de Abril traz de novo para a análise desta questão é chamar a atenção para que, se nada mais se fizer, a crise será “paga” pelos mais pobres e agravará a exclusão.
A ênfase que “surpreendeu” muita gente, só é surpresa porque se tem ignorado que essas dificuldades não são igualmente distribuídas e que o “pagamento da crise”, deixando-se estar as coisas como estão, irá para baixo e não para o meio. Insisto que, em cima, nada verdadeiramente conta no plano “social”.

A classe média, até agora só tem sido tocada ao de leve.
Os padrões de consumo não revelam significativas restrições nos hábitos típicos desse sector social (férias, viagens nas “pontes”, por exemplo) e, no essencial, o efeito da crise tem sido superficial, em detrimento das muito maiores dificuldades escondidas e que raras vezes chegam à comunicação social, no baixo funcionalismo, no mundo do trabalho industrial, nos jovens com trabalho precário, na pequena burguesia urbana dos serviços, muito endividada.
O agravamento da crise aprofundará este fosso de degradação de qualidade de vida.

O problema da justiça social nesta crise não está apenas, bem longe disso, na assistência aos casos extremos de miséria e exclusão, aos marginais e aos velhos desprotegidos, que já era exigida pela nossa pobreza há muito tempo. A questão está em se compreender que esta forma de atacar a crise atirará com os seus custos para os grupos sociais que menos defesa têm e, como o que aconteceu até agora é apenas um ligeiro assomar de dificuldades que aí vêm, convém prevenir não contra a austeridade, nem o contra o combate ao descalabro financeiro, mas contra um injusto “pagamento da crise”. E não é o PCP quem o diz.


José Pacheco Pereira

3 Comments:

At 28 de abril de 2006 às 14:13, Anonymous Anónimo said...

O que será uma política genuinamente liberal?
O senhor Constâncio tem é andado a brincar com PSD e PS, para não dizer outra coisa.
O discurso com que Sócrates ganhou as eleições foi o de prometer não subir impostos e aumentar emprego, o contrário do que tem feito!
E finalmente: quem nos lerá, se escrevermos demais?

JMM

 
At 30 de abril de 2006 às 00:49, Anonymous Anónimo said...

Rapazida pintem o nome do Dr. Bagão Félix de Amaralo e Azul, tá bem...

 
At 4 de maio de 2006 às 15:47, Anonymous Anónimo said...

1 – “ ... as medidas do Governo só tocam na superfície dos problemas...”

Comentário: sem dúvida, apesar de em dois ou três aspectos, p.e., venda de medicamentos fora das farmácias, redução das férias dos juízes e fixação de reformas máximas ter ido um pouco mais longe...

2 – “... com considerável apoio da opinião pública.”

Comentário: isto não é verdade. É mesmo espantoso fazer-se uma afirmação destas. Porque, já há cerca de 10 anos que neste País (veja-se um estudo apresentado ontem nas Televisões sobre a marca “Portugal”: a maioria dos portugueses não se identifica com este Portugal, quer dizer, com a governação que tem vindo a ser seguida) os sucessivos governos têm sido eleitos como males menores, ou melhor: a alternância PS-PSD está completamente esgotada, a grande maioria dos portugueses não acreditando nos dirigentes e representantes desses partidos que até já se fazem eleger com mentiras grosseiras, e, por pessoas que têm medo de, caso não votem neles, acontecer alguma desgraça ainda maior.

3 – “ Vamos pois a caminho de tempos muito difíceis, agravados pela conjuntura internacional...”

Comentário: realmente o mundo em geral não irá bem, sendo disso culpados todos os que querem dominar e explorar mundialmente, com a agravante da acumulação nuclear, nomeadamente a militar que, efectivamente, até agora foram os EUA os únicos a utilizar. E chega!

4 – “Deixo de lado, que havia uma maneira alternativa de actuar, uma política genuinamente liberal, que no entanto não corresponde às opções políticas e ideológicas do Governo socilalista”.

Comentário: se este P. Pereira é mesmo o do PSD e do Abrupto, também esta afirmação é muito estranha, pois, que saibamos, PSD ainda significa partido social democrata! É todavia claro que o “partido” liberal de Pedro IV era mais justo e evoluído que o “partido” absolutista de Miguel!

JMM

 

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