OPINIÃO
Vai ser em Fevereiro, pela esquerda
As próximas eleições presidenciais ocupam já, com toda a naturalidade, uma parte relevante do que é notícia, opinião e comentário na comunicação social do País. Pelo que está causa e irá dirimir-se no sufrágio com datas marcadas, por controvérsias ou silêncios que se multiplicam exprimindo uma diversidade que é riqueza, mas também em função de outros factores - do privilégio que continua a conceder-se ao anedótico e instrumental à formatação bipolarizadora cujos sinais, sem dúvida, importaria sindicar nos locais e pelos meios próprios.
O espaço do debate, em si nuclear, não pode, contudo, pretender-se na terra da anomia, isto é, aí onde vale tudo e não há limite para a prosódia que desfigura, inquina, insinua sem a mínima base probatória, maltrata a verdade, atinge direitos de personalidade com a ligeireza de um rinoceronte movendo- -se sobre nenúfares. Não pode substituir-se à honradez do confronto de ideias para que a vileza e a mentira triunfem, como em certo pronunciamento reumático vindo a lume contra Manuel Alegre no fim-de-semana, nem ceder ao tropismo da suspeição, à tentativa de transformar jogos de matriz especulativa, sustentados no desconhecimento ou na desatenção polémica, num argumentário que mereça crédito e respeitabilidade.
Ignorar, por exemplo, que o candidato em apreço votou contra a sua bancada em momentos decisivos como o da derrota infligida à Lei de Segurança Interna do Bloco Central, na década de 80 - depois de um combate que também liderou -, talvez não seja de valorizar nestes contextos de tão eloquente amnésia. Todavia, extrair do que se esquece ou não sabe conclusões que municiam o arco da dúvida e da imputação acrimoniosa sobre qual a atitude que assumiria perante a hipótese de se ver confrontado com uma medida idêntica à que Blair levou ao Parlamento britânico é, no mínimo, improcedente. E percebe--se porquê Manuel Alegre fez estremecer, transferir, pelo pensamento e pelo afecto, as águas que quiseram arrumadas segundo velhas e aparentemente novas tradições. Eu estava lá, no hemiciclo, quando se travou esse combate fundamental da esquerda. Falo do que sei, sei do que falo. E tenho, na matéria, bem mais do que um testemunho para dar.
Omitir, numa tal sequência, que se opôs sem equívocos à recepção interna de normas e procedimentos condicionadores das liberdades individuais, oriundas do gabinete do comissário Vitorino - como fizera e faria ao não caucionar as sucessivas revisões da Constituição ou a Lei de Defesa Nacional -, será um detalhe, uma luz a esconder na flanela preta das conveniências e na platitude dos raciocínios tornados construções de areia. No entanto, são estes os factos que moldam uma conduta - vinda de longe, reconhecida, identificada como poucas por traços de coerência e ousadia. Sujeita, sempre e com vantagem, a escrutínio. Não a caricaturas que se constituam performações do absurdo e engenhos de cacofonia ou mistificação.
Vale a pena, depois disto, nutrir a intencionalidade polémica em torno das declarações de Manuel Alegre - salamizadas conforme os interesses, tresouvidas, postas em lume crematório para efeitos que só ao PS convêm - a propósito do Orçamento do Estado?
Ou da ignomínia de atribuir-lhe, a partir do discurso de apresentação da candidatura e das intervenções subsequentes, uma inexistente compassividade perante Cavaco Silva, o adversário por definição, aquele que se enfrenta em nome da lisura e do rigor, sem punhos de renda, ao invés de quanto o favorece, freneticismo ou diabolização, picardia ad hominem, recurso a linguagens que, rudíssimas na aparência, o excesso de (mau) uso reduziu entretanto ao estertor da pólvora inactivada?
Prefiro recordar por agora, opondo-me a qualquer lógica de escaramuças fratricidas, que há, entre quem se bate ao lado de Manuel Alegre, um objectivo fulcral e só ele se impõe ganhar em Fevereiro. Pela esquerda e uma vez mais no centro da mudança.
As próximas eleições presidenciais ocupam já, com toda a naturalidade, uma parte relevante do que é notícia, opinião e comentário na comunicação social do País. Pelo que está causa e irá dirimir-se no sufrágio com datas marcadas, por controvérsias ou silêncios que se multiplicam exprimindo uma diversidade que é riqueza, mas também em função de outros factores - do privilégio que continua a conceder-se ao anedótico e instrumental à formatação bipolarizadora cujos sinais, sem dúvida, importaria sindicar nos locais e pelos meios próprios.
