sexta-feira, 3 de novembro de 2006

ADEUS

PORTUGUÊS



Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti

Alexandre O'Neill

8 Comments:

At 4 de novembro de 2006 às 21:57, Anonymous Anónimo said...

O reino da fantasia cor de rosa


Numa subsecção da revista Única do Expresso de hoje, intitulada "blogs", uma colunista que costuma recensear blogs da sua corda, adianta-se numa acusação generalizadora e comum a certos comentadores doridos de males aheios. "Cobardia" é o nome da croniqueta, em coro de carpideira com outros que lamentam o assassino anónimo que anda a matar certos carácteres impolutos, de coluna perfilada em jornal e avença posta.
Num parágrafo de acusação genérica, escreve Rita Ferro Rodrigues:
" O que aconteceu a Miguel Sousa Tavares acontece diariamente na blogosfera portuguesa: temos juízes, advogados, políticos e jornalistas, entre outros, sob anonimato, a lançar boatos miseráveis e lama para cima de quem não se pode defender".
É este o parágrafo que continua, insatisfeito e recalcitrante, no seguinte: " É uma espécie de submundo da porcaria, onde se movimentam pegajosos, alguns vermes que retratam a pequenez".
Este tipo de escrita, em papel de jornal, nem sequer se revê na essência do que produz.

Acusar genericamente, sem qualquer facto à ilharga e sem nomear um sequer dos tais "juízes, advogados, políticos e jornalistas", apodando-os de vermes que se movimentam, pegajosos, no submundo da porcaria, parece ser o retrato perfeito do mundo de quem assim escreve.

E quem cauciona esta escrita, vinda de um reino da fantasia, pequenino e de louvaminha a amiguinhos e apaniguados, defende certamente o seu mundo como o melhor de todos.
Felizmente, ainda não é o de todos, mas se pudessem.

 
At 4 de novembro de 2006 às 22:01, Anonymous Anónimo said...

Em Espanha, existe uma mania esquisita. Então não é que o Ministério Público tem a descortesia de não avisar os suspeitos e os jornais das buscas que vai fazer? Sucedeu agora com o BES.

Uma busca foi feita às agências do BES sem nenhum aviso prévio por fax, nem a presença das televisões no local. Uma pouca-vergonha pegada actuar assim.

E, se calhar, quando a coisa dá para o torto, nem sequer há a mania por terras de Espanha de vir para os jornais culpar o poder político, porque não dá meios. Assim não se prestigia o sistema.

Como de Espanha, nem bons ventos, nem bons casamentos, leia-se:

• Fiscalia General do Estado - Comunicado de Imprensa
http://estaticos.elmundo.es/documentos/2006/11/02/banco_espirito_santo.pdf;
• Bloqueados más de 1.500 millones en cuentas presuntamente opacas en Espírito Santo y BNP
http://www.elmundo.es/mundodinero/2006/11/02/economia/1162488372.html.

 
At 4 de novembro de 2006 às 22:03, Anonymous Anónimo said...

JUIZ B.Garzón

Não tem pais ricos, não lhe saiu o El Gordo....foi ao BES

 
At 4 de novembro de 2006 às 22:05, Anonymous Anónimo said...

As recentes buscas ao Banco Espírito Santo em Espanha proporcionar uma excelente oportunidade para compararmos como funcionam as justiças dos dois países ibéricos.
Em Espanha investiga-se o branqueamento de capitais a evasão fiscal, o mesmo tipo de crimes que estão na mira da Operação Furacão.

Dois dias depois da actuação da justiça espanhola já é possível reparar que o comportamento do BES em Espanha foi muito diferente daquele que teve em Portugal, e a própria justiça espanhola foi muito mais discreta e eficaz do que a nossa.
Por cá os visados pelas buscas ficaram todos avisados quando foi mostrado o primeiro mandado de busca, porque o mandado tinha a lista das instituições que iam ser alvo de buscas e também porque essas buscas não ocorreram em simultâneo.

