sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

PALAVRAS PARA OS DILECTOS

O tempo não tem sido cordial para os portugueses.
Muitos dos sonhos que acalentámos e das esperanças que atenuavam as nossas desgraças têm sido rudemente liquidados.
Mas somos um grande povo. E tenho muito orgulho em lhe pertencer e em ele de mim fazer parte.
Conheço a nossa terra de lés-a-lés.
Vou aonde me pedem para ir, viajo para sítios que os Governos ignoram.

Falo com pessoas de todos os graus intelectuais; ouço-os com a atenção minuciosa que todas as experiências merecem e exigem. Gosto muito desta gente, a minha gente.
Ofereceram-me um legado sem preço, e nada pediram em troca.

Desculpem, os Dilectos, estas modestas confissões de um homem que nunca se serviu de metáforas para exprimir sentimentos.
É verdade que tenho alguma dificuldade em adaptar-me a este tempo, no qual o pragmatismo dissimula, amiúde, a mais vil de todas as capitulações.
Assistimos, diariamente, a essas deficiências de carácter.

Estamos a fechar o ano e tudo indica que outros mais ferozes anos se adivinham. A mentira adquiriu carta-de-alforria, a trafulhice sai impune, os abjurantes são premiados, os traidores aplaudidos, os subservientes obsequiados, os incompetentes promovidos. A indiferença reina. A abulia aparenta ser endémica.

O Governo não sabe, ou não quer, resolver os problemas da esmagadora maioria dos portugueses. A harmonia social é aparente. O medo impõe regras, entre as quais o controlo das pessoas nos seus naturais anseios contraditórios. Poucos desobedecem. O desmesurado poder económico, que corrói a prática da política, transforma cidadãos em servos. O Governo só demonstra um contentamento demencial. A destruição da sociedade dual parece não o afectar. Pelo menos, não dá indícios de preocupação. O frio autoritarismo de José Sócrates tinge-se com o eufemismo de determinação. Ele mesmo diz que a rua não o afecta, as manifestações são democráticas mas não o demovem.

A integridade, a compaixão, a indulgência e a dignidade estão reduzidas a pálidas manifestações de pequenos grupos, que o vozear pós-moderno classifica de anacrónicos. Historicamente, vamo-nos abaixo: somos incapazes que dar a volta às coisas. Basta ler qualquer grande autor de qualquer geração anterior. Vejam os Dilectos como o Abade de Jazente mimoseava a pátria, no século XVIII. É um soneto para recortar, pela actualidade que comporta:

Eu bem sei, Portugal, que tu não queres
Que ninguém te descubra as tuas faltas;
Tu folgas de prazer, de gosto saltas;
E disto as consequências não inferes.

Vês homens misturados com mulheres
Em banquetes, em jogos, danças altas;
Elas na casquilhice mui peraltas,
Eles na chibantice, todos eres.

Ah!, pobre Portugal! Muito me espanto;
No que noto no teu contentamento,
Devendo ser em ti contínuo o pranto.

Eu bem sei que o respeito é muito atento;
Mas sempre há-de cair, quem não for santo,
Ou por obra, palavra ou pensamento.

Alexandre O’Neill, decisivamente influenciado pelo Abade de Jazente, foi, também, porta-voz do mal-estar português e, como a esmagadora maioria de nós, acreditou ser possível a modificação de mentalidades, quando do 25 de Abril. A decepção assaltou-o, pouco tempo depois. Eu próprio criticava o que entendia ser o seu radicalismo desnorteado. Não tardei em compreender quanto o imenso poeta de Um Adeus Português tinha razão de sobra. Uma casta de oportunistas e de aventureiros assenhoreou-se do poder, enquanto todos nós nos envolvíamos em lutas partidárias que haviam já perdido o conteúdo ideológico. Os casos Cavaco, Guterres, Durão, Santana, Sócrates decorrem da deformação da História e da decadência das convicções.

Temo-nos arrastado, penosamente, assistindo ao descalabro de um país que consente injustiças gritantes e transforma a mediocridade em valor impositivo. O respeitinho é muito bonito é uma fórmula nacional que lacra o nosso destino e faz de nós a massa informa que se não revolta. Cada ano que passa, cada ano pior.

Quanto custa um rico a um País?, perguntava Garrett, no século XIX, nas admiráveis Viagens na Minha Terra, que pouquíssimos lêem, manifestamente iletrados. Quanto custa? Bom: basta olhar em derredor. Basta atentar nessa obscenidade das reformas que a si próprios atribuem os gestores de tudo. Aquele famoso caso de um engenheiro muito mediático, que, durante seis meses, exerceu funções na Caixa Geral de Depósitos, foi mandado embora e recebe uma de 3 600 contos mensais, não é único. Leiam o pensão Diário da República e indignem-se. Vemos morrer, nos jardins do desespero, os nossos velhos, que trabalharam uma vida e auferem por mês pouco mais de 60 contos. Há dias, o presidente do Grupo Jerónimo Martins, dizia, neste jornal, que não há motivação para quem recebe um salário mensal de 400 euros. Bom: há largos milhares de compatriotas que sobrevivem com menos de 200. Posso fornecer uma lista.

De facto, o tempo não tem sido cordial para os portugueses. E a ausência de verdade ainda força mais as negras cores. Omite-se, mente-se em nome da manutenção de uma casta no poder. Os meios de comunicação não nos informam devidamente. E os compromissos assumidos são sempre pagos. É fácil verificar quem, nos últimos tempos, tem passado dos jornais, das televisões e das rádios para o exercício de funçanatas em poderosas empresas. Em numerosos casos, o jornalismo deixou de ser um acto social para constituir um meio de se defender a vidinha. O salve-se quem poder converteu-se numa divisa de comportamento. Os exemplos vêm de cima.

Dilecto: não tome a mal estes desabafos. Apesar de tudo, está em frente de um homem que não perde a esperança, que nunca perdeu a esperança.

Ergo a minha taça em seu louvor e honra. Bom Natal, Dilecto!


B.B.

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1 Comments:

At 22 de dezembro de 2007 às 16:48, Blogger Roberto Scardua said...

Parabéns pelo excelente blog.

 

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