sexta-feira, 15 de setembro de 2006

O CAIXOTE "CESTO"

Portugal tem a notável capacidade para ser incapaz de decidir o que quer que seja.
Quando o assunto pode provocar feridas, há sempre uma fórmula milagrosa, para que o esquecimento cicatrize tudo.

Entre adiamentos, recursos e inconstitucionalidades, nada como um final feliz para uma teia de casos de aparente corrupção: arquive-se!
Agora, pelos vistos, vai ser declarado inconstitucional o Decreto-Lei que enquadra a corrupção desportiva.
Em termos simples o caso apito dourado fica num limbo: a ele não se aplica lei alguma, pelo que centenas de horas de escutas e de processos vão parar ao caixote do lixo.
O Estado lava as mãos como Pilatos no caso da corrupção desportiva.
A FPF e a Liga, e já agora o Estado, vão de joelhos até à FIFA e à UEFA, mostrando como são servos da gleba.
O Gil Vicente é despachado para fora do circuito de manutenção desportiva. E os grandes dirigentes do futebol indígena lá vão continuar, felizes e contentes, a prometer um grande negócio para o país.
No meio de tudo isso já não se sabe se, no futebol nacional, há ingenuidade a mais se burrice total por parte do Estado.
É certo que diferentes líderes políticos viram no Euro’2004 uma óptima oportunidade para aparecerem na televisão e raramente perdem um segundo para surgir ao lado dos presidentes dos clubes de futebol.
A isto, antigamente, chamava-se promiscuidade.
Hoje, aparentemente, chama-se defesa dos interesses nacionais.
O que se está a passar com o caso apito dourado (nuvem passageira de uma tempestade que há muito tempo assola o país) é um sintoma dos brandos costumes deste país onde o medo de decidir é óbvio.
Alguém imagina que, em Portugal, pudesse suceder o mesmo que em Itália?
Não.
Por isso arquivar este caso, por inconstitucionalidade, é a fórmula ideal do país dormir descansado.
Atento aos golos e aos erros dos árbitros. E sem olhar para o poder que tudo move nas sombras.

F.S.

7 Comments:

At 15 de setembro de 2006 às 15:18, Anonymous Anónimo said...

Todos sabemos que há corrupção no futebol português, não há fim-de-semana nenhum em que as suspeitas não se avolume, todos conhecemos as conversas corruptas que os dirigentes da bola tiveram ao telefone, nenhum de nós queria ver essas personalidades a jantar em casa, e no fim de tudo isto ficamos a saber que muito provavelmente o processo Apito Dourado vai ser arquivado.

O país ficou a saber dos pormenores da corrupção no desporto, gastou milhões de euros em investigações, deixou de investigar outros crimes para se ocupar deste e nada vai suceder, o dirigentes ficam nos lugares onde estão passando a benefeciar de um estatuto de impunidade, e por aquilo que se tem visto até são vedetas sociais para a estação pública de televisão.

Como pode o povo entender isto, quem vai ter a coragem de lhe explicar?

 
At 15 de setembro de 2006 às 15:19, Anonymous Anónimo said...

Não deixa de ser irónico ver o nome de Gomes Canotilho, um conhecido constitucionalista desde sempre associado à esquerda, a um parecer que ajudará algumas das piores personagens da sociedade portuguesa a livrarem-se do processo Apito Dourado.

 
At 15 de setembro de 2006 às 15:20, Anonymous Anónimo said...

UMA NOVA FORMULA PARA A JUSTIÇA:

«O processo do ‘Apito Dourado’ deverá ser anulado em tudo o que respeita a alegados casos de corrupção no futebol, uma vez que a lei que pune tais práticas é de todo inconstitucional, segundo apurou o CM junto de vários juristas. Mas a ‘prova dos nove’ é um parecer de Gomes Canotilho, que fundamenta a inconstitucionalidade orgânica. Isto é, a autorização legislativa da Assembleia da República não fixou o alcance e sentido da lei, pelo que o Governo não podia assim legislar. Logo, o crime de corrupção desportiva é inexistente por não ter previsão na lei.»
No:Correio da Manhã

Sugira-se à PGR que contrate um constitucionalista

 
At 15 de setembro de 2006 às 15:22, Anonymous Anónimo said...

INCONSTITUIÇÃO
O Prof. Gomes Canotilho, uma das maiores sumidades em direito constitucional da nação, num parecer pedido por um arguido do processo "Apito Dourado"- se calhar não é nem nunca foi - vem agora dizer que a legislação sobre corrupção na bola é inconstitucional. Valentim, Vieira, Veiga, Pinto da Costa, Vale e Azevedo, Madaíl, árbitros e companhia são, afinal, todos bons rapazes, graças à constituição. Se calhar nunca chegaram a existir. Começa a parecer-me que o que é verdadeiramente inconstitucional é a constituição.

