segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

A DEMOCRACIA PRECISA DE TODOS NÓS

O resultado obtido nas eleições presidenciais, nunca antes conseguido por qualquer movimento em idênticas circunstâncias, é um resultado histórico.
Foi um combate desigual, praticamente contra tudo e contra todos, só possível graças ao extraordinário e inigualável entusiasmo com que tantos cidadãos e cidadãs se empenharam no movimento cívico de apoio a esta candidatura.
Foi o combate mais bonito da minha vida. Tenho pena de não termos podido concretizar a grande esperança que este movimento representou, mas ficou demonstrado que as pessoas, com desinteresse, paixão e convicção, podem fazer o impossível. Ficou igulamente comprovado o diagnóstico que tínhamos feito quanto ao afunilamento da democracia e à necessidade de novos espaços de intervenção cívica.
O que aconteceu não é convertível na criação de um novo partido. E também não é projectável numa facção interna de um partido. Um movimento de cidadania é muito mais do que isso.
Fica a lição e ficam as sementes para o futuro.
O que se conseguiu mostra que há condições para continuar em torno das causas que defendemos e de outras que poderão surgir.
A democracia continua a precisar de todos nós, da nossa iniciativa, da nossa liberdade, do nosso sentimento de partilha e fraternidade e, sobretudo, da alegria cívica redescoberta neste combate.
Agradeço a todos do coração.
Podem contar comigo, tal como eu sei que posso contar convosco.


Manuel Alegre

5 Comments:

At 31 de janeiro de 2006 às 16:23, Anonymous Anónimo said...

No PS há muitos cavalheiros sensatos a deitar água na fervura das eleições. Do outro Alegre e os seus apoiantes querem saber se é possível transformar um milhão de votos em oiro e assim ficar desvendado o mistério que os alquimistas buscavam incessantemente desde há centenas de anos.
No fundo o país, entre Cavaco e Sócrates, busca a solução para todas as angústias alheias. As dos empresários, as dos funcionários públicos, as dos juízes, as dos militares, as dos bombeiros e sabe--se lá que mais. O país patina na neve e tenta salvar-se do frio da descida dos fundos estruturais e do orçamento. Muitos investimentos externos parecem o aquecimento central de que padece as nossas casas feitas para climas próprios dos trópicos ou então de bem dispostos construtores civis amigos das teias locais. Há em tudo isto uma verdadeira nostalgia de uma voz, que poderia ser a de Frank Sinatra, que mesmo que se enganasse nas letras do que estava a cantar, era um ícone perfeito para os ouvintes. A poucos meses da chegada de Cavaco a Belém e da continuação de Sócrates em São Bento todos suspiram por uma voz. Que aqueça as contas bancárias, a segurança no emprego e as viagens aos centros comerciais.

 
At 1 de fevereiro de 2006 às 09:06, Anonymous Anónimo said...

Obviamente, quem sai bastante mal ferido desta contenda é o PS. Não sei se em algum país o candidato oficial de um partido de Governo, com maioria absoluta, alguma vez obteve um score tão reduzido. Mas não faz sentido dizer, como vi escrito algures, que o PS ficou a saber quão pouco vale o núcleo duro do seu apoio eleitoral. Muito mais elucidativos a esse respeito, por se tratar de eleições parlamentares, foram os 20 por cento nas eleições legislativas de 1985, em que uma parte importante do eleitorado socialista alimentou o fugaz êxito eleitoral do PRD. É evidente que, dadas as características próprias das eleições presidenciais, em geral, e as especificidades destas, em particular, uma parte considerável dos eleitores, que em condições normais sempre votarão no PS em eleições parlamentares, não sentiram como devido o voto no candidato oficial do partido. Mas não é provável que o voto dissidente nas presidenciais revele uma vontade definitiva de afastamento ou divórcio político.

 
At 2 de fevereiro de 2006 às 11:09, Anonymous Anónimo said...

