CONTRA O MEDO, LIBERDADE
A crítica é olhada com suspeita,
o seguidismo transformado
em virtude
o seguidismo transformado
em virtude
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Não vivemos em ditadura, nem sequer é legítimo falar de deriva autoritária. As instituições democráticas funcionam. Então porquê a sensação de que nem sempre convém dizer o que se pensa? Porquê o medo? De quem e de quê? Talvez os fantasmas estejam na própria sociedade e sejam fruto da inexistência de uma cultura de liberdade individual.
Sottomayor Cardia escreveu, ainda estudante, que “só é livre o homem que liberta”. Quem se cala perante a delação e o abuso está a inculcar o medo. Está a mutilar a sua liberdade e a ameaçar a liberdade dos outros. Ora isso é o que nunca pode acontecer em democracia. E muito menos num partido como o PS, que sempre foi um partido de homens e mulheres livres, “o partido sem medo”, como era designado em 1975. Um partido que nasceu na luta contra a ditadura e que, depois do 25 de Abril, não permitiu que os perseguidos se transformassem em perseguidores, mostrando ao mundo que era possível passar de uma ditadura para a democracia sem cair noutra ditadura de sinal contrário.
Na campanha do penúltimo congresso socialista, em 2004, eu disse que havia medo. Medo de falar e de tomar livremente posição. Um medo resultante da dependência e de uma forma de vida partidária reduzida a seguir os vencedores (nacionais ou locais) para assim conquistar ou não perder posições (ou empregos). Medo de pensar pela própria cabeça, medo de discordar, medo de não ser completamente alinhado. No PS sempre houve sensibilidades, contestatários, críticos, pessoas que não tinham medo de dizer o que pensam e de ser contra quando entendiam que deviam ser contra. Aliás, os debates desse congresso, entre Sócrates, eu próprio e João Soares, projectaram o PS para fora de si mesmo e contribuíram em parte para a vitória alcançada nas legislativas. Mas parece que foram o canto do cisne. Ora o PS não pode auto-amordaçar-se, porque isso seria o mesmo que estrangular a sua própria alma.
Há, é claro, o álibi do governo e da necessidade de reduzir o défice para respeitar os compromissos assumidos com Bruxelas. O governo é condicionado a aplicar medidas decorrentes de uma Constituição económica europeia não escrita, que obriga os governos a atacar o seu próprio modelo social, reduzindo os serviços públicos, sobrecarregando os trabalhadores e as classes médias, que são pilares da democracia, impondo a desregulação e a flexigurança e agravando o desemprego, a precariedade e as desigualdades. Não necessariamente por maldade do governo. Mas porque a isso obriga o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) conjugado com as Grandes Orientações de Política Económica. Sugeri, em tempos, que se deveria aproveitar a presidência da União Europeia para lançar o debate sobre a necessidade de rever o PEC. O Presidente Sarkozy tomou a iniciativa de o fazer. Gostei de ouvir Sócrates a manifestar-se contra o pensamento único. Mas é este que condiciona e espartilha em grande parte a acção do seu governo.
Não vou demorar-me sobre a progressiva destruição do Serviço Nacional de Saúde, com, entre outras coisas, as taxas moderadoras sobre cirurgias e internamentos. Nem sobre o encerramento de serviços que agrava a desertificação do interior e a qualidade de vida das pessoas. Nem sobre a proposta de lei relativa ao regime do vínculo da Administração Pública, que reduz as funções do Estado à segurança, à autoridade e às relações internacionais, incluindo missões militares, secundarizando a dimensão administrativa dos direitos sociais. Nem sobre controversas alterações ao estatuto dos jornalistas em que têm sido especialmente contestadas a crescente desprotecção das fontes, com o que tal representa de risco para a liberdade de imprensa, assim como a intromissão indevida de personalidades e entidades na respectiva esfera deontológica. Nem sobre o cruzamento de dados relativos aos funcionários públicos, precedente grave que pode estender-se a outros sectores da sociedade. Nem ainda sobre a tendência privatizadora que, ao contrário do Tratado de Roma, onde se prevê a coexistência entre o público, o privado e o social, está a atingir todos os sectores estratégicos, incluindo a Rede Eléctrica Nacional, as Águas de Portugal e o próprio ensino superior, cujo novo regime jurídico, apesar das alterações introduzidas no parlamento, suscita muitas dúvidas, nomeadamente no que respeita ao princípio da autonomia universitária.