 
At 15 de setembro de 2006 às 15:26, Anonymous Anónimo said...

J.Gonçalves disse aqui o que nos vai na alma.
Na mouche e com a habitual coragem e rebeldia que até pensei que ele acabasse esta síntese com um outro traço de portugalidade, e se o fizesse também terminaria muito bem.
Reporto-me à fórmula sociológica muito em voga - "Vão F..." - .
Nós por cá já conhecíamos as máfias da bola e suas ligações ao "pato bravismo" - denominadas por "futebolítica" - de que valentim e a ruína história do madaíl - são os arautos que envorgonham este Portugal dos anões - e também já desconfiávamos de alguns escritórios de advogados que se julgam órgãos de soberania e avençados vitalícios da nação.
O que desconhecíamos era este capcioso e hermetismo jurídico de quem parece ter aprendido ontem que o Direito é uma ciência fechada, estática e que não não acompanha as realidades dinâmicas do espaço societal.
Erro crasso que qualquer básico em direito vislumbra...
Conclusão: ainda bem que eu não estudei Direito por esse "xarope" do Canotinho que é considerado o "pai" não sei do quê, pois para mim o juridiquês dele assemelha-se - no caso vertente - à "transparência opaca" dos donos da bola.
Até dá vontade de dizer - ao estilo Cavaco, safa!!!
Ou, mais à portuguesa - "Vão-se F..." - retomando a fórmula.
Com um "Direito" e uma "Justiça" - e interpretações teológicas deste "quilate" - até os presidiários, pedófilos e demais corruptos da Bola em Portugal têm acesso automático aos doutoramentos honoris causa na Universidade de Coimbra.
Esperemos agora que Cavaco não caía nessa esparrela no 10 de Junho (dia de Camões), porque se cair - o 1º a ser laureado será a respectiva sumidade em Direito "INconstitucional". E é por causa destes "formalóidismos" de juridiquÊs conimbricense à lá séc. XIX - que até apetece aqui citar Alberto João Jardim, com um traço de indignação q.b.:
- tá tudo grosso...
Meus amigos, isto é que é o verdadeiro "Portugal dos caninos... ".

 
At 15 de setembro de 2006 às 17:37, Anonymous Anónimo said...

Caso do saco azul
Crimes de abuso de poder de Fátima Felgueiras
vão prescrever

Mesmo que a presidente da Câmara de Felgueiras seja condenada em julgamento, o procedimento criminal por alegadamente ter favorecido uma empresa próxima do PS-Porto extingue-se em Outubro de 2007

Seis meses após a sua pronúncia pela prática de 23 crimes enquanto autarca, o julgamento de Felgueiras continua sem data marcada, uma vez que o advogado da autarca, Artur Marques, recorreu do facto de a juíza de instrução ter dispensado o debate instrutório.

Felgueiras foi acusada pelo Ministério Público, entre outros, de crimes de corrupção passiva, abuso de poder e peculato.

Sem julgamento marcado será impossível que a 24 de Outubro de 2007 exista uma sentença transitada em julgado, sendo assim possível requerer a prescrição.

O Código Penal estipula que, para crimes com penas entre um e cinco anos (o crime de abuso de poder tem uma pena máxima de três anos de prisão), o prazo de prescrição é de dez anos e seis meses. De acordo com o despacho de pronúncia, Fátima Felgueiras praticou os dois crimes de abuso de poder a 24 de Abril de 1997.

O risco de prescrição terá um efeito dominó. Em 2008, prescreverão mais dois crimes de abuso de poder e um de peculato de uso, que estão relacionados com o financiamento de um jornal local afecto a Felgueiras (para combater a oposição do PSD) e o uso de funcionários e instalações camarárias para tratarem de assuntos relacionados com o PS.

Contactado pelo SOL, o advogado Artur Marques admitiu que «há, de facto, crimes em risco de prescrição», mas que nunca fez «essas contas». «A minha estratégia de defesa não passa por aí, mas sim por provar que a acusação não tem pés nem cabeça. Se tiver que equacionar tal matéria, farei isso na altura própria».

Questionado sobre o facto de o julgamento ainda não ter data marcada, o causídico considera «que o Tribunal de Felgueiras está a ser sensato e ponderado». «Enquanto não houver uma decisão da Relação de Guimarães sobre o meu recurso, não faz sentido fazer o julgamento. Se o recurso for deferido, isso seria motivo de anulação do julgamento».