O espaço do debate, em si nuclear, não pode, contudo, pretender-se na terra da anomia, isto é, aí onde vale tudo e não há limite para a prosódia que desfigura, inquina, insinua sem a mínima base probatória, maltrata a verdade, atinge direitos de personalidade com a ligeireza de um rinoceronte movendo- -se sobre nenúfares. Não pode substituir-se à honradez do confronto de ideias para que a vileza e a mentira triunfem, como em certo pronunciamento reumático vindo a lume contra Manuel Alegre no fim-de-semana, nem ceder ao tropismo da suspeição, à tentativa de transformar jogos de matriz especulativa, sustentados no desconhecimento ou na desatenção polémica, num argumentário que mereça crédito e respeitabilidade.
Ignorar, por exemplo, que o candidato em apreço votou contra a sua bancada em momentos decisivos como o da derrota infligida à Lei de Segurança Interna do Bloco Central, na década de 80 - depois de um combate que também liderou -, talvez não seja de valorizar nestes contextos de tão eloquente amnésia. Todavia, extrair do que se esquece ou não sabe conclusões que municiam o arco da dúvida e da imputação acrimoniosa sobre qual a atitude que assumiria perante a hipótese de se ver confrontado com uma medida idêntica à que Blair levou ao Parlamento britânico é, no mínimo, improcedente. E percebe--se porquê Manuel Alegre fez estremecer, transferir, pelo pensamento e pelo afecto, as águas que quiseram arrumadas segundo velhas e aparentemente novas tradições. Eu estava lá, no hemiciclo, quando se travou esse combate fundamental da esquerda. Falo do que sei, sei do que falo. E tenho, na matéria, bem mais do que um testemunho para dar.
Omitir, numa tal sequência, que se opôs sem equívocos à recepção interna de normas e procedimentos condicionadores das liberdades individuais, oriundas do gabinete do comissário Vitorino - como fizera e faria ao não caucionar as sucessivas revisões da Constituição ou a Lei de Defesa Nacional -, será um detalhe, uma luz a esconder na flanela preta das conveniências e na platitude dos raciocínios tornados construções de areia. No entanto, são estes os factos que moldam uma conduta - vinda de longe, reconhecida, identificada como poucas por traços de coerência e ousadia. Sujeita, sempre e com vantagem, a escrutínio. Não a caricaturas que se constituam performações do absurdo e engenhos de cacofonia ou mistificação.
Vale a pena, depois disto, nutrir a intencionalidade polémica em torno das declarações de Manuel Alegre - salamizadas conforme os interesses, tresouvidas, postas em lume crematório para efeitos que só ao PS convêm - a propósito do Orçamento do Estado?
Ou da ignomínia de atribuir-lhe, a partir do discurso de apresentação da candidatura e das intervenções subsequentes, uma inexistente compassividade perante Cavaco Silva, o adversário por definição, aquele que se enfrenta em nome da lisura e do rigor, sem punhos de renda, ao invés de quanto o favorece, freneticismo ou diabolização, picardia ad hominem, recurso a linguagens que, rudíssimas na aparência, o excesso de (mau) uso reduziu entretanto ao estertor da pólvora inactivada?
Prefiro recordar por agora, opondo-me a qualquer lógica de escaramuças fratricidas, que há, entre quem se bate ao lado de Manuel Alegre, um objectivo fulcral e só ele se impõe ganhar em Fevereiro. Pela esquerda e uma vez mais no centro da mudança.
José Manuel Mendes
2 Comments:
Cada vez que verifico que a campanha presidencial move paixões, pergunto-me por quê? É que não consigo atinar com o que, objectivamente, está em jogo. Conseguia entender a polarização de posições em torno da eleição presidencial quando o país ainda estava a formar a sua normalidade institucional.
Aí sim o Presidente tinha um papel fulcral. Mas agora, com os papeis institucionais perfeitamente definidos (bem ou mal desempenhados é outra história, em que o PR pouco ou nada interfere) não sei, francamente, o que, em termos objectivos, teremos a ganhar ou a perder com a eleição de um e não de outro dos vários candidatos.