Todas estas questões, como muitas outras, são susceptíveis de ser discutidas e abordadas de diferentes pontos de vista. Não pretendo ser detentor da verdade. Mas penso que falta uma estratégia que dê um sentido de futuro e de esperança a medidas, algumas das quais tão polémicas, que estão a afectar tanta gente ao mesmo tempo.
Há também o álibi da presidência da União Europeia. Até agora, concordo com a acção do governo. A cimeira com o Brasil e a eventual realização da cimeira com África vieram demonstrar que Portugal, pela História e pela língua, pode ter um papel muito superior ao do seu peso demográfico. Os países não se medem aos palmos. E ao contrário do que alguém disse, devemos orgulhar-nos de que venha a ser Portugal, em vez da Alemanha, a concluir o futuro Tratado europeu. Parafraseando um biógrafo de Churchill, a presidência portuguesa, na cimeira com o Brasil, recrutou a língua portuguesa para a frente da acção política. Merece o nosso aplauso.
O que não merece palmas é um certo estilo parecido com o que o PS criticou noutras maiorias. Nem a capacidade de decisão erigida num fim em si mesma, quase como uma ideologia. A tradição governamentalista continua a imperar em Portugal. Quando um partido vai para o governo, este passa a mandar no partido que, pouco a pouco, deixa de ter e manifestar opiniões próprias. A crítica é olhada com suspeita, o seguidismo transformado em virtude.
Admito que a porta é estreita e que, nas circunstâncias actuais, as alternativas não são fáceis. Mas há uma questão em relação à qual o PS jamais poderá tergiversar: essa questão é a liberdade. E quem diz liberdade diz liberdades. Liberdade de informação, liberdade de expressão, liberdade de crítica, liberdade que, segundo um clássico, é sempre a liberdade de pensar de maneira diferente. Qualquer deriva nesta matéria seria para o PS um verdadeiro suicídio.
António Sérgio, que é uma das fontes do socialismo português, prezava o seu “querido talvez” por oposição ao espírito dogmático. E Antero de Quental chamava-nos a atenção para estarmos sempre alerta em relação a nós próprios, porque “mesmo quando nos julgamos muito progressistas, trazemos dentro de nós um fanático e um beato.” Temo que actualmente pouco ou nada se saiba destas e doutras referências.
Não se pode esquecer também a responsabilidade de um poder mediático que orienta a agenda política para o culto dos líderes, o estereotipo e o espectáculo, em detrimento do debate de ideias, da promoção do espírito crítico e da pedagogia democrática. Tenho por vezes a impressão de que certos políticos e certos jornalistas vivem num país virtual, sem povo, sem história nem memória.
Não tenho qualquer questão pessoal com José Sócrates, de quem muitas vezes discordo mas em quem aprecio o gosto pela intervenção política. O que ponho em causa é a redução da política à sua pessoa. Responsabilidade dele? A verdade é que não se perfilam, por enquanto, nenhumas alternativas à sua liderança. Nem dentro do PS nem, muito menos, no PSD. Ora isto não é bom para o próprio Sócrates, para o PS e para a democracia. Porque é em situações destas que aparecem os que tendem a ser mais papistas que o papa. E sobretudo os que se calam, os que de repente desatam a espiar-se uns aos outros e os que por temor, veneração e respeitinho fomentam o seguidismo e o medo.
Sei, por experiência própria, que não é fácil mudar um partido por dentro. Mas também sei que, assim como, em certos momentos, como fez o PS no verão quente de 75, um partido pode mobilizar a opinião pública para combates decisivos, também pode suceder, em outras circunstâncias, como nas presidenciais de 2006 e, agora, em Lisboa, que os cidadãos, pela abstenção ou pelo voto, punam e corrijam os desvios e o afunilamento dos partidos políticos. Há mais vida para além das lógicas de aparelho. Se os principais partidos não vão ao encontro da vida, pode muito bem acontecer que a recomposição do sistema se faça pelo voto dos cidadãos. Tanto no sentido positivo como negativo, se tal ocorrer em torno de uma qualquer deriva populista. Há sempre esse risco. Os principais inimigos dos partidos políticos são aqueles que, dentro deles, promovem o seu fechamento e impedem a mudança e a abertura.
Por isso, como em tempo de outros temores escreveu Mário Cesariny: “Entre nós e as palavras, o nosso dever falar.” Agora e sempre contra o medo, pela liberdade.