A prescrição será mais uma vitória da defesa de Fátima Felgueiras. A primeira aconteceu em 2005 com a revogação do mandato de captura pendente desde que a autarca fugiu para o Brasil em 2003. Seguiu-se a anulação das escutas telefónicas do processo (por irregularidades na validação judicial destas), decretada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que fez cair a acusação de quatro crimes de peculato sob a forma continuada.

No novo despacho de pronúncia, em Março deste ano, a autarca beneficiou ainda de uma decisão favorável da juíza de instrução de anular a prática de cinco crimes de corrupção passiva

LUÍS ROSA
IN: JORNAL «SOL»

 
At 16 de setembro de 2006 às 22:49, Anonymous Anónimo said...

erá a lei de corrupção desportiva, publicada em 10 de Outubro de 1991, inconstitucional? O constitucionalista Gomes Canotilho acha que sim. Outros haverá que acham precisamente o contrário.

Para quem pretenda comparar e julgar por si mesmo, ficam aqui as leis em questão- A Lei de autorização legislativa e o Decreto -Lei propriamente dito.

A de autorização legislativa- Lei 49/91 de 3 de Agosto, diz no seu articulado o seguinte:

Artº1º Fica o Governo autorizado a legislar no sentido de qualificar como crime comportamentos que afectem a verdade e a lealdade da competição desportiva e seu resultado.
Artº2º O diploma a publicar ao abrigo da presente autorização legislativa estabelecerá a definição dos comportamentos, acções e omissões, contrários à ética desportiva, com o fim de alterar a verdade, lealdade e correcção desportiva ou o seu resultado, fixará as respectivas sanções, até ao limite de quatro anos de prisão, com ou sem multa, podendo igualmente prever penas acessórias de suspensão da actividade desportiva e de privação de receber subsídios oficiais.
Artº 3º A presente autorização legislativa tem a duração de 90 dias.
(...)

E a lei que se lhe seguiu, respeitando o prazo de autorização, diz o seguinte:

Decreto-Lei n.º 390/91 de 10 de Outubro

Qualifica como crime comportamentos que afectem a verdade e a lealdade da competição desportiva

A luta contra a corrupção no fenómeno desportivo, como resposta a manifestações, factos e acontecimentos que perturbem fraudulentamente a verdade e a lealdade da competição e o resultado desportivo, e que contendem com o genuíno exercício da actividade desportiva, há-de desenvolver-se segundo dois modos complementares: a prevenção, através da formação e educação dos agentes desportivos e, como ultima ratio, a via repressiva, pela definição dos comportamentos lesivos e respectivas sanções.
O interesse fundamental a ter em vista e a proteger será a lealdade, a correcção da competição e do seu resultado e o respeito pela ética na actividade desportiva.
É um interesse público que se revela e manifesta na supra-individualidade dos interesses de todos quantos (adeptos, simpatizantes e espectadores) esperam que a prática desportiva pública e os resultados das competições desportivas não sejam afectados e falseados por comportamentos fraudulentos dos respectivos agentes, visando precisamente alterar a verdade desportiva.
Na defesa deste interesse público deve atribuir-se particular relevo à escolha e desenvolvimento das acções de índole preventiva. E estas terão de ser de natureza essencialmente informativa, formativa e educativa, junto dos jovens, em geral, e de todos os agentes desportivos, em particular.
Às federações desportivas, outras associações e, em particular, aos clubes desportivos cabe também, nesta matéria, uma imprescindível tarefa de educação e formação dos respectivos agentes desportivos.
Num outro campo de protecção do interesse público, da lealdade, verdade e correcção nas competições desportivas e como limite último de intervenção, situa-se a definição de comportamentos fraudulentos, tipicamente descritos, que tenham como finalidade a alteração da verdade e da ética da competição ou seus resultados, e a respectiva definição de sanções.
Optou-se, neste aspecto, pela criminalização dos comportamentos fraudulentos, considerando a gravidade que em si mesmos encerram perante a dignidade e o valor social dos interesses que se pretendem, deste modo, acautelar.
A imposição de sanções públicas pela consideração do valor e relevância dos interesses a proteger exige, porém, a ocorrência da prática desportiva pública e ou de competição. Esta, por este aspecto, existirá sempre que a actividade desportiva se apresente organizada, regulamentada e exercida através dos organismos que, por qualquer modo, detenham competência nesta matéria.
Assim:
No uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 1.º da Lei n.º 49/91, de 3 de Agosto, e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Para efeitos do presente diploma, considera-se:
a) Praticante desportivo - aquele que, a título individual ou integrado num conjunto, participa em competição desportiva;
b) Competição desportiva - a actividade desportiva organizada, regulamentada e exercida através das federações desportivas e das associações nelas filiadas.

