quinta-feira, 7 de setembro de 2006

O TONHO NÂO SABE FAZER CONTAS???

A pouca vergonha do vale-tudo




Aqui (Lusa), aqui (Visão), aqui (TSF), aqui (Portugal Diário), aqui (RTP) - e é apenas uma amostra - pode-se recordar as palavras do ministro da Administração Interna a destacar o excessivo número de fogos na segunda semana de Agosto, com vários dias com mais de 500 ocorrências.
No dia 13 de Agosto, o Correio da Manhã referia mesmo que o dia 11 tinha sido o que registou maior número de incêndios florestais: 579 fogos.
Na generalidade das notícias, o ministro referia-se ao número elevado de ignições para sublinhar o esforço extraordinário das equipas de combate, pois conseguiram que nunca houvesse mais de 27 incêndios por dia para circunscrever. O ministro da Administração Interna destacava também que a média de ignições foi claramente superior, mas os danos claramente inferiores.

Ontem, no relatório da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, há uma nota de rodapé que refere o seguinte: O número de ocorrências apurado face ao último relatório sofreu entretanto uma actualização, em virtude da eliminação de um conjunto de falsos alarmes inicialmente contabilizados como ocorrências florestais.

Fui ver a dimensão dessa eliminação.
Pois bem: o conjunto de falsos alarmes (pressupondo que só ocorreram a partir de dia 16, dado que na segunda quinzena de Agosto houve, em cada dia, entre 11 e 206 fogos) representaram 1.109 ocorrências. Ou seja, em vez de 6.805 fogos na primeira quinzena, tivemos 5696; portanto um forjado incremento de 19,5% aquando do relatório de há duas semanas. Isto significa portanto que, garantidamente, poucos foram os dias da primeira quinzena de Agosto com mais de 400 fogos e nenhum ultrapasou as 500 ocorrências; portanto não houve qualquer excesso de fogos durante a primeira quinzena de Agosto. E, claro, estou a incluir os tais fogos com menos de 100 metros quadrados (e mesmo com 1 metro quadrado), que em 2005, conforme comprovei no meu livro, representaram cerca de 28% das ocorrências totais oficialmente contabilizadas. E este ano veremos quantos são...

Enfim, estamos no país do vale-tudo. E à descarada!
Há muito tempo que não via tamanha manipulação governamental, em conluio com as entidades técnicas da Administração Pública. E com a comunicação social, quase em coro, a cair na esparrela, tanto mais que quase aposto - a menos que entretanto leiam este blog e se insurjam - que agora nenhuma destacará esta desavergonhada manipulação.


P.A.V.

7 Comments:

At 8 de setembro de 2006 às 09:51, Anonymous Anónimo said...

Esta é a primeira parte de um pequeno - mas até exaustivo - balanço sobre os incêndios e a eficácia registada até agora. Esta análise poderia ser mais exaustiva se houvesse mais informação, mas já uma noção, que julgo interessante, sobre alguns aspectos ainda não explorados.

O relatório da Direcção-Geral dos Recursos Florestais aponta uma área ardidade 57.994 hectares, mas a visualização do satélite Modis (UE) regista uma área de cerca de 61 mil hectares. O satélite Modis apenas «detecta» os incêndios com mais de 50 hectares de área queimada, pelo que o valor que indica «peca» sempre por defeito. No ano passado, esse erro (que é aceitável, obviamente) foi de 17%. Donde se pode estimar que este ano já terá ardido afinal cerca de 70 mil hectares até 31 de Agosto.

