segunda-feira, 11 de setembro de 2006

11 DE SETEMBRO DE 1973


Salvador Allende Gossens (Valparaíso, 26 de junho de 1908Santiago do Chile, 11 de Setembro de 1973) foi um médico, político e estadista chileno. Foi o primeiro marxista eleito democraticamente presidente da república na América Latina.

Filho do advogado e notário Salvador Allende Castro e de Laura Gossens Uribe, Allende casou-se em 1940 com Hortensia Bussi Soto, com quem teve filhas: Paz, Isabel e Beatriz.

Começa a carreira política como deputado em 1937 e ocupa o Ministério da Saúde de 1939 a 1942. Foi senador em 1952 pelo Partido Socialista do Chile.

Concorre à Presidência da República em 1952 e em 1958.
Em
1964, é novamente derrotado nas eleições à Presidência da República.

Nas eleições presidenciais de 1970 concorre como candidato da coligação de esquerda Unidade Popular (UP). Embora sem maioria absoluta, conquista o primeiro lugar com 36,2% dos votos e tem seu nome confirmado pelo Congresso.
Allende assume a presidência e tenta socializar a economia chilena, com base num projecto de
reforma agrária e nacionalização das indústrias.

Em setembro de 1973, com ostensivo apoio dos Estados Unidos, as Forças Armadas dão um sangrento golpe de Estado que derruba o governo da UP. Allende suicida-se no Palácio de La Moneda, cercado por tropas do Exército de Augusto Pinochet .





8 Comments:

At 11 de setembro de 2006 às 14:06, Anonymous Anónimo said...

MADRIGAL A CIBDA DE SANTIAGO
Chove en Santiago
meu doce amor.
Camelia branca do ar
brila entebrecida ô sol.

Chove en Santiago
na noite escrura.
Herbas de prata e de sono
cobren a valeira lúa.

Olla a choiva pola rúa,
laio de pedra e cristal.
Olla o vento esvaído
soma e cinza do teu mar.

Soma e cinza do teu mar
Santiago, lonxe do sol.
Agoa da mañán anterga
trema no meu corazón.

Federico García Lorca

 
At 11 de setembro de 2006 às 14:08, Anonymous Anónimo said...

Chove sobre Santiago (Il Pleut sur Santiago).
Direção de Helvio Soto, 1975, França/Bulgária, 110 min.
Recriação de episódios ocorridos no Chile, em 1973, quando os militares derrubaram e assassinaram o presidente Salvador Allende, instalando a ditadura do General Augusto Pinochet.
O director, à época exilado, rodou o filme na Bulgária.

 
At 12 de setembro de 2006 às 09:54, Anonymous Anónimo said...