Artigo 2.º
1 - Quem, na qualidade de praticante desportivo, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, que não lhe sejam devidas, como contrapartida de acto ou omissão destinados a alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva será punido com pena de prisão até dois anos.
2 - Se o facto não for executado ou, tendo-o sido, dele não resultar o efeito pretendido pelo agente, a pena será a de prisão até um ano.
3 - Se o agente, antes da prática do facto, voluntariamente repudiar o oferecimento ou a promessa que aceitara ou restituir a vantagem ou, tratando-se de coisa fungível, o seu valor, é isento de pena.
4 - A tentativa é punível.
Artigo 3.º
1 - Se os factos descritos no artigo anterior forem praticados por árbitro ou equiparado, cuja função consista em apreciar, julgar ou decidir a aplicação das regras técnicas e de disciplina próprias da modalidade desportiva, a pena será a de prisão até quatro anos.
2 - Na mesma pena incorre quem praticar os factos descritos no artigo anterior na qualidade de dirigente, treinador, preparador físico, orientador técnico, médico, massagista ou na de agente de qualquer outra actividade de apoio ao praticante desportivo.
3 - É correspondentemente aplicável aos números anteriores o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo anterior, mas, no primeiro caso, a pena será a de prisão até dois anos.
Artigo 4.º
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a praticante desportivo vantagem patrimonial ou não patrimonial, que lhe não seja devida, com o fim indicado no artigo 2.º será punido com prisão até três anos.
2 - Se o facto descrito no número anterior for praticado relativamente a qualquer das pessoas referidos no artigo 3.º, a pena será a de prisão até quatro anos.
3 - A tentativa é punível.
Artigo 5.º
1 - Quem, com ou sem consentimento do praticante desportivo, lhe administrar substâncias ou produtos, ou utilizar outros métodos susceptíveis de alterarem artificialmente o rendimento desportivo do praticante, será punido com prisão até dois anos.
2 - Consideram-se substâncias ou produtos susceptíveis de alterarem artificialmente o rendimento desportivo do praticante, nomeadamente, os definidos no âmbito de cada modalidade desportiva e que constem, obrigatoriamente, de listas a publicar por cada federação.
3 - A tentativa é punível.
Artigo 6.º
Aos agentes dos crimes previstos neste diploma podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias:
a) Suspensão, por tempo de seis meses a três anos, de participação em competição desportiva;
b) Privação do direito a receber subsídios oficiais por tempo de um a cinco anos;
c) Suspensão do exercício de função ou actividade por tempo de dois a seis anos, tratando-se de árbitro ou equiparado ou de titular de órgão de federação, associação, liga ou organismo similar e de dirigente de clube desportivo ou titular de órgão de sociedades com fins desportivos.
Artigo 7.º
1 - O exercício da acção penal pelos crimes previstos neste diploma e a decisão que defina a responsabilidade criminal não prejudicam o uso das providências, nomeadamente de natureza disciplinar, previstas nos regulamentos das federações despo4rtivas e a competência própria dos respectivos órgãos.
2 - A abertura de inquérito pelos crimes previstos neste diploma não prejudica o exercício do poder disciplinar segundo as normas específicas do procedimento disciplinar desportivo.
3 - Os titulares dos órgãos das federações desportivas devem transmitir ao Ministério Público notícia das infracções ao disposto na presente lei de que tenham conhecimento no exercício das suas funções ou por causa delas.
Artigo 8.º
1 - As federações desportivas deverão promover a realização de acções formativas, pedagógicas e educativas, com a finalidade de sensibilizar todos os agentes desportivos e prevenir a ocorrência de circunstâncias susceptíveis de alterarem fraudulentamente a verdade da competição desportiva.
2 - No mesmo sentido, acções de formação, pedagógicas e educativas devem ser prosseguidas, em colaboração com as federações desportivas, pelas associações e pelos clubes desportivos.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 29 de Agosto de 1991. - Aníbal Cavaco Silva - Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio - Roberto Artur da Luz Carneiro.
Promulgado em 24 de Setembro de 1991.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 1 de Outubro de 1991.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva

Segundo o professor Gomes Canotilho, na pele de jurisconsulto que fornece um parecer a favor de um dos arguidos do processo Apito Dourado, esta lei de corrupção desportiva é inconstitucional.

Segundo relata o Portugal Diário, “A lei que autorizou o diploma sobre corrupção no desporto é um exemplo flagrante de inconstitucionalidade, assegura Gomes Canotilho, no parecer a que o PortugalDiário teve acesso.