Em Portugal o BES ameaçou tudo e todos de os levar à justiça se escrevessem ou falassem do processo enquanto em Espanha se limitou a emitir um comunicado muito mansinho e cheio de evidências.
Ficámos particularmente sensibilizados com a disponibilidade do BES para apoiar a justiça, pois como se sabe a obstrução às investigações é crime.
Alguém imagina o BES a ameaçar o El Mundo ou o El Pais com fez em relação ao Expresso que desde então ficou mudo?
Se o fizesse o seu futuro em Espanha chegaria ao fim.

Mas no que se refere às relações entre o poder político e a banca há outras diferenças entre Espanha, do outro lado da fronteira o governo não costuma integrar ministros que eram administradores do BES, nem o fisco é dirigido por um administrador de qualquer outro banco, por ali a separação de interesses é, pelo menos aparentemente, levada até às últimas consequências.
Em Portugal os mesmos bancos envolvidos em suspeitas de evasão fiscal e branqueamento de capital colocam administradores à frente de um ministério e da DGCI, num sinal claro de que Portugal está bem mais próximo dos modelos políticos mais suspeitos do que a Espanha.

Será muito interessante acompanhar a evolução dos dois processos e aqui fica uma aposta:
O processo conduzido pelo juiz Garzón será concluído muito antes do que a Operação Furacão, e quando digo concluído estou a referir-me à eventual formulação da acusação, pois quanto à conclusão dos julgamentos não vale a pena apostar, em Portugal o julgamento dos ricos morrem num emaranhado de vírgulas apreciadas pelos tribunais superiores e pelo Tribunal Constitucional, que por cá funcionam como os tribunais dos ricos pois só estes e os traficantes de droga têm dinheiro para lá chegar.

 
At 5 de novembro de 2006 às 18:37, Anonymous Anónimo said...

BES considera as rusgas em Espanha «desproporcionadas»

O BES publicou neste sábado anúncios na imprensa espanhola, nos quais considera que as rusgas efectuadas na quinta-feira nas suas dependências em Madrid e Barcelona constituíram uma «acção desproporcionada» que causou desnecessária confusão na opinião pública.

Os anúncios, publicados nos principais jornais espanhóis, pretendem clarificar alguns aspectos sobre a rusga ordenada pelo juiz Baltasar Garzón, para inspeccionar «algumas contas de entidades clientes do banco». (...)

Por isso é que sempre defendemos que os Bancos deveriam ser instituições de caridade com serviços ao domicílio. Assim, já não existiam estes problemas..

 
At 5 de novembro de 2006 às 19:32, Anonymous Anónimo said...

Estes senhores pensavam que estavam na Republica Portuguesa,onde se pode fazer e dizer tudo desde que se tenha dinheiro ou amigos bem colocados. Em Espanha e um pouco diferente, mesmo funcinoando mal a justica ainda funciona melhor que ca, e nao e por ter dinheiro que se safam na maneira como sao tratados

 
At 6 de novembro de 2006 às 19:11, Anonymous Anónimo said...

Ricardo Salgado ficou "indignado" com o destaque dado ao Banco Espírito Santo, a propósito das investigações à sucursal de Madrid. Tudo porque o BES apenas guardava 5,5 milhões, dos 1500 milhões de euros bloqueados pelas autoridades espanholas.

Até pode ser que tenha razão. O problema é que Ricardo Salgado se está a esquecer de um aforismo que os banqueiros da sua geração costumam repetir em privado: "Os bancos são como as senhoras. Quando se começa a falar delas...".

A máxima é estupidamente sexista. Mas expurgado esse pormenor (conta o sentido), ela expõe a grande vulnerabilidade do BES: o seu "track record". Ele foram as investigações ao Espírito Santo Bank, em Miami; ele foi a ligação ao caso "mensalão", no Brasil; ele foi o empreendimento Portucale; ele foi a operação "Furacão"; agora é a investigação em Madrid. Ufa...! É muita coisa, em pouco tempo, para uma instituição só. Com um "histórico" destes, quem pode criticar a "actuação aparatosa" das autoridades e das televisões, "convocadas para o local uma hora antes da chegada da polícia"?