Manuel Alegre
Nasci e cresci num Portugal onde vigorava o medo. Contra eles lutei a vida inteira. Não posso ficar calado perante alguns casos ultimamente vindos a público. Casos pontuais, dir-se-á. Mas que têm em comum a delação e a confusão entre lealdade e subserviência. Casos pontuais que, entretanto, começam a repetir-se. Não por acaso ou coincidência. Mas porque há um clima propício a comportamentos com raízes profundas na nossa história, desde os esbirros do Santo Ofício até aos bufos da Pide. Casos pontuais em si mesmos inquietantes. E em que é tão condenável a denúncia como a conivência perante ela.
Não vivemos em ditadura, nem sequer é legítimo falar de deriva autoritária. As instituições democráticas funcionam. Então porquê a sensação de que nem sempre convém dizer o que se pensa? Porquê o medo? De quem e de quê? Talvez os fantasmas estejam na própria sociedade e sejam fruto da inexistência de uma cultura de liberdade individual.
Sottomayor Cardia escreveu, ainda estudante, que “só é livre o homem que liberta”. Quem se cala perante a delação e o abuso está a inculcar o medo. Está a mutilar a sua liberdade e a ameaçar a liberdade dos outros. Ora isso é o que nunca pode acontecer em democracia. E muito menos num partido como o PS, que sempre foi um partido de homens e mulheres livres, “o partido sem medo”, como era designado em 1975. Um partido que nasceu na luta contra a ditadura e que, depois do 25 de Abril, não permitiu que os perseguidos se transformassem em perseguidores, mostrando ao mundo que era possível passar de uma ditadura para a democracia sem cair noutra ditadura de sinal contrário.
Na campanha do penúltimo congresso socialista, em 2004, eu disse que havia medo. Medo de falar e de tomar livremente posição. Um medo resultante da dependência e de uma forma de vida partidária reduzida a seguir os vencedores (nacionais ou locais) para assim conquistar ou não perder posições (ou empregos). Medo de pensar pela própria cabeça, medo de discordar, medo de não ser completamente alinhado. No PS sempre houve sensibilidades, contestatários, críticos, pessoas que não tinham medo de dizer o que pensam e de ser contra quando entendiam que deviam ser contra. Aliás, os debates desse congresso, entre Sócrates, eu próprio e João Soares, projectaram o PS para fora de si mesmo e contribuíram em parte para a vitória alcançada nas legislativas. Mas parece que foram o canto do cisne. Ora o PS não pode auto-amordaçar-se, porque isso seria o mesmo que estrangular a sua própria alma.
Há, é claro, o álibi do governo e da necessidade de reduzir o défice para respeitar os compromissos assumidos com Bruxelas. O governo é condicionado a aplicar medidas decorrentes de uma Constituição económica europeia não escrita, que obriga os governos a atacar o seu próprio modelo social, reduzindo os serviços públicos, sobrecarregando os trabalhadores e as classes médias, que são pilares da democracia, impondo a desregulação e a flexigurança e agravando o desemprego, a precariedade e as desigualdades. Não necessariamente por maldade do governo. Mas porque a isso obriga o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) conjugado com as Grandes Orientações de Política Económica. Sugeri, em tempos, que se deveria aproveitar a presidência da União Europeia para lançar o debate sobre a necessidade de rever o PEC. O Presidente Sarkozy tomou a iniciativa de o fazer. Gostei de ouvir Sócrates a manifestar-se contra o pensamento único. Mas é este que condiciona e espartilha em grande parte a acção do seu governo.
Não vou demorar-me sobre a progressiva destruição do Serviço Nacional de Saúde, com, entre outras coisas, as taxas moderadoras sobre cirurgias e internamentos. Nem sobre o encerramento de serviços que agrava a desertificação do interior e a qualidade de vida das pessoas. Nem sobre a proposta de lei relativa ao regime do vínculo da Administração Pública, que reduz as funções do Estado à segurança, à autoridade e às relações internacionais, incluindo missões militares, secundarizando a dimensão administrativa dos direitos sociais. Nem sobre controversas alterações ao estatuto dos jornalistas em que têm sido especialmente contestadas a crescente desprotecção das fontes, com o que tal representa de risco para a liberdade de imprensa, assim como a intromissão indevida de personalidades e entidades na respectiva esfera deontológica. Nem sobre o cruzamento de dados relativos aos funcionários públicos, precedente grave que pode estender-se a outros sectores da sociedade. Nem ainda sobre a tendência privatizadora que, ao contrário do Tratado de Roma, onde se prevê a coexistência entre o público, o privado e o social, está a atingir todos os sectores estratégicos, incluindo a Rede Eléctrica Nacional, as Águas de Portugal e o próprio ensino superior, cujo novo regime jurídico, apesar das alterações introduzidas no parlamento, suscita muitas dúvidas, nomeadamente no que respeita ao princípio da autonomia universitária.