Nota-se, por outro lado, que o número de incêndios (área ardida igual ou superior a um hectare) é até agora bastante reduzido. Embora apenas me seja possível (sem me obrigar a fazer contas mais morosas) comparar o período deste ano até Agosto com os anos inteiros anteriores, certo é que quase garantidamente este será o ano com menor número de incêndios na última década. Contudo, o número de ocorrências (até 31 de Agosto), incluindo fogachos, atingiu oficialmente 18.770 e ultrapassará certamente as 20 mil ocorrências até ao final do ano, ficando-se apenas na expectativa se será ou não o ano com menos ocorrências registadas (até agora é o ano de 2004, com um pouco menos de 20 mil ocorrências). Isto permite, desde já, confirmar que - independentemente da velha questão dos fogos fictícios - manter-se-á a tendência descrecente de ignições verificada ao longo da última década.

No entanto, esta questão do número de ocorrências - e tendo em conta o «modus operandi» que permite manipulações (vd. o meu livro e o post anterior) - torna sempre difícil retirar conclusões seguras. Aliás, isso implica também que os indicadores de primeira intervenção podem (e devem, quase de certeza) estar desvirtuados. De facto, ao longo da década passada, Portugal tinha por regra uma taxa de primeira intervenção da ordem dos 75% (ou seja, conseguia-se extinguir essa percentagem de ocorrências antes de ultrapassarem um hectare). Esse valor pareceu-me sempre exagerado porque em Espanha ronda apenas 2/3. Ora, para este ano, se pegarmos nos dados, incluindo a «chuva» de fogachos, a taxa de primeira intervenção é actualmente de 85%! Eu, sinceramente, mesmo admitindo que a primeira intervenção melhorou, considero quase impossível atingir-se este valores (aliás, no relatório de DGRF de 18 de Agosto, quando se incluiram os falsos alarmes dava uma taxa de sucesso de primeira intervenção ligeiramente superior a 90%, portanto vê-se por aqui o «interesse» em incluir muitos fogachos).

Mas mesmo que a primeira intervenção tenha melhorado, certo é que se mantiveram as deficiências no combate estendido. Senão vejamos as percentagens de incêndios (mais de um hectare) que ultrapassaram os 100 hectares, por ano desde 1996 (com base em dados da DGRF, por mim trabalhados):

1996 - 2,1%
1997 - 0,7%
1998 - 2,7%
1999 - 2,0%
2000 - 3,2%
2001 - 2.5%
2002 - 3,3%
2003 - 4,7%
2004 - 3,3%
2005 - 4,0%
2006 (até 31 de Agosto tivemos 92 incêndios com mais de 100 hectares) - 3,2%

Ou seja, os valores deste ano são maiores ou semelhantes à generalidade dos anos, com excepção dos catastróficos anos de 2003 e 2005. Mas está muito acima dos anos de 1996, 1997 e 1999, os únicos três desta série de anos em que ardeu menos de 100 mil hectares.

Se consideramos, em permilagem, os incêndios (mais de um hectare) que ultrapassaram os 500 hectares, por ano desde 1996 (com base em dados da DGRF, por mim trabalhados), temos os seguintes resultados:

1996 - 2,9 por cada mil incêndios
1997 - 0,4 por mil
1998 - 8,4 por mil
1999 - 4,8 por mil
2000 - 5,7 por mil
2001 - 5,0 por mil
2002 - 6,9 por mil
2003 - 18,8 por mil
2004 - 10,5 por mil
2005 - 12,4 por mil
2006 (até 31 de Agosto tivemos 17 incêndios com mais de 500 hectares) - 5,9 por mil

Ou seja, através deste critérios, o combate estendido está francamente melhor do que nos últimos três anos, mas em níveis sensivelmente semelhantes aos do período 1999-2002. E stá também melhor do que 1998 (que ardeu mais de 200 mil hectares, de acordo com o ISA, embora o valor oficial ande na casa dos 150 mil). No entanto, está muito pior do que de 1996 e 1997 (dois anos em que ardeu menos de 100 mil). Aliás, para mim, o ano de 1997 é uma referência, pois ardeu apenas 30 mil hectares, uma área que deveria ser vista como o valor a atingir para que um determinado ano fosse considerado um sucesso. Além disso, termos já 17 incêndios com mais de 500 hectares é muito mau. Em Espanha, ao longo da última década, ocorrem em média 25 incêndios por ano que ultrapassam esta fasquia. Em termos proporcionais, significa que em Portugal apenas seria admissível ter cinco incêndios desta dimensão por ano. Portanto...

