CACIQUES
Lembro-me, no primeiro 1º de Maio, em 1974, de um cartaz escrito à mão, empunhado por um manifestante, onde se lia: Ninguém nos obrigou. Viemos de livre vontade.
O cartaz tinha naquela época um enorme significado.
O direito de manifestação durante o regime salazarento era uma formalidade escrita na Constituição mas duramente reprimida nas ruas. E, no entanto, o regime alimentava-se também do folclore de manifestações de massas, arregimentadas pelos caciques e transportadas gratuitamente até Lisboa para simular aquilo que o poder não tinha de todo: a legitimidade do apoio popular. Famalicão Presente! Cabeceiras de Basto Presente! Covilhã Presente! Alandroal Presente!.
Era assim e dizia-se então que eram manifestações voluntárias: quem não ia perdia o emprego.
De maneira que, ao fim da tarde de domingo, ia caindo das nuvens quando me apercebi, pela reportagem do José Manuel Mestre, na SIC, que aquela gente simples que enchia o Hotel Altis e que depois foi gentilmente posta na rua para dar lugar aos VIP e para fazer número em frente do autocarro-palanque do PS, aquela gente não sabia ao que vinha, tinha sido arrebanhada pelo autarca socialista da respectiva terrinha para vir a Lisboa. Soube depois pelos jornais que uns foram desviados de uma peregrinação a Fátima, outros de uma visita ao Oceanário, etc.
Não acredito que este embuste fosse iniciativa do Partido Socialista para aclamar uma eleição democrática e para dar um colorido nacional à vitória em Lisboa.
Mas acredito que o velho caciquismo não se dissolveu na democracia, que está onde estiver o poder e que o poder, já que ele existe, o utiliza.
Bem ficava ao PS, em vez de minimizar esta coisa irrelevante, de rodapé, que desautorizasse os seus caciques.
J.P.Guerra
O cartaz tinha naquela época um enorme significado.
O direito de manifestação durante o regime salazarento era uma formalidade escrita na Constituição mas duramente reprimida nas ruas. E, no entanto, o regime alimentava-se também do folclore de manifestações de massas, arregimentadas pelos caciques e transportadas gratuitamente até Lisboa para simular aquilo que o poder não tinha de todo: a legitimidade do apoio popular. Famalicão Presente! Cabeceiras de Basto Presente! Covilhã Presente! Alandroal Presente!.
Era assim e dizia-se então que eram manifestações voluntárias: quem não ia perdia o emprego.
De maneira que, ao fim da tarde de domingo, ia caindo das nuvens quando me apercebi, pela reportagem do José Manuel Mestre, na SIC, que aquela gente simples que enchia o Hotel Altis e que depois foi gentilmente posta na rua para dar lugar aos VIP e para fazer número em frente do autocarro-palanque do PS, aquela gente não sabia ao que vinha, tinha sido arrebanhada pelo autarca socialista da respectiva terrinha para vir a Lisboa. Soube depois pelos jornais que uns foram desviados de uma peregrinação a Fátima, outros de uma visita ao Oceanário, etc.
Não acredito que este embuste fosse iniciativa do Partido Socialista para aclamar uma eleição democrática e para dar um colorido nacional à vitória em Lisboa.
Mas acredito que o velho caciquismo não se dissolveu na democracia, que está onde estiver o poder e que o poder, já que ele existe, o utiliza.
Bem ficava ao PS, em vez de minimizar esta coisa irrelevante, de rodapé, que desautorizasse os seus caciques.
J.P.Guerra
Etiquetas: Autarcas, Partido Socialista
6 Comments:
Quando a abstenção verificada no passado domingo nas eleições intercalares para a Câmara de Lisboa, 62,6 por cento, só é superada pela do primeiro Referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez em 1998, que foi de 68 por cento e nas eleições para o Parlamento Europeu em 1994, 64,42 por cento, quem em boa consciência pode festejar os resultados obtidos?
A análise comparativa dos resultados de 2007 e de 2005 é verdadeiramente confrangedora pela demonstração do agravamento do desinteresse dos eleitores pelo acto eleitoral.
Se aplicássemos o método de Hondt considerando que abstenção era candidata, dos 17 vereadores em jogo só 4 não seriam seus. O PS ficava com 2, o 6º e 15º, Carmona era eleito em 12º e Fernando Negrão em 13º.