Aparte o horror que foi reconhecer aquele trágico incidente na história da Humanidade - com tantas vidas perdidas de forma gratuita, pergunto-me como estaria hoje o Mundo em termos de Segurança vs Liberdade caso G.W.Bush não fose o atrasado mental que é, o aparelho político que o segue não fosse como é, e, por um conjunto de casos e acasos da própria História, como estaríamos todos hoje: com mais ou menos segurança?
Com mais ou menos índices de modernização, estabilidade social e desenvolvimento humano..
Responder a isto é tão complexo quanto contigente, é mesmo fazer retro-história, e isso comporta erros e desvios que jamais nos dariam de all picture.
O que é facto é que aquela fantasia trágica dos fundamentalistas islâmicos foi eficaz, realizou-se - ante os olhos atordoados do mundo e a impotência da América - que nada pôde fazer.
Nesse sentido, avulta a impotência da superpotência restante da Guerra Fria.
Mas as imagens daquele horror ficaram gravadas a lazer na minha memória, e são hoje mais memorizáveis do que os takes gravados nos filmes de ficção.
Só que aqui os há uma atenuante: actores não morrem...
Parece até que a exibição daquela violência é tanto mais intensa do que uma confrontação nuclear entre os EUA ex-URSS ao tempo da Guerra Fria e do muro de Berlim cujos sinais e resquícios o PCP de Jerónimo ainda hoje nos recorda - a avaliar pelos métodos canalhas, centralistas e moscovitas - que utilizou para afastar compulsivamente um seu autarca de Setúbal sob a impotência do PS e do PSD - partidos que pouco ou nada (quiseram) fazer para mudar as moscas, quiça porque sabam que eles próprios serão as próximas moscas.
Também aqui a oposição andou mal, parece até ter estado à altura do PCP pouco ou nada distinguindo-se dele.
Mas o 11 de Setembro é dramático - pelas vidas de pessoas inocentes, milhares delas, mas também pelo espectáculo da violência que já não nos empurra para os sujeitos que foram objecto daquela violência medonha.
O ataque bárbaro ao WTC representou esse deslizamento das representações da violência que ultrapassa em muito a ordem da própria ficção, inaugurando uma espécie de metamorfose subterrânea dos comportamentos colectivos gerando em nós, todos nós - que temos consciência e memória - uma grande imagem com efeito permanente que nos revela essa clivagem entre a realidade e a representação.
Será isto suficiente para gerar na humanidade um novo imaginário da violência?
Cremos que sim, dado que depois do 11 de Setembro todos nós conseguimos cruzar essas linhas, associar esses níveis possíveis de violência.
Hoje já nada é impossível.
Nenhuma operação terrorista é não-factível.
Tudo, portanto, é operacional, concretizável e com pequenos meios e baixos custos, basta determinação e algum trabalho de rede dentro do Rizoma.
Em seguida até ficamos livres para afirmar que a arte do cinema é um anão diante tanta barbárie.
Creio mesmo que no plano mental, epistemológico, civilizacional os ataques de 11 de Setembro - pela espectacularidade e grandiosidade - operaram mudanças profundas na nossa cosmovisão e na natureza de compreensão com que, doravante, passamos a percepcionar os fenómenos sociais e políticos na contemporaneidade.
O 11 de Setembro, pela sua natureza, dimensão e efeitos não cabe em nenhum Manual de Instrução para Crimes Vulgares, antes ele alimenta a nossa imaginação de que toda e qualquer violência pode ser ao mesmo tempo pensada e executada, quase em tempo real. Por conseguinte, a violência deixou de estar apenas associada aos indivíduos violentos, ela é hoje um mal comum da humanidade com que temos de lidar: diáriamente, de hora a hora, de minuto a minuto, se estivermos a embarcar num aeroprto será de segundo a segundo.
Por mim falo...
Isto é no plano da psicologia colectiva, e na esfera política? Vejamos, sumariamente, alguns factos:
1. Os EUA ainda são governados por um mentecapto
2. a Liberdade recuou ante o avanço progressivo da insegurança e da instabilidade
3. O Iraque continua a explodir, com norte-americanos e indígenas lá dentro
4. O Irão emerge como uma super-potência regional querendo assumir o papel de Estado-director na área.
5. Os pesadelos da Humanidade devem ter-se multiplicado, sobretudo por parte dos familiares daqueles que perderam a vida bárbaramente e alguns até mostaram a sua bravura no vôo93
6. A polarização do capitalismo mundial em lugar de criar pontes entre os povos gera ainda mais desigualdades que separa e contrapõe o Norte do Sul, o Ocidente do Oriente do Mundo
7. A hegemonia (unilateral) norte-americana sobre o mercado global e nos planos financeiro, político e cultural, tecnológico e informativo e até institucional gera um efeito múltiplo de ressentimento ainda maior no Oriente, logo o terrorismo está para durar
8. O american way of life pode estar a provovar danos nos projectos societários dos países do Velho Continente
9. A não resolução de problemas da Palestina vs Israel são absolutamente cruciais para essa distenção, mas os EUA aqui comportam-se como aquele elefante dentro duma loja de porcelanas, em vez de equilibrar mais o prato da balança para o lado palestiniano que tem todo o direiro a instituir o seu Estado na Palestina - região do mundo para onde confluem as três religiões monoteísta do livro - comporta-se como a avestruz diante do leão
10. Depois, a tradicional arrogância da Ilha-Continente ou da República Imperial com um dia Raymond Aron lhe chamou, uma arrogância e soberba assente na ignorância e na soberba acicatada pela sua fatal teimosia e mania de superioridade sobre as outras civilizações, sobretudo islâmicas - é o molotov no bolo criando um caldo de explosividade ainda maior.
Estes são, sem carácter exaustivo, alguns dos dramas actuais que em vez de distenderem o clima de paz e guerra entre as nações, só conduz os espíritos à intensificação da sua criminalização - em que hoje todos os projectos sociais alternativos podem estar à mercê de um ataque ou missão suícida.
E é contra este risco, esta imprevisibilidade que entendo que o Ocidente - independentemente da vontade, meios e visão dos EUA - deverão ter uma palavra a dizer. Até porque, será bom não esquecer, a América foi uma filha do Velho Continente que cresceu muito depressa, e isso, tal como nas pessoas, é mau. Faz até lembrar aqueles crianças que têm a cabeça tão grande que depois não conseguem andar...
Duas notas finais:
Este texto é dedicado à memória daqueles homens e mulheres que perderam a vida naqueles ataques bárbaros - bem como aos seus familiares que guardam essa dôr de forma mais intensa.
A questão para o anão político que é G.W.Bush é a seguinte: o que pensa que sucederá aos movimentos progressistas e radicais do Terceiro Mundo que hoje se manifestam cada vez mais impacientes, e que de Porto Alegre a Kabul, desenhando um arco terrível, parece já emergir uma solidariedade Afro-Asiatico-Latino/Americana contra os EUA e a Europa por tabela - que vai a reboque...por não dispôr dumas forças armadas verdadeiramente alternativas e credíveis ao Tio Sam. E dentro deste cenário - o que é que o sr. Bush pensará, se é que ele pensa algo, das próprias forças progressistas árabes e muçulmanas - que são, na prática, as primeiras vítimas dos islamitas mais fundamentalistas...

