quarta-feira, 12 de setembro de 2007

O QUE DIZ E O QUE NÃO DIZ MARCELO

Aristóteles dizia que a tragédia, para o ser, tinha de falar de dois sentimentos essenciais ao humano: o horror e a compaixão. Harold Pinter assegura que o teatro, em geral, é a história de uma criança magoada. E ambos ensinam que a vida constitui uma imperfeição desculpável.
Aplico estes conceitos ao teatro político português e o resultado é plausível, embora parcial.
Os principais actores em cena oscilam entre a preeminência do horror sobre a compaixão e uma prática moral infantilizada.
O que os impele a acções socialmente desprezíveis e politicamente reprováveis.

No domingo, Marcelo Rebelo de Sousa, que dorme duas horas e meia, lê tudo, dá aulas, assina pareceres e nada, vigorosamente, aos fins-de-semana, assinalou as semelhanças entre José Sócrates e Marques Mendes.
No retrato patusco, o dirigente socialista saiu beneficiado.
As frases, molhadas em cicuta.
Sócrates é melhor do que o outro porque mais desenvolto, tem um físico moldado em ginástica e em corridinhas, é veemente e determinado, veste melhor, o verbo roça a eloquência.
Comum a Mendes, o prazer da política, o gosto inextinguível de poder e a infatigável circunstância de ambos não saberem fazer outra coisa - disse Marcelo.

Tendo em conta os preopinantes da TVI, da SIC e da SIC Notícias, da RTP2 e da RTPN, o professor de Direito é, dizível e visivelmente, o melhor.
Inflecte, suavemente, para o disparate, quando repete: há dois anos atrás, mas sobra-lhe em verve e em ambiguidade o que a todos os outros escasseia em ironia e em risco.
Marcelo disse, no domingo, que os dois actores assinalados são iguais no melodrama português.
A constituição ideológica de ambos é atávica: procedem do mesmo ninho e da mesma periferia.
O primeiro lê; o segundo evita.
Mendes traz consigo o odor abafado e antigo dos solares do Minho.
Sócrates, lisboeta de afinidade e adopção, o calafrio da frescura matinal serrana.
A astúcia dos dois não representa presteza de espírito: fundamenta a manha provinciana de quem almeja conquistar a cidade grande.
Fazem lembrar Rastignac, a personagem de Balzac no Père Goriot, quando grita, perante Paris: Et maintenant, à nous deux!

A herança é esta, sugere, sibilino, Marcelo: não há solução alternativa, tendo em conta a ausência de opção.
Um apenas veste melhor do que o outro.
Eis a clamorosa diferença.
O sistema de equilíbrios neutraliza qualquer fenómeno político, que o pretenda alterar substancialmente, reduzindo-o a versões diferentes da mesma atitude fundamental.

Sócrates e Mendes caracterizam dois modos da mesma relação moderna com os valores: uma cacofonia por detrás da qual estão a insegurança e a frivolidade.


B.B.

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4 Comments:

At 12 de setembro de 2007 às 18:43, Anonymous Anónimo said...

E nós sabemos o quanto os portugueses se impressionam com gente que veste bem. E não estou a ser irónico.
Também concordo com a ideia da não existência de alternativa. É trágico. Contudo não consigo encontrar o herói na acção. Na tragédia clássica, o herói é aquele sobre quem recai todo o mal sem ter feito nada para merecê-lo. Podiamos pensar, para o papel, nos portugueses, no entanto estariamos a contrariar a afirmação feita no início. Será esta uma nova versão de tragédia? Porque tragédia é, de facto. Talvez ainda mais trágica... insolúvel e sem herói.

 
At 13 de setembro de 2007 às 11:42, Anonymous Anónimo said...

Vale a pena comparar a nossa imprensa, sem distinguir a rasca da que supostamente é de referência, com a imprensa estrangeira. Não para comparar jornais e jornalistas, mas vermos o país que somos e compará-lo com aquele que desejamos.

Abram um jornal espanhol e leiam “Zapatero e uma boa parte dos seus ministros e secretários de estado deixaram os gabinetes em Madrid e a presidência europeia para se fazerem acompanhar de anónimos jornalistas dos órgãos de comunicação social da capital e da imprensa regional em mais uma operação de distribuição de portáteis”. Não leram nem vão conseguir ler, nunca vi um primeiro-ministro espanhol fazer uma figura triste como esta.