Imagine-se que a candidatura do Partido Socialista, protagonizada por António Costa, que atingiu 29,5 por cento e 6 mandatos contra a anterior de Manuel Maria Carrilho, que em 2005 teve 26,6 por cento e 5 mandatos, cresceu 2,98 por cento na percentagem eleitoral e teve menos 17.115 votos em valor absoluto, uma quebra de 22,81 por cento.
O desencanto dos eleitores de Lisboa expresso no desinteresse por esta eleição é de tal modo que para o partido vencedor apresentar uma festa popular compostinha para a comunicação social, teve de ir buscar reforços a locais tão distantes da capital como Alandroal, Cabeceiras de Basto e Famalicão.
Numa acção de turismo eleitoral, o pacote dos festejos incluía, conforme os grupos, idas à praia (azarados esteve mau tempo), a Mafra, a Fátima e ao Oceanário no Parque das Nações. Nunca, estando a época balnear ainda no seu início, se tinham visto uns lisboetas tão tisnados pelo sol e com tanto sotaque regional.
Os eleitores que aprovaram a proposta da candidatura vencedora não são suficientes para encher o estádio da Luz.
Assim percebe-se mal a felicidade dos vencedores, bem patente nos media de hoje, que deviam sobremaneira reflectir sobre o fosso cada vez mais profundo que se está a criar entre a classe política e as populações e arrepiar caminho na sua prática de muitas promessas eleitorais e de baixo cumprimento das mesmas quando atinge o poder, sem qualquer correspondência entre o prometido e o verdadeiramente efectuado.
A direita conheceu a sua maior derrota de sempre não conseguindo sequer capitalizar minimamente o descontentamento, o partido de Paulo Portas eclipsou-se. À imagem do que noutras autárquicas acontecera ao PS, o PSD entrou em convulsão.
É altura dos nossos políticos assumirem as suas responsabilidades na situação em vez de culpabilizarem o Verão que não houve, as férias e outras desculpas de que se lembrem à última hora.
A falta de credibilidade é assustadora.
A prazo este divórcio abre caminho ao aparecimento de qualquer salvador de última hora com os resultados que a história nos tem ensinado.
Por tudo isto não se entende muito bem de que se riem, a não ser que de si próprios, e o que verdadeiramente festejam.
«As eleições são muito dadas a percentagens, mas não há nada como os números redondos. E os números redondos são estes: nove em cada dez lisboetas não votaram em António Costa. Tudo bem somadinho, o alegado grande vencedor da noite obteve 57 907 votos. Já vi mais gente no Estádio da Luz durante um Benfica-Gil Vicente.»
No: Diário de Notícias
«No entanto, frases como "não sei quem ele é", "vinha numa excursão e trouxeram-me para aqui" e "deram-me uma bandeira mas nem sei para quê" ficaram a marcar os festejos socialistas e causaram estranheza em Cabeceiras. Já ontem, José Lages, um dos idosos que foi à capital, disse ao JN que foi "para dar um passeio a Fátima. Ninguém me disse que íamos a Lisboa". Já António Badim tinha a informação de que, depois de Fátima, "tínhamos um ajuntamento do PS em Lisboa". Este idoso referiu ainda que não pagou nada porque o convite foi feito pela Câmara Municipal.
A autarquia não se quis pronunciar por, alegadamente, "não ter nada a ver com o assunto". Na viagem participaram pelo menos dois presidente de junta eleitos pelo PS, com quem o JN falou em Lisboa Avelino Sousa, eleito em Vila Nune, e Armando Duro, presidente da junta de Arco de Baúlhe, que justificou a adesão das mais de 100 pessoas com o facto de estarem gratas pelo desenvolvimento do concelho, desde que o PS está no poder. China Pereira, líder da Comissão Política Concelhia do PS, desmente que tenha sido a autarquia a custear a viagem. "Foi uma iniciativa do PS e as pessoas sabiam que iam à festa do António Costa". Quanto ao envolvimento da edilidade, China Pereira entende que "é natural que as pessoas confundam devido à idade".
O líder local dos socialistas diz que apenas se limitou a responder da melhor forma a um apelo do PS nacional, para que as pessoas se associassem à festa de Lisboa. "As despesas foram custeadas pelo PS e a grande maioria das pessoas que foram são militantes", disse.»