Claro que, mesmo assim, este ano poderá, com alguma probabilidade, ser o terceiro ano com menor área ardida desde 1996 (já será, contudo, pior do que 1997, já deverá ter ultrapassado o de 1999, em que ardeu 70.613 hectares; e o actual terceiro, que é 1996, está com 88.867 hectares). No entanto, tendo em consideração os indicadores que atrás apresentei, esse desempenho deve-se, na minha opinião, sobretudo à destruição dos três últimos anos, que implicaram uma grande redução das maiores manchas contínuas de vegetação. De facto, este ano já tivemos cinco incêndios com mais de mil hectares, mas apenas um ultrapassou os 5.000 hectares. Esse desempenho não se deve a questões de eficácia, porque um incêndio com mil hectares está já «hiper-incontornável» e a sua extinção depende sobretudo da continuidade do coberto vegetal e das condições atmosféricas. É bom recordar que o maior incêndio deste ano (que afectou o Parque Nacional da Peneda-Gerês, queimando 5.690 hectares, extingui-se com uma humidade relativa de 94%). E o incêndio da serra de Ossa (com mais de 4.779 hectares) dizimou quase tudo o que havia de vegetação em contínuo. Acresce a isto que este Verão foi, do ponto de vista meteorológico, muito favorável para a não ocorrência de incêndios, ao contrário das tentativas do Governo de mostrar o contrário. Com efeito, em todos os meses de Verão as precipitações foram muito abundantes. Em algumas regiões chouveu em Julho e Agosto aquilo que costuma chover em meses de Outono e Inverno.

 
At 8 de setembro de 2006 às 09:54, Anonymous Anónimo said...

Um caso exemplar sobre o «deixa arder que é mato»


Pelas 04h49 de ontem (dia 7) eclodiu um incêndio em Murça, no distrito de Vila Real, em zona de matos.
Apesar da existência de 24 corporações de bombeiros neste distrito - das quais seis só em Alijó, vizinho de Murça -, mais de seis horas depois (às 11h15) estavam a combater este incêndio apenas 26 bombeiros, apoiados por seis veículos e dois aerotanques, de acordo com um take da Lusa.
Era mato, deixa arder...

De acordo com a mesma agência noticiosa, às 14h45 parecia que não havia problemas.
Estavam no teatro das operações apenas 43 bombeiros, 11 veículos, mas também três meios aéreos.
A Lusa salientava que este era, segundo o SNBPC, «o único incêndio activo no país».

Depois, às 19h55, a Lusa já adiantava que estavam 113 bombeiros, 30 veículos e dois meios aéreos.
A noite chegou e às 21h44 estavam 124 bombeiros e 53 veículos.

Ouço agora a TSF que o fogo já lavra no concelho de Alijó, há aldeias em perigo e frentes de fogo com seis quilómetros de extensão.
No site do SNBPC consta, actualmente (23h40), a presença de 240 bombeiros e 60 veículos.
Em suma, deixou-se o fogo ganhar força durante horas e horas - e agora é o «ai Jesus» e a culpa do vento forte.

Questão pertinente: que medalha haveremos de dar ao SNBPC, ao coordenador distrital de Vila Real e aos bombeiros voluntários por este lindo serviço?

Nota 1 - Uma hora depois, chegaram mais 46 bombeiros e 12 veículos. Ou seja, em uma hora (numa altura em que o mal estava feito) foram mobilizados mais meios humanos e materiais do que os que estavam no combate ao incêndio nas 10 primeiras horas de incêndio.

 
At 8 de setembro de 2006 às 09:56, Anonymous Anónimo said...