Cada vez que o prof. Cavaco Silva se apresenta como aquele que, feito Presidente, restituirá a confiança dos portugueses (e é como todos os dias se apresenta) reforça-se o meu pasmo com o facto de a campanha mover paixões. Até gostaria muito que houvesse alguém - na Presidência ou noutro lugar qualquer - que nos restituísse a confiança, desde que depois não fizesse com que nos sentíssemos parvos por termos confiado. E, mesmo que o prof. Cavaco atendesse à primeira, não teria, por mais Presidente que se fizesse, como garantir a segunda condição. Nem ele nem ninguém. Por isso, desconfio.
Mário Soares tem o mérito de não prometer nada além da sua própria figura - inegavelmente sedutora dentro do pullover azul, quentinho, aconchegante, fofo, vovô, no out-door em que se diz capaz de ouvir os portugueses.
Manuel Alegre nem isso. Se não é vaidoso, tem cara de vaidoso, cabelo de vaidoso, barba de vaidoso, palavras, casacos e gestos de vaidoso. Não aconchega ninguém. Também não promete muito além de ser o mais autêntico representante da esquerda (seja lá o que isso signifique) com hipóteses de vitória nesta campanha. Não é grande coisa.
Os outros candidatos não acreditam, eles próprios, que possam vir a ser o próximo presidente da República e, portanto, são candidatos a outras coisas quaisquer, e - com toda a legitimidade - servem-se da campanha presidencial para atingir cada qual o seu objectivo.
Diante desse quadro, de que se faz a paixão dos que, apaixonadamente, defendem uns e atacam outros dos candidatos? Alguém efectivamente acreditará que, com Cavaco, haverá confiança ou que, pelo outro lado, com Cavaco, voltará o autoritarismo? Ou que Mário Soares se converterá no nosso ouvidor e que nos receberá na sua sala de estar para, ao pé da lareira, ouvir as nossas queixas, ansiedades e esperanças? Ou que o verdadeiro socialismo ressuscitará em Portugal sob a Presidência de Manuel Alegre?
Não. Os temas objectivos (a economia, a política, as relações institucionais, etc) entram na campanha só porque precisamos de atribuir alguma objectividade aos assuntos para que os possamos tomar como sérios e graves, que é como os assuntos devem ser. Mas o assunto (não sei se sério ou inconsequente, se grave ou banal) é perfeitamente subjectivo. Trata-se de decidir que imagem os portugueses têm ou querem ter de si próprios: queremos parecer competentes, empreendedores, rigorosos, embora um pouco duros e talvez um tanto arrogantes ou preferimos nos ver como um povo simpático, bonacheirão, caloroso, embora sem muita paciência nem rigor para as contas? Ou será que o que queremos é parecer poetas inspiradíssimos, cheios de charme, lindos, lindos, lindos e verdadeiramente de esquerda?
Tanto admito a primeira quanto a segunda alternativa - embora excludentes, são razoáveis (a terceira, não). O que não acredito é que seja o próximo mandato presidencial a marcar a biografia do eleito - seja ele quem for - ou que a minha própria biografia venha a ser muito marcada pela sua actuação.
PS: Com paixão eu só me vejo a votar no presidente de Câmara, no polícia, no que quer que me devolva os passeios públicos, hoje convertidos em estacionamentos privados
Ajudar Alegre
Há 30 anos, um grupo de homens ululantes deixou o carro onde se fazia transportar para se precipitar sobre mim, com o visível propósito de me agredir. Encostei-me à parede e dispus-me a vender cara a pele, sem descortinar o motivo de tão violenta sanha.
Mas ao me rodearem, a explosão de violência diminuiu de intensidade até tudo acabar em insultos menores. Um dos homens explicou-me que eram um grupo de retornados e me queriam bater porque me tinham confundido com o Manuel Alegre, o que naturalmente não era explicação aceitável.
De então para cá confundiram-me com Alegre mais um par de vezes, uma das quais no futebol, o que me desvaneceu por partilharmos a mesma cor clubista.
Mas neste fim-de-semana, cinco "Margaridas da Noite", nas ruas entre o Cais do Sodré e o Largo de São Paulo, precipitaram-se para mim não para oferecerem os seus favores sexuais mas para me exortarem a ser Presidente da República.
Retorqui-lhes que não compreendia porque me desejavam tanto mal, mas depressa percebi que de novo estava a ser confundido com Alegre.
Espero que ele não se zangue comigo, mas achei tanta graça à situação que, desta vez, penso ter-lhe conseguido mais cinco votos.
Sempre é uma ajuda
Joaquim Letria/24 horas, 21.11.2005
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