terça-feira, 22 de novembro de 2005

OPINIÃO

Vai ser em Fevereiro, pela esquerda

As próximas eleições presidenciais ocupam já, com toda a naturalidade, uma parte relevante do que é notícia, opinião e comentário na comunicação social do País. Pelo que está causa e irá dirimir-se no sufrágio com datas marcadas, por controvérsias ou silêncios que se multiplicam exprimindo uma diversidade que é riqueza, mas também em função de outros factores - do privilégio que continua a conceder-se ao anedótico e instrumental à formatação bipolarizadora cujos sinais, sem dúvida, importaria sindicar nos locais e pelos meios próprios.

O espaço do debate, em si nuclear, não pode, contudo, pretender-se na terra da anomia, isto é, aí onde vale tudo e não há limite para a prosódia que desfigura, inquina, insinua sem a mínima base probatória, maltrata a verdade, atinge direitos de personalidade com a ligeireza de um rinoceronte movendo- -se sobre nenúfares. Não pode substituir-se à honradez do confronto de ideias para que a vileza e a mentira triunfem, como em certo pronunciamento reumático vindo a lume contra Manuel Alegre no fim-de-semana, nem ceder ao tropismo da suspeição, à tentativa de transformar jogos de matriz especulativa, sustentados no desconhecimento ou na desatenção polémica, num argumentário que mereça crédito e respeitabilidade.

Ignorar, por exemplo, que o candidato em apreço votou contra a sua bancada em momentos decisivos como o da derrota infligida à Lei de Segurança Interna do Bloco Central, na década de 80 - depois de um combate que também liderou -, talvez não seja de valorizar nestes contextos de tão eloquente amnésia. Todavia, extrair do que se esquece ou não sabe conclusões que municiam o arco da dúvida e da imputação acrimoniosa sobre qual a atitude que assumiria perante a hipótese de se ver confrontado com uma medida idêntica à que Blair levou ao Parlamento britânico é, no mínimo, improcedente. E percebe--se porquê Manuel Alegre fez estremecer, transferir, pelo pensamento e pelo afecto, as águas que quiseram arrumadas segundo velhas e aparentemente novas tradições. Eu estava lá, no hemiciclo, quando se travou esse combate fundamental da esquerda. Falo do que sei, sei do que falo. E tenho, na matéria, bem mais do que um testemunho para dar.

Omitir, numa tal sequência, que se opôs sem equívocos à recepção interna de normas e procedimentos condicionadores das liberdades individuais, oriundas do gabinete do comissário Vitorino - como fizera e faria ao não caucionar as sucessivas revisões da Constituição ou a Lei de Defesa Nacional -, será um detalhe, uma luz a esconder na flanela preta das conveniências e na platitude dos raciocínios tornados construções de areia. No entanto, são estes os factos que moldam uma conduta - vinda de longe, reconhecida, identificada como poucas por traços de coerência e ousadia. Sujeita, sempre e com vantagem, a escrutínio. Não a caricaturas que se constituam performações do absurdo e engenhos de cacofonia ou mistificação.

Vale a pena, depois disto, nutrir a intencionalidade polémica em torno das declarações de Manuel Alegre - salamizadas conforme os interesses, tresouvidas, postas em lume crematório para efeitos que só ao PS convêm - a propósito do Orçamento do Estado?

Ou da ignomínia de atribuir-lhe, a partir do discurso de apresentação da candidatura e das intervenções subsequentes, uma inexistente compassividade perante Cavaco Silva, o adversário por definição, aquele que se enfrenta em nome da lisura e do rigor, sem punhos de renda, ao invés de quanto o favorece, freneticismo ou diabolização, picardia ad hominem, recurso a linguagens que, rudíssimas na aparência, o excesso de (mau) uso reduziu entretanto ao estertor da pólvora inactivada?

Prefiro recordar por agora, opondo-me a qualquer lógica de escaramuças fratricidas, que há, entre quem se bate ao lado de Manuel Alegre, um objectivo fulcral e só ele se impõe ganhar em Fevereiro. Pela esquerda e uma vez mais no centro da mudança.


José Manuel Mendes

2 Comments:

At 22 de novembro de 2005 às 14:25, Anonymous Anónimo said...

Cada vez que verifico que a campanha presidencial move paixões, pergunto-me por quê? É que não consigo atinar com o que, objectivamente, está em jogo. Conseguia entender a polarização de posições em torno da eleição presidencial quando o país ainda estava a formar a sua normalidade institucional.
Aí sim o Presidente tinha um papel fulcral. Mas agora, com os papeis institucionais perfeitamente definidos (bem ou mal desempenhados é outra história, em que o PR pouco ou nada interfere) não sei, francamente, o que, em termos objectivos, teremos a ganhar ou a perder com a eleição de um e não de outro dos vários candidatos.

