domingo, 14 de outubro de 2007

INDA QUE MAL PERGUNTE

1 O Tribunal de Contas já explicou detalhadamente como é que o Estado conseguiu fazer um contrato de financiamento para a construção da Ponte Vasco da Gama mediante o qual acabámos a pagar duas ou três vezes o custo da ponte. Brilhantes escritórios da advocacia de influências que conseguiram tal proeza para o seu cliente; pobres contribuintes que vivem do seu trabalho e a quem o Estado chega a levar metade do que ganham, entre impostos directos e indirectos, para construir pontes e outras coisas que tais; desgraçados doentes do Serviço Nacional de Saúde que esperam dois anos por uma consulta urgente porque o Estado não tem dinheiro para lhes acudir em condições, porque gasta o dinheiro dos impostos a pagar três pontes em vez de uma! Agora, li há dias num jornal que o Governo pondera a hipótese de indemnizar a Lusoponte por lucros cessantes, decorrentes da entrada em funcionamento de uma nova ponte sobre o Tejo, a montante da Vasco da Gama. Leiam bem: o Governo concluiu que uma nova ponte era uma necessidade pública premente, para melhor servir as pessoas da zona da lezíria. E mandou fazê-la, conforme era sua obrigação. Mas, ao satisfazer assim uma necessidade pública, considera que veio atingir interesses privados, os quais consistiam exactamente em não servir o interesse público, para evitar a concorrência: as pessoas que dessem uma volta, de 50 ou mais quilómetros, para não falharem a Vasco da Gama. Presumo que isto também esteja previsto no contrato celebrado com a Lusoponte. O que pergunto é se acham normal que governantes assinem um contrato em que o Estado se compromete a indemnizar interesses privados no caso de fazer obra pública necessária?

2 Há muitos anos, e vá lá saber-se porquê, Mário Soares resolveu alcandorar Medeiros Ferreira ao posto passageiro de ministro dos Negócios Estrangeiros. Daí não veio grande mal ao país, visto que ele se limitou a fazer o habitual naquele cargo: passar a olhar o mundo de baixo para cima, em pose napoleónica, e começar a debitar tremendas e evidentes banalidades sobre o estado do planeta. Vinte anos a seguir, ocupou pacificamente um lugar de deputado na bancada do PS, não tendo, que me lembre, feito jamais intervenção parlamentar que se recorde ou lei que se recomende. Mas pode ser a minha memória a falhar. Do que não me lembro é de o ter visto discordar seriamente do seu partido em vinte anos que por lá passou tudo e mais alguma coisa. Daí o meu espanto ao ler que, agora que Sócrates o tirou das listas de deputados, Medeiros Ferreira descobriu que tinham querido calar uma voz incómoda. Incómoda? O mesmo com o engenheiro João Cravinho. Governou quando quis e quanto quis (e bem mal, diga-se de passagem...), parlamentou quando quis e quanto quis e, quando já não quis, sacou um belíssimo lugar de administrador do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, com escritório na City de Londres e residência com vista para o Hyde Park. Antes de se despedir do Parlamento, Cravinho deixou ao PS uma herança envenenada: um chamado pacote contra a corrupção, que, além das boas e fáceis intenções, continha algumas disposições inconstitucionais e outras puramente demagógicas. Sentado ainda na Assembleia da República, de frente para José Sócrates, ouviu o primeiro-ministro classificar de pateta a sua proposta. Ouviu e calou. Esperou pela nomeação definitiva, mandou-se para Londres com a aura de herói da luta contra a corrupção e agora chora, nas páginas da ‘Visão’, pelos caminhos neoliberais do PS e da esquerda e afirma, com uma lágrima ao canto do olho, que foi dos maiores choques da minha vida o mal-estar que o debate da corrupção causou no PS. Só pergunto a ambos: não podiam ter falado antes?

3 O mesmo com a dra. Catalina Pestana. Foi apresentada ao país como a salvadora da Casa Pia. Ela ia repor tudo na ordem, recuperar as boas práticas e o bom nome da instituição, defender os seus meninos contra tudo e contra todos e com o apoio institucional de todos, desde o Presidente da República até ao mais humilde funcionário da instituição. Agora, cessadas as suas funções, eis que vem afirmar que os maus tratos e os abusos a menores continuam dentro das paredes da Casa Pia. Ao ouvir isto, só me ocorre uma pergunta: o que lá esteve ela a fazer, então?