O palheiro e o senhor comandante

Em relação ao incêndio de Murça, para a Lusa (take das 00h29 do dia 8), o Comandante do Centro Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Vila Real, Carlos Silva, disse que «não há neste momento povoações em perigo, mas durante o dia a povoação de Vale de Cunho esteve ameaçada e chegou a arder um palheiro».
Um palheiro?
Por amor de Deus, como foi possível os bombeiros deixarem destruir tamanha preciosidade?!

E ainda disse o mesmo comandante distrital que «o combate foi muito difícil durante o dia devido ao vento forte que mudava constantemente de direcção e porque o que está a arder é uma zona com muito mato e de difícil acesso». O
senhor comandante tinha obrigação, pelo menos quando o fogo já levava 10 horas e tinha apenas 45 homens no terreno, de mandar mobilizar (ou pedir) mais meios, tanto mais que deveria saber que o vento pode tornar-se forte (até por acção do vento) e que o incêndio tinha probabilidades de seguir para zonas de dificil acesso.
É por estas e por outras que eu acho que o país vai continuar a arder ano após ano se os senhores comandantes Carlos Silvas deste país continuarem em funções.

 
At 10 de setembro de 2006 às 14:08, Anonymous Anónimo said...

Um exercício de memória para avaliar António Costa


No passado dia 7, João Morgado Fernandes (JMF) escreveu no editorial do Diário de Notícias, algo que faz todo o sentido: «(...) em Portugal, a generalidade dos protagonistas do espaço mediático joga permanentemente na falta de memória das pessoas. Não são apenas os políticos a esquecerem-se das promessas que fazem, são igualmente os comentadores e outros frequentadores dos media que, com grande à-vontade e por vezes até algum brilhantismo, dizem e contradizem tudo e mais alguma coisa».

No balanço que ele fez (ainda sem o ano acabar) refere que «os agentes com responsabilidade no combate às chamas estão de parabéns, a começar pelo Governo, que definiu novas estratégias de combate e reorganizou e reequipou o sector». Vejamos se a própria memória não terá traído JMF ou se são os «outros» - no lote dos quais me incluo e que critica a «propaganda» do actual Ministério da Administração Interna - que estão errados.

Por isso, fui fazer um pequeno exercício de rememorização, para ver se o actual ministro da Administração Interna tem assim tantos motivos para sorrir e mais merecer rasgados elogios. Ou seja, mesmo no seio do Partido Socialista, António Costa será um «fora de série», devendo nós prestar-lhe os reverentes agradecimentos por o país arder «tão pouco» este Verão e este ano que tem a graça de ser administrado por este Governo?

Fui ver então nos últimos 25 anos, o «desempenho» dos diversos ministros da Administração Interna que, durante o Verão, estiveram em funções num Governo socialista. Atenção, não quis comparar Governos do PS com Governos do PSD. Quis saber apenas se o actual ministro António Costa está a obter melhores resultados do que os seus antecessores também socialistas.
Pois bem, nos 10 Governo formados, desde 1983, pelo Partido Socialista (incluindo os do Bloco Central na primeira metade dos anos 80), houve apenas seis ministros que tiveram que «tratar» dos fogos no Verão: Eduardo Pereira (1983 e 1984), Alberto Costa (1996 e 1997), Jorge Coelho (1998 e 1999), Fernando Gomes (2000), Severiano Teixeira (2001) e António Costa (2005 e 2006).

Convém referir que Eduardo Pereira foi ministro da Administração Interna ainda até 12 de Julho de 1985; a partir dessa data o Governo mudou para o PSD. E Fernando Gomes não terminou todo o Verão de 2000, tendo sido substituído por Severiano Teixeira em 14 de Setembro.