 
At 12 de setembro de 2006 às 10:12, Anonymous Anónimo said...

Quantos Chilenos morreram à mão de um poder criminoso?
Foram muito mais dos que morreram à cinco anos no ataque terrorrista de N.Y.
A diferença é que no Chile os americanos foram os impulsionadores e executantes dos golpe, em N.Y foram vítimas dos seus próprios apoios.

 
At 12 de setembro de 2006 às 10:23, Anonymous Anónimo said...

O Praça do Chile
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Há um quarto de século, o general Augusto Pinochet tomava o poder em Santiago. Vários milhares de mortos e vivos. Depois, o chefe da quartelada torna-se senador vitalício. O Chile divide-se.
Eis uma versão do que se passou.
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“O vosso tanque, general, é uma máquina forte.
Destroça uma floresta, derruba cem homens mas tem um defeito:
precisa de um condutor”
Brecht

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Se a “direita” fosse “esquerda”. José António Primo de Rivera era o seu Che Guevara, De Gaule uma espécie de Kerensky, Franco algo entre Krutchev e Gorbachev, e o general Augusto Pinochet Ugarte, sem dúvida, o seu Stalin. Ou seja, o criador do universo concentracionário, de desaparecimentos na noite e no nevoeiro, de mordaças e internamentos, mas também o operário do desenvolvimento económico, do crescimento em flecha, em suma, da construção de uma “superpotência”. Sem liberdades civis “demo-burguesas”, mas com excelentes portos e auto-estradas.
O “estalinismo” de Pinochet só possuiu um paradoxo, e basta esse: é que terminou, não nas urnas fúnebres, mas nas urnas eleitorais. E o tirano saiu de cena pelo seu pé. Ou melhor, foi saindo. Revejamos, pois, urgentemente, as comparações.
Desde logo, o “tirano” continua a ser olhado pelos seus simpatizantes internacionais - por exemplo, pelo Figaro - como, no máximo, um “déspota esclarecido”, que salvou o Chile da anarquia e da pobreza, e o devolveu intacto aos civis. O acto simbólico da tomada de posse de Pinochet, como membro da câmara alta do parlamento, parece corresponder a esse (auto) convencimento, o de uma espécie de dever cumprido, o da salvação da Pátria. O ex-chefe da Junta Militar que tomou o poder em Santiago, há precisamente um quarto de século, não só não se mostra arrependido, como consegue ainda mobilizar adeptos e justificações. As versões chilenas das Mães da Praça de Maio (celebradas por Sting, para o povo do Ocidente Capitalista) bem podem sitiar o Senado, e clamar o continuado “Donde Están?”, que por cada vela e véu de revolta, haverá uma dona-de-casa capaz de jurar que, sem Pinochet, o país seria Cuba.
Devo dizer que, em 1975, quando ensaiava, com muitos outros “camaradas” mais ou menos anónimos, a implantação de um movimento simultaneamente nacionalista e revolucionário em Portugal, achava que Pinochet era a principal arma contra a esquerda, contra todas as experiências políticas fora da área estrita e dogmaticamente marxista-leninista. Lembro-me de discussões infindáveis e impróprias, primeiro na cantina do Liceu Pedro Nunes, depois no anfiteatro um da Faculdade de Direito (e na aula magna da reitoria da Universidade de Lisboa), onde nos irritámos soberanamente com os “conservadores” e “direitistas” (aliás sempre coerentes) que se recusavam a sacudir os militares chilenos do capote, e a renunciar (e a denunciar) a Pinochet. Por mim, sempre ia achando que era melhor salientar a hipocrisia de Mecas comunistas, como a China Popular, que continuava a negociar alegremente com a Nova Ordem de Santiago.
É que a “tranquilidade” chilena fizera-se com demasiados atropelos, vítimas, excessos e crimes descarados. Mesmo um homem insuspeito como o conservador (com fortes ligações à família dos serviços de informações) britânico Robert Moss, reconhecia (no seu clássico menor anticomunista, Tlie Collapse of Democracy) que o facto de Salvador Allende Gossens ter feito a corda que o enforcou (como bom burguês que descobriu o marxismo), não podia desculpar os disparates económicos (Moss escrevia em 1975) e os assassínios de quem trabalhava, mandava trabalhar ou dizia trabalhar para a Junta.