Cada vez que o prof. Cavaco Silva se apresenta como aquele que, feito Presidente, restituirá a confiança dos portugueses (e é como todos os dias se apresenta) reforça-se o meu pasmo com o facto de a campanha mover paixões. Até gostaria muito que houvesse alguém - na Presidência ou noutro lugar qualquer - que nos restituísse a confiança, desde que depois não fizesse com que nos sentíssemos parvos por termos confiado. E, mesmo que o prof. Cavaco atendesse à primeira, não teria, por mais Presidente que se fizesse, como garantir a segunda condição. Nem ele nem ninguém. Por isso, desconfio.

Mário Soares tem o mérito de não prometer nada além da sua própria figura - inegavelmente sedutora dentro do pullover azul, quentinho, aconchegante, fofo, vovô, no out-door em que se diz capaz de ouvir os portugueses.

Manuel Alegre nem isso. Se não é vaidoso, tem cara de vaidoso, cabelo de vaidoso, barba de vaidoso, palavras, casacos e gestos de vaidoso. Não aconchega ninguém. Também não promete muito além de ser o mais autêntico representante da esquerda (seja lá o que isso signifique) com hipóteses de vitória nesta campanha. Não é grande coisa.

Os outros candidatos não acreditam, eles próprios, que possam vir a ser o próximo presidente da República e, portanto, são candidatos a outras coisas quaisquer, e - com toda a legitimidade - servem-se da campanha presidencial para atingir cada qual o seu objectivo.

Diante desse quadro, de que se faz a paixão dos que, apaixonadamente, defendem uns e atacam outros dos candidatos? Alguém efectivamente acreditará que, com Cavaco, haverá confiança ou que, pelo outro lado, com Cavaco, voltará o autoritarismo? Ou que Mário Soares se converterá no nosso ouvidor e que nos receberá na sua sala de estar para, ao pé da lareira, ouvir as nossas queixas, ansiedades e esperanças? Ou que o verdadeiro socialismo ressuscitará em Portugal sob a Presidência de Manuel Alegre?

Não. Os temas objectivos (a economia, a política, as relações institucionais, etc) entram na campanha só porque precisamos de atribuir alguma objectividade aos assuntos para que os possamos tomar como sérios e graves, que é como os assuntos devem ser. Mas o assunto (não sei se sério ou inconsequente, se grave ou banal) é perfeitamente subjectivo. Trata-se de decidir que imagem os portugueses têm ou querem ter de si próprios: queremos parecer competentes, empreendedores, rigorosos, embora um pouco duros e talvez um tanto arrogantes ou preferimos nos ver como um povo simpático, bonacheirão, caloroso, embora sem muita paciência nem rigor para as contas? Ou será que o que queremos é parecer poetas inspiradíssimos, cheios de charme, lindos, lindos, lindos e verdadeiramente de esquerda?

Tanto admito a primeira quanto a segunda alternativa - embora excludentes, são razoáveis (a terceira, não). O que não acredito é que seja o próximo mandato presidencial a marcar a biografia do eleito - seja ele quem for - ou que a minha própria biografia venha a ser muito marcada pela sua actuação.

PS: Com paixão eu só me vejo a votar no presidente de Câmara, no polícia, no que quer que me devolva os passeios públicos, hoje convertidos em estacionamentos privados

 
At 22 de novembro de 2005 às 17:57, Anonymous Anónimo said...

Ajudar Alegre

Há 30 anos, um grupo de homens ululantes deixou o carro onde se fazia transportar para se precipitar sobre mim, com o visível propósito de me agredir. Encostei-me à parede e dispus-me a vender cara a pele, sem descortinar o motivo de tão violenta sanha.

Mas ao me rodearem, a explosão de violência diminuiu de intensidade até tudo acabar em insultos menores. Um dos homens explicou-me que eram um grupo de retornados e me queriam bater porque me tinham confundido com o Manuel Alegre, o que naturalmente não era explicação aceitável.

De então para cá confundiram-me com Alegre mais um par de vezes, uma das quais no futebol, o que me desvaneceu por partilharmos a mesma cor clubista.
Mas neste fim-de-semana, cinco "Margaridas da Noite", nas ruas entre o Cais do Sodré e o Largo de São Paulo, precipitaram-se para mim não para oferecerem os seus favores sexuais mas para me exortarem a ser Presidente da República.

Retorqui-lhes que não compreendia porque me desejavam tanto mal, mas depressa percebi que de novo estava a ser confundido com Alegre.
Espero que ele não se zangue comigo, mas achei tanta graça à situação que, desta vez, penso ter-lhe conseguido mais cinco votos.
Sempre é uma ajuda

Joaquim Letria/24 horas, 21.11.2005

 

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