No: Jornal de Notícias
Os idosos de Cabeceiras de Basto desorientados no meio da festa socialista lisboeta são sintomáticos daquilo em que o poder local, de esquerda e de direita, transformou o povo deste país: os reformados, os que precisam do subsídio disto e daquilo, os que pediram a casa no bairro municipal, os que nunca estarão suficientemente agradecidos pelo emprego dos filhos e da nora na câmara, os que esperam pela vaga para os netos na creche... estão sempre disponíveis para fazerem mais um passeio «daqueles da câmara» que os levam a Fátima, à Nazaré e se for preciso a um qualquer acontecimento partidário.
Não queriam o estado social? Aí o têm na versão municipal.
Todas aquelas pessoas passam a vida a mostrar as declarações do IRS para terem direito a mais isto e ficarem isentas de mais aquilo. Calculo que vá agora grande tumulto em Cabeceiras de Basto por algum inábil ter deixado os jornalistas aproximarem-se de microfone na mão daquelas pessoas que só deviam ter agitado a bandeirinha. Contudo, se repararem bem, no meio do Altis eles repetiam que eram de Cabeceiras de Basto com uma invejável convicção acerca dessa pertença. Duvido que algum lisboeta afirmasse assim a sua condição, quase como quem mostra um salvo-conduto, caso se visse perdido no tempo e no espaço.
Mas de que serve ser de Cabeceiras de Basto no Altis? De nada. E igualmente me parece que de nada tem servido que a CML seja de direita ou de esquerda: mil e duzentos milhões de euros de dívida. Doze mil funcionários que se dividem em três centenas de departamentos e divisões. Um número incerto de empresas municipais não só porque algumas delas, como acontece com a EPUL, ainda criaram outras mas também porque empresa municipal criada jamais é extinta mesmo que já não tenha razão de existir. Por exemplo, quem trata dos esgotos de Lisboa: a EMARLIS ou a SIMTEJO? Ou será que Lisboa sustenta duas empresas municipais para o mesmo efeito? Será, será.
Se seguirmos o rasto do desmando autárquico alfacinha encontramos a direita e a esquerda unidas na concepção da CML como uma estrutura que se clona administrativamente, que gasta indefinidamente e cujos membros, sejam eles do partido vencedor ou das oposições, têm usado quer a CML quer as empresas municipais para colocar, em cargos de assessoria e administração, a clientela dos partidos e respectivos familiares. Em Lisboa é mais fácil criar uma gigantesca empresa municipal do que mexer na mais pequena das 53 juntas de freguesia da cidade. Pela simples razão de que nas empresas municipais haverá sempre um emprego para mais um e que ao tentar reformar o mais ínfimo serviço todos aqueles que gerem a CML temem perder postos e poder.
Realmente os lisboetas não vão em excursão animar as festas partidárias de Cabeceiras de Basto mas isso não os tem isentado do pagamento dum largo tributo ao caciquismo político.
Porque é que um partido laico e republicano organiza uma excursão de militantes a Fátima? Além da gritante incoerência, este tipo de iniciativas denuncia o populismo repugnante do Partido Socialista de Cabeceiras de Basto.
Reagindo ao facto de alguns dos idosos transportados até Lisboa terem dito que a viagem era paga pela Câmara, China Pereira, líder da concelhia socialista de Cabeceiras de Basto, considera que "é natural que as pessoas confundam devido à idade". Eu vou mais longe: é naturalíssimo. O que não é natural é que o PS tenha levado para o circo de Lisboa precisamente as pessoas que se confundem devido à idade, num inaceitável aproveitamento da confusão alheia.
No fundo, estas notícias não passam de singelos acrescentos aos ecos que nos chegam das terras de Basto. Terras onde o bafio fascista ainda tem demasiados protagonistas (e apoiantes).
Podiam ter ido bailar à Quinta da Malafaia e assistir à missa do Sameiro, mas, desta vez, os idosos do Arco de Baúlhe foram rezar a Fátima e gritar ao Altis. Quem pagou? A candidatura de Costa ou a Distrital do PS-Braga? É que, nem quero acreditar que a factura não foi paga por nenhuma destas hipóteses.
Mas, independentemente de quem pagou, torna-se evidente que a subserviência de Joaquim Barreto, líder da Distrital de Braga do PS, relativamente aos interesses de Lisboa e aos desígnios do partido socialista se sobrepõe às necessidades do povo cá da terra.
Tudo isto é ainda mais repugnante porque se tratam de idosos que não sabiam muito bem ao que iam. Não terá António Costa apoiantes mais jovens no Minho? Ou será que não houve, entre os mais jovens, quem estivesse disposto a participar em tamanho espectáculo circense?
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