Em 1976, a igreja Católica chilena calculava que l% da população tinha sido detida, por períodos desiguais, desde o golpe de Setembro. A OEA indicava também nessa altura 4000 prisioneiros políticos, centenas de desaparecidos e talvez 2000 mortos. A Comissão Nacional para a Verdade e Reconciliação, estabelecida depois do regresso ao domínio civil, já nos anos 90, variou nas estimativas, e sobretudo sugeriu que várias mortes derivaram, não de execuções por “esquadrões da morte” (como no Salvador, ou na Argentina), mas de situações de combate urbano e quase-guerrilha.
Nos anos 70, porém, o Chile era, para a esquerda europeia, o que a Espanha Republicana, sobretudo depois de Guernica, foi para os intelectuais ”progressistas” de todo o mundo. As universidades ocidentais enchiam-se de “professores” exilados, que contavam histórias das piores atrocidades, formavam-se comités de solidariedade por toda a parte, Charlie Haden e Carla Bley tocavam, num formato de jazz., o “El Pueblo Unido Jamás Vencido”. Costa Gavras e Chove em Santiago divulgavam um regime de gritos e de sombras, erguia-se a lenda do trovador “guevarista” Vítor Jara, mãos quebradas e o crânio estilhaçado pela polícia de choque, depois de internado num campo de futebol. Em capelas e em bares, ouvia-se o último discurso-testamento de Allende (“Tengo fé en Chile y su futuro...”), o talentosíssimo grupo “étnico” Inti Illimani e o baterista hemiplégico Robert Wyatt (uma das grandes inspirações de muitas cabeças do meu tempo) declamavam regularmente fragmentos da “revolução impossível”, e os consulados e embaixadas do Chile eram boicotados, sitiados, ocupados e sabotados, um pouco por toda a parte.
Quem viveu esses tempos intensamente - até porque havia também uma revolução em curso, cá dentro - lembra-se das paixões e dos ódios que Allende, Chile e Pinochet despertavam. Sempre que o MFA, a 5a Divisão e o COPCON queriam alertar as massas para mais um golpe “reaccionário” na forja, agitavam o espantalho dos generais de Santiago. E muitas experiências “económico-sociais” do PREC diziam-se inspiradas num outro desastre, a política do governo de “unidade” de Allende, entre 1970 e 1973. Foi essa loucura laboratorial que levou Salvador Dali a dizer: “Os supercapitalistas espanhóis podem estar tranquilos, depois do que se passou em Portugal. Agora sim, não pode haver democracia socialista em Espanha.”
Mas como é que tudo, verdadeiramente, começou? A república chilena, fundada há 180 anos por um general revolucionário de ascendência irlandesa e por um exército argentino, teve durante o século XX experiências várias com governos de “Frente Popular”, e comportou sem um Partido comunista determinado e sólido. Nos anos 60, porém, o nome da esperança refomormista em política era o de Eduardo Frei, grande amigo de Marcello Caetano (que continuou a corresponder-se com este, mesmo quando do exílio interno de um e do exílio externo do outro), dirigente de uma democracia cristã mais justicialista e menos liberal do que as suas europeias, que conseguiu, até 1970, retumbantes êxitos em eleições limpas. O seu projecto de distanciamento do “imperialismo ianque” deu-lhe popularidade, sobretudo quando renegociou a exploração, pelos americanos, das ricas jazidas de cobre do país. Mas as costumeiras divisões nas “direitas” chilenas (entre Radicais, “Nacionais”, “Cristãos Democratas”, e outras estirpes representativas das classes médias e altas) acabariam por conduzir um médico bon vivant, maçon e socialista, amigo de Fidel e admirador de Ho Chi Minh, várias vezes derrotado por Frei, ao poder. Chamava-se Salvador Allende, ganhou eleições presidenciais por cerca de 80 mil votos em relação ao segundo candidato, e com menos 720 mil votos do que os conseguidos por todos os propostos pelas direitas. Allende representava uma ampla coligação de esquerda (social-democrata, socialista, comunista), e o facto de não conseguir maioria absoluta levou a que, nos termos da Constituição vigente em 1970, tivesse que ser investido pelo Congresso, onde a Democracia Cristã o apoiou, em troca de garantias de “paz institucional”.
