quarta-feira, 21 de março de 2007

O PODER DA POESIA

Sobre os rios de Babilónia caíram bombas. Caíram sobre os lugares onde um poeta desconhecido gravou numa pedra a epopeia de Gilgamesh, o primeiro canto em que se fizeram as grandes perguntas sobre o destino do homem.
Em outras partes do mundo, todos os dias são dias de fome, de guerra, de genocídio, de injustiça. Que sentido pode ter um Dia Mundial da Poesia num mundo em que todos os dias a poesia é assassinada? Poderá ainda a poesia mudar a vida, como queria Rimbaud?
Entre os muitos défices que avassalam o mundo, aquele de que menos se fala é talvez o mais importante: o défice da poesia. Porque não é possível resolver os outros sem que no cinzento de cada dia haja um pouco mais de azul. A palavra do homem está pervertida. Pela tecnocracia que invadiu o discurso e por aquilo a que Sophia de Mello Breyner chamou o capitalismo das palavras. É preciso subverter o discurso instituído e recuperar a força mágica da palavra. Reencontrar a harmonia do mundo através da repetição rítmica de palavras mágicas. Era esse o papel do xamã nas sociedades primitivas. Talvez seja esse o papel da poesia na grande selva em que se tornou o mundo.
Como disse Octávio Paz, a poesia revela este mundo; e cria outro. Eu acho que ela é exorcismo, conjuração, magia. E também viagem, errância, demanda. A poesia não é só para ser lida, é também para ser dita, partilhada e até dançada.
Como o poeta português Teixeira de Pascoaes, eu creio que a poesia nasceu da dança e que o ritmo é a substância das cousas. E como ele creio também que a palavra liberta e cria: é a própria terra do outro Mundo. Se há um sentido para o Dia Mundial da Poesia é esse mesmo: reencontrar o perdido ritmo do homem, restituir à palavra o seu poder primordial, o poder da poesia.


Manuel Alegre
Dia Mundial da Poesia
21 de Março de 2007

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