Em vez de sugerir eventuais "rasteiras" dos espanhóis, Ricardo Salgado devia estar preocupado com outra questão: para a opinião pública, o ponto comum aos países onde aconteceram estes problemas é... o presidente da instituição.

 
At 6 de novembro de 2006 às 19:13, Anonymous Anónimo said...

Como é seu hábito, o juiz Baltazar Garzón fez-se anunciar e a chegada da polícia que mandou aos balcões do BES e do BNP Paribas foi filmada quase em directo. Aos primeiros minutos, as acções caíram, as redacções enviaram equipas de reportagem e começaram as análises.

A informação oficial era (e é ainda) pouca, o que gerou especulações. E várias reacções imediatas mostraram bem as nossas credulidades e até os nossos preconceitos.

A visão anti-banca: lemo-la e sobretudo ouvimo-la profusamente nos últimos dias, que os bancos trabalham nas margens da legalidade, aproveitam buracos legais e movimentam esferas de poder que lhes garantem lucros astronómicos.

A visão anti-Portugal: em Espanha é que as coisas funcionam, cá o Estado é fraco, a Justiça não funciona mesmo com trombetas de "Operação Furacão", o Banco de Portugal só olha para o lado de dentro do balcão, mas agora com o Garzón é que vão ser elas.

A visão anti-Espanha: se há evasão fiscal e branqueamento de capitais em todo o mundo, e em Espanha a economia paralela tem dimensão superior à portuguesa, só por ingenuidade se pode achar normal a ausência de bancos espanhóis nesta operação, tirando uma irrelevante corretora e uma desconhecida seguradora. Esta tese tem como corolário a visão conspirativa: os espanhóis já controlam o BPI, que pode por sua vez ser um Cavalo de Tróia para que eles venham a controlar também o BCP e era preciso arrumar as aspirações expansionistas do BES, que assim se vê de novo enxovalhado em investigações policiais.

Podemos portanto interpretar a realidade a partir dos nossos preconceitos, com a vantagem de que eles são ainda por cima populares. Pouco apraz mais um cidadão zangado com o País do que ver poderosos com nódoas no colarinho branco.

Só que isto não resolve nada.

A Operação Furacão, feita aos pinotes nos jornais, candidata-se a ser Operação Vergonha. Um ano depois de a sociedade ver uma polícia viril a entrar em quatro bancos como os cowboys entram à patada num saloon e cospem para a escarradeira, esses quatro bancos não são acusados do que quer que seja. O que significa que ou os bancos são inocentes, e nesse caso o alarido do Furacão foi despropositadamente vexatório; ou são culpados mas a investigação não soube ou não pôde reunir provas para acusá-los.

Quem quer sangue fica saciado às primeiras esguichadelas. Mas quem quer justiça tem de exigir mais do que delações ou insinuações ou detenções em directo. O branqueamento de capitais não tem combate em Portugal. A corrupção, diz João Cravinho, aprisiona o Estado. O financiamento dos partidos é um dos maiores cancros da nossa democracia. Mesmo a evasão fiscal, que tem tido luta nos últimos anos, não passa a prova de maioridade quando publica uma lista de devedores fiscais, que reúne um punhado de pequenos devedores mas deixa de fora os delinquentes responsáveis por 14 mil milhões de dívidas ao Fisco.

Muito mal vai o país em que a melhor arma contra o crime económico é o arremesso de suspeições, que nunca saberemos se são fundadas ou não, porque a investigação é estéril e a acusação inexistente. Um país mais motivado para a grei que para a lei. Que não sentencia culpados nos tribunais mas os delata a esmo na rua, manipulado pelos seus próprios preconceitos ou por quem os usa em seu favor. Portugal é um país assim, como amargamente reconhecemos no processo Casa Pia. Esperemos que Espanha não seja.

 

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