«Se este não é o exemplo típico de uma autorização genérica rotundamente desconforme com a Constituição, torna-se difícil imaginar um qualquer outro exemplo de autorização genérica», escreve Gomes Canotilho, no parecer que elaborou a pedido do antigo presidente do Gondomar Sport Clube, José Luís Oliveira, um dos principais arguidos do processo «Apito Dourado» e o único que esteve em prisão preventiva. “

E o diário explica a seguir:

“De acordo com este jurista, a lei que pune a corrupção no fenómeno desportivo padece de uma inconstitucionalidade formal, porque foi elaborada com base numa autorização legislativa inválida da Assembleia da República ao Governo.

Ao longo de 49 páginas, Gomes Canotilho refere que esta lei de autorização legislativa não definiu claramente «o objecto, o sentido e a extensão da autorização» concedida ao Governo. Assim sendo, conclui, a autorização concedida passa «um cheque em branco» porque «alarga de forma excessiva a latitude de poderes legislativos do Governo».

De acordo com o constitucionalista, a autorização dizia apenas que o Governo podia «legislar no sentido de qualificar como crime comportamentos que afectam a verdade, a lealdade da competição desportiva e o seu resultado».

«Fica-se sem saber em que medida está abrangido o desporto profissional e o amador, (. . .) o desporto escolar, etc», escreve. Além disso, a lei de autorização não define o que é um praticante desportivo e nada diz sobre as pessoas que devem ser abrangidas pela lei. Desportistas profissionais? Amadores? Dirigentes desportivos? Árbitros? Médicos? Farmacêuticos? Proprietários de equipamentos desportivos?», interroga-se.

Por outro lado, entende Canotilho, o conceito de «funcionário», previsto no crime de corrupção do Código Penal, não pode aplicar-se, por exemplo, aos presidentes de clubes. A corrupção nestes casos apenas pode ser punida pelo diploma da corrupção no desporto. Diploma esse que o jurista considera inconstitucional. Em termos práticos, entende que não podem ser punidos. “

Há várias perplexidades que se colocam agora ao cidadão comum e até a qualquer jurista que se interrogue sobre o que significa “isto”.

GOmes Canotilho na sua Constituição da República co-anotada com Vital Moreira, sobre este assunto das autorizações legislativas, escreve duas linhas: " As autorizações legislativas revestem a forma de lei, que deve estabelecer os parâmetros temporais e materiais da autorização". Nada mais.

Porém, uma das primeiras perplexidades e das mais evidentes, é saber como se torna possível, 15 anos depois da lei entrar em vigor, aparecer um professor catedrático de direito constitucional que num parecer jurídico pedido por um dos arguidos de um processo, defende algo que deveria ser claro e esclarecido há muitos anos. Para ser mais rigoroso, desde o início da feitura da lei e do seu trajecto até à publicação.

As perguntas que surgem naturalmente dirigem-se aos serviços jurídicos do Governo da época ( Outubro de 1991) e aos serviços jurídicos da Presidência da República de então que pelos vistos deixaram passar este “ exemplo típico de uma autorização genérica rotundamente desconforme com a Constituição”,no dizer do parecer do constitucionalista e que não atentaram na natureza inconstitucional da norma.

Outras perguntas, talvez mais pertinentes, há também a fazer:

15 anos não será tempo mais do que suficiente para se entender que determinada lei, deve repousar em tranquilidade jurídica, sem afrontar a paz social que a sua inconstitucionalidade fatalmente acarreta?

Se a razão justificativa dos prazos de prescrição de procedimento para determinados crimes, assenta precisamente na segurança e paz jurídica que se devem conceder aos visados, assegurando-lhes que a partir de determinada altura estão em segurança quanto a eventuais reacções criminais, como entender que em relação aos crimes de corrupção desportiva tal paz jurídica assente arraiais em cinco anos, por força da lei penal substantiva e a própria lei que não se aplica depois desse tempo, possa ser sindicada a todo o tempo e por motivos formais, ainda por cima, como agora aconteceu?

Mais ainda e mais grave: quantas leis importantes, aprovadas em Conselho de Ministros e publicadas mediante leis de autorização legislativa, não poderão ser alvo de idênticas investidas de sindicância de (in)constitucionalidades?

Ainda mais grave e sério:

Não será este o exemplo também flagrantíssimo daquilo que se convencionou indicar como a existência real e efectiva de uma “justiça de ricos” e outra “justiça de pobres” e de que o princípio constitucional fixado no artigo 13º e que reza assim - "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”, afinal é apenas uma ficção?

 

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