E os resultados são os seguintes, em relação à área ardida para o ano completo (do melhor para o pior)

1º - Alberto Costa (1997) - 30.535 hectares
2º - Eduardo Pereira (1983) - 47.812 hectares
3º - Eduardo Pereira (1984) - 52.713 hectares
4º - António Costa (2006) - 61.000 hectares (valor indicado pela UE até 31 de Agosto; estimo, contudo, que o valor actual atinja já cerca de 80 mil hectares)
5º - Jorge Coelho (1999) - 70.613 hectares
6º - Alberto Costa (1996) - 88.867 hectares
7º - Severiano Teixeira (2001) - 112.158 hectares
8º - Jorge Coelho (1998) - 158.369 hectares
9º - Fernando Gomes (2000) - 159.604 hectares
10º - António Costa (2005) - 325.226 hectares

Ou seja, o ministro António Costa acabará, muito provavelmente, o seu segundo ano de desempenho ministerial na Administração Interna com um «honroso» 5º (este ano, na melhor das hipóteses, tendo em conta as actualizações na área ardida) e um 10º lugar (em 2005, o pior ano dos Governos socialistas). Se ainda comparamos a «perfomance» global apenas dos ministros socialistas que tiveram dois anos na Administração Interna, temos o seguinte balanço:

Eduardo Pereira - 100.525 hectares
Alberto Costa - 119.402 hectares
Jorge Coelho - 228.982 hectares
António Costa - 386.226 hectares (o ano de 2006 apenas com dados até 31 de Agosto)

Os resultados são tão evidentes que nem merecem mais comentários. Mas o seu actual colega da Justiça (Alberto Costa) deve estar a questionar-se por que razão não teve, há uma década (quando era ministro da Administração Interna), tantos elogios como os que tem agora António Costa...

Nota: Prometo fazer, quando tiver tempo, um «ranking» de todos os ministros da Administração Interna, incluindo portanto os do PSD...

 
At 10 de setembro de 2006 às 14:10, Anonymous Anónimo said...

O Correio da Manhã publicou ontem uma excelente reportagem de quatro páginas sobre o incêndio do Parque Nacional da Peneda-Gerês, com várias abordagens muito interessantes. Para mim, a melhor reportagem do ano sobre esta matéria: lúcida, equilibrada, pertinente e independente. O jornalista Secundino Cunha está de parabéns. E o Correio da Manhã, claro, também.

Deixo aqui uma passagem que sintetiza bem dois problemas crónicos em Portugal: a impreparação no combate e a «menorização» que, por regra, as autoridades oficiais - e muitos biólogos - transmitem em relação ao impactes do fogo nas áreas protegidas, considerando que a regeneração natural tudo irá repor:

«Para o homem que liderou esta freguesia serrana ao longo de 24 anos, 'os comandos cometeram dois erros crassos: em primeiro lugar, depreciaram o incêndio antes de ter entrado no Parque e quando acordaram já era tarde demais; e, em segundo lugar, atiraram para o terreno bombeiros vindos de Lisboa, de Leiria e de outros lados que, naturalmente, não sabiam para onde se haviam de virar'. Numa frase, António Enes Domingues resumiu o que vai na alma deste povo: 'Os nossos olhos já não voltam a ver toda a beleza da serra'».

 
At 11 de setembro de 2006 às 11:07, Anonymous Anónimo said...

(Segunda Parte)
Fazer uma avaliação objectiva do desempenho das operações de combate é sempre uma tarefa complicada em Portugal.
Por um lado, porque não existem dados muito fiáveis; por outro, não estão defindidos objectivos que permitam depois saber se esses desempenhos são bons ou maus.

Por isso, vemos o clima de euforia do Governo e até de alguns sectores da comunicação social face aos valores provisórios da área ardida (57.994 hectares). Este valor é bom?
Se compararmos com o ano passado, claro: ardeu cinco vezes menos. Mas se compararmos 2004 com 2003 também verificamos que ardeu quatro vezes menos. E se compraramos 2003 com 1997 ardeu ardeu 14 vezes mais. E se compararmos este ano com um qualquer ano anterior da década de 60 ardeu seis vezes mais, pelo menos. Enfim, as estatísticas comparativas são o que são - albarda-se o burro à vontade do dono.