As primeiras medidas de Allende - congelamento de preços e subida generalizada dos salários - escandalizaram Havana e Moscovo (segundo a ortodoxia, o objectivo inicial de um estado socialista deveria ser o de aumentar a produção e nacionalizar todos os sectores económicos relevantes) e provocaram um disparo assombroso nos hábitos consumistas da população. Com o decorrer dos anos, porém, Allende começou a ver-se cercado por personagens e forças que garantiam um clima de “loucura revolucionária”. Em 1971, a revista Problems of Communism, pela escrita de Leon Gouré, Jaime Suchlicki e Luis Aguilar, analisava ainda em termos de “racionalidade” a evolução desta prospectiva Cuba da América do Sul. Mas em 1973, as esperanças de ponderação tinham-se perdido. A inflação atingia os 600%, tinham-se instituído comités políticos de ocupação industrial e agrária, o governo decretava “o fim do estado burguês”, o influente líder socialista Carlos Altamirano afirmava ominosamente, embora com lógica impecável, “que as revoluções não se fazem com votos”, havia milícias paramilitares por toda a parte, os Tupamaros uruguaios tinham erguido uma base no Norte, chefiada por Raul Bidegain Geissig, na fábrica El Beloto, 20 técnicos soviéticos davam treino militar a seguir à laboração, corriam (desde o Outono de 1972, e provavelmente como provocação) boatos sobre a compra a Moscovo de caças supersónicos MIG-21, duplicara o número de funcionários públicos, e os problemas do novo sistema eram atribuídos, oficialmente, ao “bloqueio invisível” dos EUA e à “sabotagem económica” das classes capitalistas.
Santiago tomava-se o centro de peregrinação de revolucionários de a América Latina, e Allende ouvia cada vez mais os “românticos” e os “radicais” de várias proveniências: “Coco” Paredes, chefe da polícia judiciária, Luiz Femandez de Ona, genro do presidente e oficial da DGI (serviço secretos) cubana, Andrés Pascal, sobrinho do líder do MIR (o movimento esquerdista que queria “completar” a revolução).
O clima conspirativo era palpável. Henry Kissinger e Frank Carlucci são acusados de conspirar contra Allende, a missão naval dos EUA em Valparaíso mantém contactos estreitos com a Armada chilena (tida como o ramo mais conservador, ou antimarxista), a CIA gasta 8 milhões de dólares em subsídios à imprensa, partidos, rádios, sindicatos (segundo alguns dados, a contribuição soviética, entre 70 e 73, cifra-se em 650 milhões), começam as marchas das “donas-de-casa” contra a escassez de bens, que se tornam famosas pelo uso de panelas e colheres como instrumento sonoro, há greve geral dos camionistas, mas Régis Debray, solto pelo regime boliviano, confessa que teme mais “o aburguesamento da revolução do que um golpe militar”.
O resto é história conhecida. Os generais conduzem um pronunciamento “preventivo”, sob o pretexto de que se preparava um motim bolchevique numa base naval. A Junta convence o Congresso e o Supremo Tribunal de que a intenção é “constitucional”, dado que Allende “violara compromissos” tomados durante a sua investidura, e se “desviara” do quadro legal. O novo regime parece corresponder, à primeira vista, ao “sistema de guardas”, que o politólogo Robert Dahl apontou como uma das críticas fundamentais à democracia: segundo os “guardas” neo-platónicos, as pessoas comuns não sabem o que é o bom e o justo, e logo não se podem governar a si mesmas. Mas o paternalismo blindado pinochetiano é diferente: trata-se de proteger a Nação do terrorista, do agitador, do estrangeiro sabotador. O exército faz aqui o papel do “partido de vanguarda” leninista (teorizado, por exemplo, pelo mexicano Adolfo Sanchez), justificando o akamiento com a especialização, com a história, com a competência, com a superioridade moral, com a legitimidade política, com a virtude e a necessidade.
Os primeiros comunicados, para usar uma imagem clássica de Edward Lutwak, não são nem românticos/ líricos, nem messiânicos, nem improvisados, mas “racionais-administrativos”. O exército chileno, tomado como exemplo de profissionalismo no subcontinente, promete uma transitoriedade duradoura. Em 73, a Junta fala num período de excepção de 5 ou 6 anos, mas um ano depois Pinochet toma as rédeas, e chega a declarar que não haverá retomo durante a sua vida, “enquanto não se extirpar o mal da democracia e a erva daninha do marxismo”.