P.S. - A dra. Cândida Almeida, procuradora-geral-adjunta, corrigiu parte do que aqui escrevi na semana passada: não foi ela (enquanto magistrada encarregue de apurar as circunstâncias da obtenção da licenciatura pelo primeiro-ministro) a determinar a realização de escutas telefónicas aos responsáveis da Universidade Independente; essas escutas já tinham sido realizadas, a mando de uma sua colega e no âmbito de outro processo, e ela limitou-se a pedi-las e a pretender utilizá-las, aliás, como meio adicional de demonstrar a inocência do primeiro-ministro - o que lhe foi recusado pela juíza de instrução. Registo de bom grado a correcção - a que deu azo, apenas, o teor das notícias saídas na imprensa. Mas numa coisa discordo da dra. Cândida Almeida e concordo com a juíza de instrução: se já havia firmado a convicção sobre a inocência do primeiro-ministro, não vejo a necessidade de a reforçar com a utilização de conversas privadas que, inevitavelmente, acabariam no domínio público. Continuo a achar que as escutas telefónicas devem ser um meio excepcional de investigação e que quem a elas recorre deve ter consciência da violência que representa a sua publicitação. Mesmo que inócuas.


Miguel Sousa Tavares

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2 Comments:

At 14 de outubro de 2007 às 14:06, Anonymous Anónimo said...

O "PÓS-CAVAQUISMO" NO PSD

O congresso do PSD que abriu ontem perto de Lisboa é, por assim dizer, um congresso histórico: com ele acaba a fase do partido que ficou conhecida pelo nome de "cavaquismo". Não só porque o presidente eleito, Luís Filipe Menezes, nunca foi um "cavaquista" convicto e nunca se deu bem com o dr. Cavaco, mas porque o pessoal e os critérios que desde 1985 presidiram ao PSD saem definitivamente de cena. Os jornais já noticiaram a ausência de Dias Loureiro, Morais Sarmento, Marcelo Rebelo de Sousa, Pacheco Pereira, António Borges, Alexandre Relvas, Leonor Beleza, Rui Rio, Teresa Gouveia, dezenas de outras personagens menores (Ferreira do Amaral, Braga de Macedo, Isabel Mota) ou presuntivamente reformadas (Álvaro Barreto, Cardoso e Cunha, Eduardo Catroga) e, como seria de esperar, a direcção cessante e os vários "notáveis" que, de perto ou de longe, se colaram a ela (Graça Moura e Carlos Coelho, por exemplo).

Uma nova gente tomou conta da casa e essa gente não estima por aí além o dr. Cavaco e os "cavaquistas". No fundo de si próprio, o PSD não desculpa ao dr. Cavaco a "deserção" de 1995 e a primeira candidatura, forçada e derrotada, a Belém. Sentiu sempre, e continua a sentir, que, quando o tecto cai, o lugar do "chefe" é à frente das tropas, na oposição, por muito dura e difícil que ela seja, e não no refúgio irresponsável e pacífico da universidade. E, se aplaudia as proclamações délficas do professor, como o artigo O Monstro, não esquecia também que ele nada fizera para evitar o pior. O egoísmo "estratégico" de Cavaco não o tornou especialmente amado e a arrogância dos "cavaquistas", que se arrumaram por aqui e por ali com todo o conforto, não os recomendou ao militante médio.

Ninguém sabe, ou se atreve a prever, o que vai sair do congresso de Torres Vedras. Mas, no meio da incerteza, um ponto parece mais do que adquirido: o PSD de Menezes não irá chamar ou depender das "luminárias" da academia ou dos "negócios", sem experiência ou convicção (excepto a do seu direito de governar) e sem sombra de currículo partidário. Para bem ou para mal (há quem ache que para muito mal), o PSD ficará nas mãos de uma personagem do "pós-cavaquismo": o operador político profissional, criado no aparelho, educado nas guerras labirínticas do poder local e pouco inclinado ao sentimento e à reverência. Nem Sócrates nem Cavaco irão ter uma vida muito tranquila.

Vasco Pulido Valente

 
At 14 de outubro de 2007 às 14:38, Anonymous Anónimo said...

Quem é quem é?

Lanço o repto daqui:

Quem é o maior e mais importante mentiroso e o mais importante falsificador de documentos em Portugal?

A quem souber as minhas homenagens.

Quem não souber: Bom, anda distraído.

Todos sabemos, não é?

Pistas: É um político; Tem um elevado estatuto; É narcisista; É colérico; É um "tangas"; É vingativo; Dizem que não é homem; Tem uma amiga fufa.

 

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