Por isso mesmo, decidi fazer uma fazer uma tentativa para definir critérios simples e objectivos para, de uma forma expedita, avaliar o desempenho distrital do combate ao incêndios.

Os critérios que utilizei foram os seguintes:

A - Área de afectação por distrito em relação ao período 1997-2005

Comparei a área ardida este ano em cada distrito com o de cada ano inteiro do período 1996-2005, hierarquizando de 1º até ao 10º lugar. Se este ano fosse o pior (1º em área ardida) teria 10 pontos, se fosse o segundo pior (2º em área ardida) teria 9 pontos e assim sucessivamente até ao melhor ano (10º em área ardida) em que se atribuiria 1 ponto. Este critério tem um factor de ponderação de 2 no índice total.

B - Percentagem de incêndios (área ardida superior a um hectare) que ultrapassaram os 100 hectares

Calculando este indicador a nível distrital, comparou-se cada valor distrital com a média nacional (3,2%). A pontuação atrbuída a cada distrito foi feita em função do desvio em relação à média, da seguinte forma:

0,0% - 0 pontos
0,1%-2,4% - 1 ponto
2,5%-3,2% - 2 pontos
3,3%-4,0% - 3 pontos
4,1%-4,8% - 4 pontos
> 4,9% - 5 pontos

Este critério tem um factor de ponderação de 2 no índice total.

A percentagem obtida para cada distrito (até 31 de Agosto) foram os seguintes (entre parêntesis estão os valores, respectivamente dos incêndios com mais de 100 hectares e a totalidade dos incêndios):

Aveiro - 2,1% (2/93)
Beja - 5,6% (1/18)
Braga - 3,8% (18/476)
Bragança - 5,1% (5/99)
Castelo Branco - 3,7% (3/81)
Coimbra - 2,2% (2/92)
Évora - 9,3% (4/43)
Faro - 0,0% (0/47)
Guarda - 5,1% (8/157)
Leiria - 3,3% (2/60)
Lisboa - 0,0% (0/166)
Portalegre - 4,3% (1/23)
Porto - 1,5% (7/476)
Santarém - 6,3% (6/95)
Setúbal - 4,8% (4/84)
Viana do Castelo - 5,1% (17/335)
Vila Real - 1,9% (5/269)
Viseu - 2,5% (7/283)


C - Número de incêndios com mais de 500 hectares, até 1.000 hectares

Por cada incêndio desta dimensão atribuiu-se 5 pontos. Os distritos que registaram incêndios (até 31 de Agosto) desta dimensão foram os seguintes:

Braga - 2
Évora - 1
Guarda - 1
Porto - 2
Viana do Castelo 4

Este critério tem um factor de ponderação de 1 no índice total.

D - Número de incêndios com mais de 1.000 hectares

Por cada incêndio atribuiu-se 10 pontos. Os distritos que registaram incêndios desta dimensão (até 31 de Agosto) foram os seguintes:

Braga - 1
Évora - 1
Viseu - 2

Este critério tem um factor de ponderação de 1 no índice total.

Deste modo, o índice total de desempenho é calculado da seguinte forma:

ID = 2A + 2B + 1C + 1D

Abaixo apresenta-se o quadro com os resultados finais até 31 de Agosto:



Distritos A B C D Total
Viana do Castelo 16 10 20 20 66
Évora 18 10 10 5 43
Braga 16 6 10 10 42
Viseu 4 4 20 0 28
Porto 10 2 0 10 22
Setúbal 14 8 0 0 22
Beja 8 10 0 0 18
Portalegre 10 8 0 0 18
Guarda 2 10 0 5 17
Santarém 6 10 0 0 16
Bragança 2 10 0 0 12
Aveiro 8 2 0 0 10
Castelo Branco 4 6 0 0 10
Leiria 4 6 0 0 10
Coimbra 4 2 0 0 6
Faro 2 0 0 0 2
Lisboa 2 0 0 0 2


Esta avaliação parece permitir concluir a existência de profundas diferenças de desempenho a nível distrital, como se constata pelos valores total do índice. Ou seja, há «oitos» e «oitentas». Há distritos com bons resultados e outros que estão numa desgraça.