Estávamos então em plena Guerra-Fria, numa situação de crise da consciência pública nos EUA, e numamaré de regimes militares, no centro e sul da América, de tendências “conservadoras” ou “socialistas”. A pouco e pouco, Augusto Pinochet estabelece o seu sistema. Chama os “Chicago Boys” para reconstruir a economia, e no fim dos anos 70 os indicadores parecem justificar algum optimismo: nos últimos 20 anos, o Chile foi o país latino-americano que comparativamente cresceu mais, apesar de uma nutrida dívida pública, e do crescente aumento das despesas com as forças armadas (dez vezes o orçamento brasileiro do sector).
O “pinochetismo” não cria sementes doutrinais, a não ser que siga, como diz J. Comblin, a “ideologia da segurança nacional”. Vive grande parte dos seus 17 anos de existência em estado de excepção e como “ditadura do desenvolvimento” (K. J. Newmann), algures entre o pretorianismo arbitral e o pretorianismo dirigente. Não sofre, como a ditadura argentina, uma derrota internacional (nas Falklands), é tratado nalguns meios americanos (p. ex., Jeanne Kirkpatrick, na famosa tese Dictatorships and Double Standards) como “não um totalitarismo, mas um autoritarismo reformável”, o plebiscito de 1988, em que um alegado método autocrático derrota o autocrata (apesar de 40% de votos favoráveis).
Os comentadores internacionais salientam o papel do reaganismo (através do fundo NED e da AID) no convencimento “democrático” de Pinochet observando que o velho general ouviu melhor um presidente anticomunista que admirava, do que uma figura como Jimmy Carter, que tinha em pouquíssima conta. Seja assim ou não, a verdade é que Pinochet conseguiu sair de cena em vários actos, largando primeiro o Estado, depois o regime, depois o poder executivo, depois as forças armadas, depois o exército. Durante algum tempo, e antes de se tomar senador vitalício, coexistiu com o primeiro presidente da “nova ordem democrática”, Patrício Ailwyn, como comandante em chefe dos três ramos. A lenda conta (e ouvi-a de um dirigente sindical de origem índia, no Palácio da Vila, em Sintra, quando Ailwyn visitou Portugal pela primeira vez) que do gabinete do general se via o gabinete presidencial, e vice-versa. Alguém disse que era “como ser presidente de Espanha com Franco vivo”.
Ao contrário dos patéticos generais peruanos e argentinos, Pinochet “devolve” o estado com riqueza. Mas as lembranças da DINA, do assassínio de Letelier, dos “evaporados”, das valas comuns, criam demasiados pontos de ferida e ruptura. Como provou Roy Allen Hansen, numa doutoramento já de 1967, as intervenções militares na política chilena foram quase sempre desculpadas e apoiadas pelas classes baixas, desconfiadas com a modernização, com a administração e com a polícia normal. Pinochet pode ter ganho algum histórico a essa custa. Mas a sua condição de eterno vencedor não o torna numa personagem de Jorge Luis Borges, tal qual outros protagonistas das tragédias latino-americanas:
"Como todos os homens de babilónia fui procônsul, e como todos, escravo. Conheci a omnipotência, o opróbrio, a prisão”.
No continente dos Noriegas, Torrijos, Castros, Alvarados, Strossners, Banzers, Barrientos, Violas, Videlas, Gualtieris, Augusto Pinochet parece fadado a conhecer apenas o Poder. E, como Maquiavel aconselhou o Príncipe, deve pensar que é melhor ser amado que ser temido, mas não podendo ser amado, que possa ao menos ser temido.
Agora que o encontro com o Criador se aproxima, deve recodar-se daquela manhã fria de 23 de Novembro de 1975, quando, com Rainier do Mónaco e Hussein da Jordânia, assistiu ao funeral do generalíssimo Franco, em Madrid. Por essa altura de mudança, disse o antigo falangista Rafael Calvo Serer:
“Custou-me muito, mas agora sou democrata”.
*
Este texto de Nuno Rogeiro foi publicado na revista Indy, do semanário O Independente número 515, de 27 de Março de 1998, nas páginas 30 a 38.