Todas estas questões, como muitas outras, são susceptíveis de ser discutidas e abordadas de diferentes pontos de vista. Não pretendo ser detentor da verdade. Mas penso que falta uma estratégia que dê um sentido de futuro e de esperança a medidas, algumas das quais tão polémicas, que estão a afectar tanta gente ao mesmo tempo.
Há também o álibi da presidência da União Europeia. Até agora, concordo com a acção do governo. A cimeira com o Brasil e a eventual realização da cimeira com África vieram demonstrar que Portugal, pela História e pela língua, pode ter um papel muito superior ao do seu peso demográfico. Os países não se medem aos palmos. E ao contrário do que alguém disse, devemos orgulhar-nos de que venha a ser Portugal, em vez da Alemanha, a concluir o futuro Tratado europeu. Parafraseando um biógrafo de Churchill, a presidência portuguesa, na cimeira com o Brasil, recrutou a língua portuguesa para a frente da acção política. Merece o nosso aplauso.
O que não merece palmas é um certo estilo parecido com o que o PS criticou noutras maiorias. Nem a capacidade de decisão erigida num fim em si mesma, quase como uma ideologia. A tradição governamentalista continua a imperar em Portugal. Quando um partido vai para o governo, este passa a mandar no partido que, pouco a pouco, deixa de ter e manifestar opiniões próprias. A crítica é olhada com suspeita, o seguidismo transformado em virtude.
Admito que a porta é estreita e que, nas circunstâncias actuais, as alternativas não são fáceis. Mas há uma questão em relação à qual o PS jamais poderá tergiversar: essa questão é a liberdade. E quem diz liberdade diz liberdades. Liberdade de informação, liberdade de expressão, liberdade de crítica, liberdade que, segundo um clássico, é sempre a liberdade de pensar de maneira diferente. Qualquer deriva nesta matéria seria para o PS um verdadeiro suicídio.
António Sérgio, que é uma das fontes do socialismo português, prezava o seu “querido talvez” por oposição ao espírito dogmático. E Antero de Quental chamava-nos a atenção para estarmos sempre alerta em relação a nós próprios, porque “mesmo quando nos julgamos muito progressistas, trazemos dentro de nós um fanático e um beato.” Temo que actualmente pouco ou nada se saiba destas e doutras referências.
Não se pode esquecer também a responsabilidade de um poder mediático que orienta a agenda política para o culto dos líderes, o estereotipo e o espectáculo, em detrimento do debate de ideias, da promoção do espírito crítico e da pedagogia democrática. Tenho por vezes a impressão de que certos políticos e certos jornalistas vivem num país virtual, sem povo, sem história nem memória.
Não tenho qualquer questão pessoal com José Sócrates, de quem muitas vezes discordo mas em quem aprecio o gosto pela intervenção política. O que ponho em causa é a redução da política à sua pessoa. Responsabilidade dele? A verdade é que não se perfilam, por enquanto, nenhumas alternativas à sua liderança. Nem dentro do PS nem, muito menos, no PSD. Ora isto não é bom para o próprio Sócrates, para o PS e para a democracia. Porque é em situações destas que aparecem os que tendem a ser mais papistas que o papa. E sobretudo os que se calam, os que de repente desatam a espiar-se uns aos outros e os que por temor, veneração e respeitinho fomentam o seguidismo e o medo.
Sei, por experiência própria, que não é fácil mudar um partido por dentro. Mas também sei que, assim como, em certos momentos, como fez o PS no verão quente de 75, um partido pode mobilizar a opinião pública para combates decisivos, também pode suceder, em outras circunstâncias, como nas presidenciais de 2006 e, agora, em Lisboa, que os cidadãos, pela abstenção ou pelo voto, punam e corrijam os desvios e o afunilamento dos partidos políticos. Há mais vida para além das lógicas de aparelho. Se os principais partidos não vão ao encontro da vida, pode muito bem acontecer que a recomposição do sistema se faça pelo voto dos cidadãos. Tanto no sentido positivo como negativo, se tal ocorrer em torno de uma qualquer deriva populista. Há sempre esse risco. Os principais inimigos dos partidos políticos são aqueles que, dentro deles, promovem o seu fechamento e impedem a mudança e a abertura.