Com efeito, este ano está a ser um desastre nos distritos de Viana do Castelo, Braga e Évora. Nos dois primeiros distritos, este ano já será, pelo menos, o terceiro pior da última década e em Évora será, pelo menos, o segundo pior. Acresce que estes distritos são, além de Viseu, os únicos onde se registaram já incêndios com mais de mil hectares. Os dois distritos do Minho têm, aliás, desempenhos piores do que a Galiza. De facto, em território galego, os terríveis incêndios deste Verão afectaram cerca de 3% da sua superfície total.
Nos dois distritos minhotos já se vai em 5%.
Aliás, os três piores distritos contribuiram em 54% para o total da área ardida do país.

No entanto, não há só más notícias.
Em três distritos (Lisboa, Faro e Guarda), o ano de 2005 está a ser o mais calmo da última década. E em 14 dos 18 distritos, este ano nem sequer aparece (por agora, saliente-se) nos cinco piores anos da última década.
Porém, Lisboa nunca foi distrito que ardesse muito e os outros dois distritos foram bastante flagelados nos últimos três anos. Em todo o caso, a generalidade dos distritos está a ter um ano calmo, em alguns casos devendo-se às condições meteorológicas, mas também certamente - assim espero - a uma melhoria da eficácia do combate.
Porém, como tenho dito, é de elementar prudência não festejar, porque o ano não acabou nem um bom ano significa que os próximos o sejam.

Para mim, esta avaliação serve sobretudo para questionar as razões para que alguns distritos (sobretudo Viana do Castelo, Évora, Braga e, também em certa medida, Viseu) não estão a ter desempenhos idênticos aos outros, pois se assim fosse o ano estaria até a ser muito, muito bom. E esta avaliação (com estes ou outros critérios objectivos) torna-se, além do mais, fundamental para questionar o trabalho dos coordenadores distritais do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil. E elogiar os que estão a fazer um bom trabalho. Em suma, separar o trigo do joio.

 
At 13 de setembro de 2006 às 14:05, Anonymous Anónimo said...

O director do Parque Nacional da Peneda-Gerês, Henrique Miguel Pereira, 34 anos, professor do Instituto Superior Técnico, e, diz o CM, "homem de confiança" do secretário de Estado Humberto Delgado Rosa (neto do general, mas com medo), firmou novas doutrinas que não podemos ignorar.
As doutrinas seguintes são dele, a classificação é minha.

1. A doutrina do ciclo ecológico
"o fogo faz parte do ciclo ecológico" - depois dos 3 mil hectares destruídos é deixar arder o resto (como o novo fogo que lavrou pelo Parque por mais dois dias, desde 3-9-2006). O mesmo exemplo do Estado deviam seguir os proprietários da floresta.

2. A doutrina da avaliação exaustiva
"ainda é cedo para ter uma avaliação dos efeitos do incêndio" - só na Primavera...

3. A doutrina da crença
"também teremos situações de perda, mas não acredito que venha a estar em risco a sobrevivência de alguma espécie" - não se pode avaliar, mas ele acredita que...

4. A doutrina pirómana
"Há animais que poderão até beneficiar do incêndio". Pois, até podem beneficiar com o fogo: subir ao céu, fugir, fazer dieta...

5. A doutrina do copo meio-cheio
"metade daquela zona [mata do Mézio] não ardeu". Já a directora do Centro Equestre diz que "(A)rdeu tudo, o que sobrou é apenas os lugares de fachada e de entrada no Parque, mas o grande património desta zona está destruído".

O copo da minha impaciência face ao absurdo - quase cheio com a oposição do secretário de Estado aos aceiros no Parque - já transbordou. O ambiente socrático é mais um caso perdido.

 

Enviar um comentário

<< Home