 
At 12 de setembro de 2006 às 10:25, Anonymous Anónimo said...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Rebelo de Sousa.

O Sr. Marcelo Rebelo de Sousa (PPD): - Srs. Deputados: Foi há dois anos! Foi há dois anos, no Palácio de La Moneda, que com a morte de Salvador Allende terminou, às mãos do fascismo e do imperialismo, a curta experiência do Governo de Unidade Popular Chileno. As últimas palavras do Presidente Allende calam fundo na lembrança de todos os democratas: «Tenho fé no Chile e no seu destino. Outros homens ultrapassarão este momento cinzento e amargo, onde a traição pretende impor-se. Fiquem sabendo que, muito mais cedo que tarde, se abrirão as grandes avenidas por onde passará o homem livre para construir uma sociedade melhor.» Dois anos depois, nós, os Deputados do PPD, queremos aqui manifestar o nosso testemunho de profundo respeito pelos ideais da construção do socialismo, da vivência da democracia pluralista e da defesa da independência nacional, que estiveram na base do governo de Allende. De um governo constitucional livremente eleito e legitimamente fundado na vontade do povo chileno.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Cada um de nós poderá formular um juízo de valor próprio - mais ou menos positivo, mais ou menos negativo - acerca da prática política do Governo de Unidade Popular da fidelidade que revelou aos ideais que presidiram à sua criação. Mas todos estaremos de acordo no reconhecimento da inequívoca estatura moral de Salvador Allende, bem como da pureza dos ideais de transformação económica, social, política e cultural que animaram tantas das forças políticas e dos militantes democratas e progressistas componentes da Unidade Popular. Nós, Deputados do PPD, recordamos em particular os militantes dos Partidos Social-Democrático e Radical, que lutaram e continuam a lutar por um Chile socialista, democrático e livre do jugo dos imperialismos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No momento que vivemos em Portugal uma gravíssima crise político-militar, de que são sinais preocupantes tantos dos recentes acontecimentos ocorridos em Portugal, em Timor e em Angola, o exemplo do Chile de Allende, salvaguardadas as condições específicas de cada uma das experiências, dá-nos uma dupla lição. A lição da resistência tenaz e permanente contra o fascismo e os imperialismos, pelo socialismo, pela democracia pluralista, pela efectiva independência nacional. A lição da denúncia de quantos, afirmando-se embora democratas e progressistas, pelos 'seus actos e omissões, pelo seu golpismo doentio, pela sua estratégia de «quanto pior melhor», abrem voluntária ou involuntariamente caminho às forças da contra-revolução. Dois anos depois seria trágico que a democracia em Portugal viesse a perecer às mãos de um qualquer regime autocrático e antidemocrático, criador de novas ou velhas formas de exploração e opressão. O PPD está e estará sempre do lado dos que lutam pacífica e democraticamente contra as opressões económicas e sociais, contra as ditaduras políticas e os imperialismos sedentos de subjugação nacional. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino como comecei com as últimas palavras de Salvador Allende: «Estas são as minhas últimas palavras, estando certo de que o sacrifício não será em vão. Tenho a certeza de que, pelo menos, haverá uma sanção moral que castigará a felonia, a cobardia e a traição.»