Por isso, como em tempo de outros temores escreveu Mário Cesariny: “Entre nós e as palavras, o nosso dever falar.” Agora e sempre contra o medo, pela liberdade.
Manuel Alegre
Não posso ficar calado perante alguns casos ultimamente vindos a público.
Casos pontuais, dir-se-á. Mas que têm em comum a delação e a confusão entre lealdade e subserviência. Casos pontuais que, entretanto, começam a repetir-se.
Não vivemos em ditadura, nem sequer é legítimo falar de deriva autoritária.As instituições democráticas funcionam. Então porquê a sensação de que nem sempre convém dizer o que se pensa? Porquê o medo? De quem e do quê?
Sottomayor Cardia escreveu, ainda estudante, que "só é livre o homem que liberta".
Quem se cala perante a delação e o abuso está a inculcar o medo. Está a mutilar a sua liberdade e ameaçar a liberdade dos outros. Ora, isso é o que nunca pode acontecer em democracia. E muito menos num partido como o PS.
Os debates desse congresso, entre Sócrates, eu próprio e João Soares, projectaram o PS para fora de si mesmo e contribuíram em parte para a vitória alcançada nas legislativas. Mas parece que foram o canto de cisne.
Há um clima propício a comportamentos com raízes profundas na nossa história, desde os esbirros do Santo Ofício até aos bufos da PIDE.
Etiquetas: Partido Socialista
13 Comments:
Manuel Alegre, neste seu artigo chama os "bois pelos nomes", ainda há militantes sérios no PS, que não estão no governo.
«Mas que têm em comum a delação e a confusão entre lealdade e subserviência. Casos pontuais que, entretanto, começam a repetir-se. Não por acaso ou coincidência. Mas porque há um clima propício a comportamentos com raízes profundas na nossa história, desde os esbirros do Santo Ofício até aos bufos da PIDE. Casos pontuais em si mesmos inquietantes. E em que é tão condenável a denúncia como a conivência perante ela.»
«Não vivemos em ditadura, nem sequer é legítimo falar de deriva autoritária. As instituições democráticas funcionam. Então porquê a sensação de que nem sempre convém dizer o que se pensa? Porquê o medo? De quem e de quê? Talvez os fantasmas estejam na própria sociedade e sejam fruto da inexistência de uma cultura de liberdade individual.»
Muitas verdades...
Amanhã na Visão é a vez da António Arnaut:
«Não há marcas de esquerda neste Governo»
António Arnaut, fundador do PS, ex-Ministro dos Assuntos Sociais e antigo grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, dá uma entrevista na VISÃO de amanhã em que arrasa Sócrates, acusa Correia de Campos e diz que o PS «perdeu alma e identidade»
Em entrevista a publicar na edição de amanhã, António Arnaut, fundador do PS, ex-Ministro dos Assuntos Sociais e antigo grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, arrasa as políticas de Sócrates, acusa Correia de Campos de contribuir para o definhamento do Serviço Nacional de Saúde e lamenta que o PS tenha perdido «alma e de identidade», desviando-se «para a direita». Antecipamos tópicos da entrevista e revelamos o essencial do romance autobiográfico – e polémico - que o advogado lançará em Setembro.
Não é um homem qualquer. Fundou o PS com Mário Soares e é considerado o «pai» do Serviço Nacional de Saúde. Maçon assumido, antigo grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, estes são os desabafos de um homem que, aos 71 anos, vê o seu partido de sempre perder «alma e identidade» às mãos de uma geração sem passado e sem ideias «que aprendeu os ensinamentos de Maquiavel».
Na entrevista a publicar na edição da VISÃO desta quinta-feira, António Arnaut faz o diagnóstico da governação e considera que, perante o percurso e a prática do partido, já quase só lhe faltaria sair do PS se tivesse para onde ir. Entre outras coisas, o antigo ministro dos Assuntos Sociais considera que o Primeiro-Ministro José Sócrates não tem a vivência socialista «que se exigiria a um líder do PS» e confessa-se desiludido com o facto de não haver «marcas de esquerda» nas políticas do Governo.