Liguem a Sky e ouçam: “O ano escolar abriu e numa escola primária da Escócia ainda não há transporte escolar para onze crianças porque as propostas do concurso para contratar o transporte só serão abertas no dia seguinte ao do início das aulas.” Não vale a pena, em nenhum país da Europa isto é notícia (quase de abertura) de uma estação de televisão e muito menos de uma estação pública.

Dou-lhes cinco tostões e uma mão cheia de figos se encontrarem na imprensa de um qualquer país da Europa o caso de um professor que terá chamado f. da p. ao primeiro-ministro a ocupar, imprensa, parlamento e Presidente da República ou monarca a dedicarem semanas a tão importante assunto. Não faltam primeiros-ministros merecedores do adjectivo, professores com vontade de lhes ofender a mãe, presidentes e monarcas sem nada que fazer, mas nunca vi algo parecido.

O que diriam os ingleses se abrissem um jornal e ficassem a saber que o procurador-geral lá do sítio recebeu o presidente de um banco envolvido em crimes fiscais a título de cortesia, poucos dias depois de tomar posse? Chamar-lhe-iam saloio e, ainda por cima, temeriam pela justiça local pois só para receber meia city o procurador não faria mais nada durante dois meses.

Este país está a ficar pequenino, já de si o território não é grande e ainda por cima os espanhóis ficaram-nos com Olivença, mas, pior do que isso, abundam por cá as nano-personagens fazendo parecer que Portugal se está a transformar no cenário ideal o “Lilliput”. Temos governantes pequeninos, jornalistas pequeninos, magistrados pequeninos, enfim, grandes só os problemas que temos para resolver.

 
At 15 de setembro de 2007 às 07:35, Anonymous Anónimo said...

Concordo quase plenamente com B.B..Reconheço uma qualidade analítica de primeira. É champagne Cristal, se me permite. A minha " discordância", ou melhor, o meu diferente enfoque quanto à classe política de Abril é mais epistomológica que propriamente substantiva. A classe política que governa este País, para nosso mal e tragédia de Portugal, DESDE ABRIL, não tem qualidade; é medíocre quando não mesmo má de todo. Assim também os opinion makers, a maioria da imprensa e, sobretudo o estado geral de instrução e cultura da maioria da população. O ambiente "universitário" é rasteiro. A economia não arranca.Será escusado "listar" mais.Se nos ativermos na história de França, na segunda metade do séc.XIX, depois das aventuras napoleónicas e dos remendos das restaurações bourbónicas orleanistas e bonapartistas ( Napoleão III)observa-se uma crise a que chamaria de republicanismos, tomado este termo no sentido do tempo histórico, de corrupções, assassinatos, alpinismos sociais, políticas sem rumo. Aqui também, na França de XIX tudo foi tentado, fuzilado, barricado. De Waterloo às tragédias do Somme e Verdun. Foi em última análise a mediocridade e mesmo a estuporidão das élites.Recordar os escândalos do Canal do Panamá, Fachoda, o assassinato de Sadi Carnot, 1870 e Sédan, o caso Dreyfus..., os fuzilamentos dos comunard.Com a ressalva da distância e das proporções está lá tudo o que cá está há trinta anos. Teremos , a continuar assim, o nosso Verdun. Com este regimen e esta gente talvez só seja um mijo de gato. O regimen português não produzirá mais.Será o único mérito que tiveram os homens de Abril se a par da já presente dieta hipocalórica forçada do povo a par de doses de inculturação gargantuescas servidas pelas TVs,Escola, Imprensa não oferecerem ainda com a sua inépcia uns borbotões de eritrócitos por essas ruas. Como nos fazem falta um Camilo e um Eça...! Tudo isto se reduzirá ,como já referi à micção de um gato. SEMPREPAVIA.15/9/2007.

 
At 15 de setembro de 2007 às 07:39, Anonymous Anónimo said...

Errámos : epistemológica e comunards. É que neste caso não era só um eram aos bandos. Como cá. Q.E.D. SEMPRE PAVIA. 15/9/2007.

 

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