sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

OS ESQUECIDOS CANTOS DA CULTURA

O dr. Cavaco repetiu, no fim do ano, o discurso costumeiro da nossa atávica calaceira. Não competimos com o estrangeiro porque somos madraços, sugeriu o senhor. Não me interessa, neste momento, discretear acerca das deficiências gramaticais e sintácticas do disparate. Mas não posso deixar de aludir à circunstância de, uma vez ainda, o discursante omitir o peso da incompetência dos empresários, a sua baixa qualificação e o gosto acrisolado que não ocultam pelo lucro, pelo lucro e pelo lucro. Não generalizo, mas ando lá por muito perto: o patronato está-se, pura e simplesmente, marimbando para a grandeza da pátria. Na minha macambúzia opinião, o dr. Cavaco talvez devesse preocupar-se mais com a grande solidão portuguesa; com o facto de a população estar nas primeiras linhas do consumo europeu de sedativos, de calmantes, de tudo o que é Xanax ou afins. Há dias, a Imprensa noticiou a morte, no período de doze horas, de nove pessoas. Solidão, desespero e horizontes cerrados. Foi a opinião de assistentes sociais, psicólogos e sociólogos.

Os nossos velhos ou morrem nos jardins, ou são atirados para caixotes de mortos-vivos, abandonados pelos filhos, ou ignorados, com atroz indiferença, por aqueles que eles ajudaram a nascer e a viver. Morre-se de amor. Também se morre dessa doença cruel e implacável, que a sociedade moderna criou e parece não estar muito preocupada em exterminar - o desprezo pelos outros.

O egoísmo, a insensibilidade, a frieza de espírito, nascidos de um sistema que liquida os laços sociais de que a humanidade é fundamento, determinam e talvez expliquem este nosso amargo tempo. Tenho de admitir que, ao longo destes trinta e cinco anos de democracia, algo foi feito. Mas não tudo. O desperdício de milhões e milhões de euros, a falta de equilíbrio entre as classes, as leis de trabalho cada vez mais injustas, as fraudes de que a comunicação social diariamente fala, a aparente impunidade dos prevaricadores causam não só as maleitas morais sob as quais vivemos como o desinteresse em as resolver.

Através da Internet recebo, diariamente, informações inquietantes do nosso mundo português. Sei das ligações de famílias inteiras com o governo regional da Madeira, uma teia reticular silenciada pelos jornais e pelas televisões, e que seria curial termos um conhecimento mais alargado. E, também, dos obscenos vencimentos, dos pornográficos bónus, das abjectas mordomias de banqueiros. Ocultam estas informações à generalidade dos portugueses com objectivos claros. Canso-me de bater na mesma tecla, de soletrar o mesmo solfejo, mas não sou eu quem cria esta música. Tanto se me dá como se me deu que me acusem de demagogo.
Mas não sou daqueles (jornalistas e "comentadores" inclusive) que afirmam nada ter com os vencimentos dos outros. Claro que tenho, claro que temos. A noção de sociedade estatui o princípio da justiça. E não abro mão deste preceito.

O discurso político carece de dimensão social. O interior português é um deserto que se expande como endemia. Ouvimos o eng.º Sócrates e o dr. Cavaco falarem, e já nada deles esperamos. Embora, cada ano que vai, cada ano que vem, a teimosia da esperança nos leve a novos alvoroços.

Já sabemos que José Sócrates não alimenta qualquer projecto para o País. Limita-se as gerir as contas. Mesmo assim, denota deficiências perturbadoras: as contas estão cada vez mais mal feitas. E quando o prof. Medina Carreira revela, com documentos evidentes e argumentos irrefutáveis, que Portugal não pode continuar a viver neste estado, acusam--no de "catastrofista."

Ninguém é apoiado, a não ser os bancos e os banqueiros. Isto para um governo dito socialista dá que pensar. Porém, é o que é e é o que há. Repare-se na miséria que o Orçamento de Estado atribui à cultura. E, no entanto, a cultura pode ser um bem rendível, mesmo em termos económicos. O desprezo por este sector, importantíssimo, da vida nacional, chega a ser pecaminoso. Todavia, os "artistas" são o brinquinho com que os políticos se enfeitam, durante as campanhas eleitorais. Façam, os Dilectos, um exercício de memória, e animem o desfile de escritores, cineastas, actores e actrizes, pintores, escultores, cantores de todo o tipo e de todos os géneros que enfeitaram as campanhas do eng.º Sócrates e do dr. Cavaco. Depois, ou foram rapidamente esquecidos, ou alguns deles beneficiaram de ajudas preciosas.

Há outra gente de outra estatura e de outro jaez e estilo. Gente que se recolhe no silêncio do trabalho e na realização do que gosta. Homenageemo-los com gratidão.


B.B.

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2 Comments:

At 9 de janeiro de 2010 às 16:14, Anonymous Anónimo said...

Porque razão o Cavaco não mete a viola no saco, pois este País começou a piorar quando o filho do Teodoro das Bombas de Boliqueime (Cavaco) governou como primeiro ministro e agora está arvorado em defensor da pátria. Que vá levar onde levam as galinhas mais quem o apoia.

 
At 27 de janeiro de 2010 às 20:44, Anonymous Anónimo said...

"Ninguém é apoiado, a não ser os bancos e os banqueiros. Isto para um governo dito socialista dá que pensar. Porém, é o que é e é o que há. Repare-se na miséria que o Orçamento de Estado atribui à cultura. E, no entanto, a cultura pode ser um bem rendível, mesmo em termos económicos. O desprezo por este sector, importantíssimo, da vida nacional, chega a ser pecaminoso. Todavia, os "artistas" são o brinquinho com que os políticos se enfeitam, durante as campanhas eleitorais. Façam, os Dilectos, um exercício de memória, e animem o desfile de escritores, cineastas, actores e actrizes, pintores, escultores, cantores de todo o tipo e de todos os géneros que enfeitaram as campanhas do eng.º Sócrates e do dr. Cavaco. Depois, ou foram rapidamente esquecidos, ou alguns deles beneficiaram de ajudas preciosas."

Falas bem!

 

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