Livro polémico na calha
Em Setembro, entretanto, chegará às livrarias o romance autobiográfico de António Arnaut. Intitulado Rio de Sombras (Coimbra Editora), a obra retrata 20 anos de vida política do protagonista (de 1968 a 1988), fazendo luz sobre «os canos de esgoto e os subterrâneos» da actividade política, «as traições e misérias» do ser humano. «Apesar de ser um romance, os acontecimentos que relato ocorreram mesmo». Mário Soares, Sá Carneiro, Ramalho Eanes, entre outros, aparecem, com nome próprio, nas circunstâncias históricas presenciadas pelo autor. «Esses não são personagens. Não os ponho a dizer nada que não tenham dito».
O livro tem, de resto, alguns atractivos. Arnaut cita, por exemplo, uma carta – de facto, existente no arquivo do Grande Oriente Lusitano - que Álvaro Cunhal escreveu a um membro da Maçonaria, explicando-lhe porque não poderia ser maçon e ao mesmo tempo militante do PCP.
Polémica também não falta. O autor revela – embora sem citar o nome – o caso de um indivíduo que comprou ao PS o lugar de deputado por uma questão de vaidade. O episódio ocorreu nos anos 80 e o partido aceitou mantê-lo seis meses no Parlamento mediante o pagamento de um determinado valor. Arnaut fala do assunto na entrevista de amanhã e confessa: «Hoje está pior».
Com ezste PS de Sócrates até acontece isto:
- Mulher do mandatário financeiro de António Costa investiga corrupção na Câmara de Lisboa
Maria José Morgado vai liderar investigação à corrupção na Câmara de Lisboa
Com o seu artigo (Público, 25.7.2007), Manuel Alegre não só estragou o dia a José Sócrates, como ainda por cima lhe condicionou irremediavelmente a entrevista de logo à noite.
Pequenos prazeres que a vida lhe proporciona...
Quanto ao essencial, alguém me dizia ontem que Alegre poderia estar a preparar o caminho para a constituição de um novo partido, que já participaria nas eleições de 2009.
Se está, ou não, não sei.
O que sei é que Alegre tem dois testes na carteira -- as presidenciais e, por intermédio de Helena Roseta, as intercalares de Lisboa -- e, consequentemente, já tem uma ideia de quanto pode valer.
O novo partido pode não ver a luz do dia, mas o valor político de Alegre está em ascensão.
O seu silêncio e a sua disciplina têm um preço elevado.
Veremos se Sócrates está disponível para o pagar.
Está tudo dito, «Sei, por experiência própria, que não é fácil mudar um partido político por dentro. Mas também sei que, (...) em outras circunstâncias, como nas presidenciais de 2006 e, agora, em Lisboa, que os cidadãos, pela abstenção ou pelo voto, punam e corrijam os desvios e o afunilamento dos partidos políticos. Há mais vida para além das lógicas de aparelho. Se os principais partidos não vão ao encontro da vida, pode muito bem acontecer que a recomposição do sistema se faça pelo voto dos cidadãos. Tanto no sentido positivo como negativo, se tal ocorrer em torno de uma qualquer deriva populista. Há sempre esse risco. Os principais inimigos dos partidos políticos são aqueles que, dentro deles, promovem o seu fechamento e impedem a mudança e a abertura.»
"Não posso estar calado perante alguns casos ultimamente vindos a público. Casos pontuais, dir-se-á. Mas que têm em comum a delação e a confusão entre lealdade e subserviência. Casos pontuais que, entretanto, começam a repetir-se".
"Há um clima propício a comportamentos com raízes profundas na nossa história, desde os esbirros do Santo Ofício até aos bufos da PIDE".