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Chile socialista, democrático e livre vencerá!

*
in, Diários da Assembleia Constituinte
Número 045
Data da Sessão 1975-09-11
Data do Diário 1975-09-12
Páginas do Diário 1271 a 1304
Página 1277

 
At 12 de setembro de 2006 às 16:22, Anonymous Anónimo said...

Para que a memória não esqueça é bom ver esta página:

www.tvn.cl/noticias/especiales/septiembre73

 
At 12 de setembro de 2006 às 16:45, Anonymous Anónimo said...

ALGURES...

“Algures” fica na zona de fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão, ou seja, no mesmo local onde Bin Laden terá sido referenciado em Dezembro de 2001. A CIA terá mesmo conseguido “recentemente” imagens da época que mostram Bin Laden a caminhar por um trilho entre os dois países. Caminhando a pé, por trilhos das montanhas, o chefe da Al-Qaeda não terá ido longe.

Entretanto, a diferença entre Dezembro de 2001 e a actualidade é que na altura a zona de fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão estava enxameada de tropas especiais norte-americanas e de operacionais da CIA e agora não está. Agora, esses contingentes estão no Iraque, apesar do Senado norte-americano ter divulgado um relatório segundo o qual o regime de Saddam Hussein não tinha ligações a Bin Laden e à Al-Qaeda.

Nos EUA, estes factos levantam dúvidas quanto ao verdadeiro empenhamento da administração norte-americana em apanhar Bin Laden. Aliás, a anterior administração norte-americana também não manifestara grande empenho nessa matéria, em 1998, quando a captura de Bin Laden lhe foi oferecida de bandeja, antes dos atentados contra as embaixadas norte-americanas de Nairobi e Dar-es-Salaam. É por esse motivo que os democratas não esticam a corda das acusações contra os republicanos. E também porque admitem que, num golpe de teatro, a actual administração exiba Bin Laden, capturado de um dia para o outro.

Tudo visto e revisto, bem pode a opinião pública mundial interrogar-se sobre o que seria da “cruzada” contra o terrorismo se não continuassem a existir os terroristas, nem que seja em imagens de arquivo ou escondidos “algures”?

 

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