As frases são da autoria de Manuel Alegre, foram hoje dadas à estampa num artigo de opinião para o "Público", que aliás faz manchete com isto, e dão que pensar. Muito. Por este caminho, não me admira nada que o cenário político-partidário venha a alterar-se radicalmente até às eleições de 2009, ou logo depois delas. Ao centro-direita, com as lideranças de Marques Mendes e de Paulo Portas há claramente espaço para que surja um novo partido que possa aspirar a ter entre 10% e 15% dos votos e uma bancada parlamentar com mais de dez deputados. Santana Lopes, que há uns anos ameaçou lançar um PSL, está deserto para criar uma espécie de Aliança Democrática renascida. O resultado do seu ex-amigo Carmona Rodrigues demonstrou que há espaço para uma aventura destas. À esquerda, Manuel Alegre, nas presidenciais, e Helena Roseta, nas intercalares de Lisboa, provaram que pode aparecer por aí um MIC institucionalizado, que arrasaria metade da bancada do Bloco de Esquerda. As presidenciais e as intercalares de Lisboa podem muito bem ter sido uma espécie de balão de ensaio para o sistema mudar. O sistema está caduco e doente, mas também não sei se Santana e Alegre estarão dispostos a deixar os seus partidos de sempre. Os mesmos que lhes deram nome, projecção e impacto.
Há três anos, por esta altura, os deputados Manuel Alegre, José Sócrates e João Soares disputavam a liderança do PS. Sabemos o resultado. Um ano e meio depois, Alegre, à revelia do homem que o derrotou no partido, obtinha um milhão de votos nas presidenciais. Soares, o pai e candidato oficial, era humilhado com menos de 15%. O Joãozinho, o Soares pequenino, nunca contou para nada nesta disputa. Por isso, nem ele nem o pai - este só muito timidamente criticou alguns "aspectos" da "situação" - podem falar demasiado alto contra o absolutismo democrático de Sócrates. Sobra Alegre que, politicamente, pouco conta a não ser possuir uma bela voz e alguma iconoclastia partidária. Daí o artigo do Público, um derrame melancólico sobre a liberdade e o medo que nenhum de nós hesitaria subscrever. Imagino que o senhor presidente em exercício não se tenha sentido afectado pela prosa já que nunca levou Alegre a sério. Eu também não levo, mas gosto de gente que não alinha em manadas acéfalas e oportunistas. Sócrates, em apenas dois anos, já conseguiu irritar muita gente, sobretudo gente que votou nele. Que é "dele". Apesar disso, continua impávido e sereno como um promotor de margarina contra o colesterol num supermercado. Ainda ontem saiu de um daqueles "balcões electrónicos" que lhe inventaram para "facilitar" a "sociedade civil" e a única coisa que lhe ocorreu dizer foi que aquilo é tão bom, tão bom que "até apetece comprar uma casa". Faltou-lhe, no entanto, prodigalizar o dinheiro para se comprarem as ditas casas. E é por aí - e pela petulância sem substância que o caracteriza - que Sócrates e os seus acólitos começarão a cair, mais cedo do que a fartação de Cavaco que só se sentiu a pouco mais de um ano de ele dizer que se ia embora. Ninguém fora do PS o vai derrubar. Ninguém. Porventura nem Cavaco, num eventual segundo mandato em que esteja vivo. É o seu imenso vazio que, um dia, acabará com ele de vez.
Nota: Isto foi escrito antes de uma entrevista de Sócrates a uma televisão. Como dizia o outro, para esse peditório já dei.
Ao chamar a si a resposta ao artigo de Manuel Alegre o ministro do Trabalho, Vieira da Silva desempenhou o papel de "idiota de serviço". Antes de mais porque, tanto quanto se sabe os seus pergaminhos políticos não são suficientes para responder Alegre e porque ouvi-lo dizer que o governo se rege por «rigor, exigência e reforço democrático» só merece uma estrondosa gargalhada.
Há muito que o governo deixou de invocar as virtudes republicanas, transformou-se numa máquina desrespeitadora de valores que se julgavam defendido, fez figuras tristes que há muito estavam banidas das práticas do Estado, como foi o caso da perseguição política do professor Charrua.
A posição do ministro é um mau sinal, revela aquilo que todos sabemos, Sócrates e uma boa parte dos seus ministros não têm um pingo de humildade, consideram a maioria absoluta como um cheque em branco de arrogância, são incapazes de reconhecer os erros e, portanto, de mudar de atitude. É isso que esta resposta idiota sugere.
O país tem assistido nas últimas semanas a uma lamentável sucessão de casos que roçam a intimidação e a censura. As reacções a estes episódios, a princípio tímidas, começam a ganhar expressão. O ponto alto terá sido o artigo de Manuel Alegre no “Público” de ontem (cujas consequências, no PS, estão por apurar).
Não se sabe durante quanto tempo vai o Governo fechar os olhos a este desconforto. Embora a decisão de Maria de Lurdes Rodrigues (que já tinha lenha suficiente para se queimar?) sobre o caso Charrua faça temer o pior.
Mas que um ou outro ministro queira destruir a sua carreira, tudo bem. O problema é que a inabilidade com que o Governo tem tratado estes casos pode deitar por terra o que de bom tem feito noutras áreas. Por exemplo, começa a ser frequente utilizar os dois episódios, passados na tutela de dois dos ministros mais contestados (Saúde e Educação), para dizer que o Governo está a criar um clima de prepotência na Administração Pública. Quem tiver dois dedos de testa sabe que isto é um disparate. Mas não é assim que corre o risco de passar para a opinião pública, à conta da campanha que está a ser feita pelas corporações da Administração Pública.
E se a moda pega, cada atitude firme que o Governo venha a tomar no que lhe resta de mandato será equiparada a nepotismo. Ora aí está uma coisa que o país dispensa.
Manuel Alegre, que continua a ser socialista apesar do seu partido ter desistido de o ser, assina, no jornal Público, uma das mais realistas e convictas críticas ao governo de José Sócrates, recusando o papel de figurante no imenso drama trágico-cómico em que, uns e outros, transformaram este país.
Da delação de colegas de trabalho à perseguição de bloggers, do aluguer de velinhos para simular festas partidárias à contratação de crianças para propaganda governamental, do novo estatuto do jornalista à governamentalização das universidades, dos sucessivos aumentos de impostos às sempre adiadas reformas, os capítulos sucedem-se.
O regime está em doente e a descrença dos portugueses estende-se, justamente. a todos os partidos.
Até quando?
O Costa mais novo deu ante-ontem o mesmo triste espectáculo que já tinha dado a sua colega, quando entrevistou Sócrates sobre o seu falso diploma de engenheiro.
Felizmente eu estava na Guia a deliciar-me com uma maravilhosa frangalhada no Ramires e por isso não vi a entrevista em directo.
Mas ontem e hoje já tive a oportunidade de ver alguns excertos e aquilo que me foi dado ver foi, realmente, patético.
O desgraçado Costa - estava na cara! - só pôde fazer as perguntas combinadas. As previamente aprovadas pelo ditador aprendiz.
A pantomimeira encenação deste governo vai ao ponto de o primeiro ministro combinar com os "jornalistas" previamente as perguntas a responder e não quaisquer outras.
Mas mais: permite-se fazer exigências e impor condições sobre os entrevistadores e ou convidados (caso haja).
E não o esconde, sequer.
A ministra da educação, no prós e prós em que eu intervim, recusava-se a comparecer se a produção convidasse o Mário Nogueira, por exemplo.
Foi uma condição posta com toda a clareza. Por isso, a Fátima teve lá o Avelãs em vez do Nogueira.
A cara de agastado que Sócrates fez por duas ou três vezes, durante a entrevista do diploma falso, à entrevistadora que ousou pisar o risco, foi por demais reveladora deste estado de espítrito democrático de que Sócrates está profundamente embuído.
Esta manobra de propaganda clássica a que se reduziu a entrevista combinada e à medida - parece-me claramente - não convenceu mais do que aqueles que já estavam convencidos.
Posso não concordar com a discordância de Manuel Alegre em relação a algumas políticas governamentais, posso não concordar com Manuel Alegre no seu vaticínio de morte ao SNS, posso até não concordar com Manuel Alegre sobre a forma como se pretende ratificar o aposentado Tratado Reformado.
Mas felizmente que há algumas vozes no PS que dizem o que é elementar, ou seja, simplesmente dizem o que pensam, exprimem as suas opiniões, mesmo com o risco de ser menorizado, mesmo com o risco de se lhe colarem projectos de secessão, com as contabilidades bem organizadas, independentemente de existir ou não essa vontade ou intenção.
O perigo não está em Sócrates, está naqueles que o rodeiam, que o separam da realidade, naqueles que se calam, naqueles que são cúmplices.
Mesmo que o medo seja diferente do medo da época de Salazar, mesmo que o medo seja causado pela forte possibilidade do desemprego, pela crise económica e social, pelo individualismo, a verdade é que estamos limitados na nossa capacidade de sermos livres.
Dentro ou fora dos partidos, do governo e da oposição, é preciso que todos assumam as suas responsabilidades: falando, escrevendo, cantando, pintando, não vergando a todo e qualquer sintoma de medo.
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