Sócrates quer remendar os estragos. Para isso pretende decretar a paz dentro do PS como se isso se fizesse por decreto ou por simples despacho ministerial. Mas o que se passou nas presidenciais não se resolverá como uma declaração de rendimentos e prejuízos que se entrega na Internet e depois se esquece até que chegue a carta dos Impostos.
A política ainda não vive completamente no mundo virtual. Ainda é de carne e osso. Não se apaga a tempestade de Alegre e o apagão de Soares com uma borracha ou um discurso de unidade. Mas compreende-se o que quer o secretário-geral do PS. Para Sócrates o poder é um vício que se deve consumir com filtro. Para não fazer mal à saúde de quem governa o sítio. Com olhar benevolente sobre quem está à sua volta, talvez gostasse de citar Cícero: «Nada está certo excepto a causa pela qual estamos a lutar». Mas, para isso, é necessário evitar a gritaria. Os diferendos. Ou os debates. Sócrates pensa que gere o poder dentro do PS fazendo um pacto com o silêncio. Dos outros, claro. Quando quer passar uma esponja sobre o seu erro táctico ao apoiar Soares e ao ignorar Alegre, ele não pretende apenas criar uma paz podre de silêncio no PS. Quer, sobretudo, que o PS não o culpe a si próprio, mais cedo ou mais tarde, pelo que se passou.

 
At 2 de fevereiro de 2006 às 11:53, Anonymous Anónimo said...

Caro Zé;
Parece que o Vicente Jorge Silva desta vez acertou no alvo ora vejamos:

A vaga de frio chegou aos partidos



A grande questão que ressaltou das presidenciais e que começa a agitar as águas pantanosas da política portuguesa é, indiscutivelmente, a crise do sistema partidário - ou, por outras palavras, a crise de legitimidade representativa dos partidos. Quase toda a gente o reconhece, mas são poucos os que têm coragem para assumi-lo e afirmá-lo de forma clara, como o faz, por exemplo, alguém tão insuspeito de arroubos emocionais como Pacheco Pereira. Esse receio de encarar de frente uma realidade tão óbvia deve-se, porventura, a um fantasma "freudiano" é que atrás dessa crise se perfila uma outra, mais preocupante e difusa, que afecta os próprios fundamentos do regime democrático tal como hoje o conhecemos. Por isso, falar do problema e questionar as suas implicações tornou-se não apenas politicamente incorrecto como suspeito de complacência com derivas populistas e antipartidárias. É aliás sintomático que o mais ilustre pensador português vivo, Eduardo Lourenço, tenha interpretado tão negativamente aquilo que designou como a "cruzada antipartido" de Manuel Alegre, considerando-a, "além de intrinsecamente demagógica, populista no pior sentido, (...) ideologicamente incoerente, ou então francamente inaceitável" (Visão de 26 de Janeiro).

Apesar da admiração intelectual e da amizade pessoal que tenho por Eduardo Lourenço, só posso discordar radicalmente do seu diagnóstico. Não porque não tenha havido ambiguidades e equívocos ideológicos ou ressentimentos antipartidários na campanha de Alegre (que teria acontecido se o PS tivesse apoiado a sua candidatura?), mas precisamente porque, apesar de tudo isso, a inesperada e expressiva votação no candidato "rebelde" trouxe à superfície um movimento de desafectação profunda com o sistema de mediação partidária (e não apenas com o Partido Socialista). O problema não está, pois, em Alegre - que fez, de resto, uma campanha muito pouco agressiva, ao contrário do que pretende Lourenço - mas num mal-estar e num divórcio bem reais de que ele foi um acidental mas oportuno porta-voz.

Não foi Alegre que criou ou estimulou a situação que deu origem ao mais estranho fenómeno das presidenciais, sem precedentes equiparáveis nos últimos trinta anos de democracia. Ele limitou-se a estar presente numa encruzilhada onde um milhão e cem mil portugueses entenderam desobedecer à arregimentação partidária do voto dos cidadãos. Goste-se ou não disso, não é em todo o caso possível reduzir tal fenómeno a uma crispação populista de contornos democráticos duvidosos que, definitivamente, não existiu. O que é preciso é perceber porque é que isso aconteceu. E sem perceber isso não se encontrarão respostas para a crise do sistema partidário que, aliás, também explica o sucesso da estratégia da candidatura de Cavaco Silva.

Com a aparente excepção do PCP - que logrou consolidar o seu espaço, conjugando a tradicional fidelidade do respectivo eleitorado e a dimensão afectiva do factor Jerónimo -, nenhum partido escapou aos efeitos da tempestade. O voto PS volatilizou-se em tempo recorde, passando do máximo ao mínimo históricos, enquanto o Bloco exibiu a fragilidade do cimento que os seus aprendizes de feiticeiro pensavam estar já solidificado. Por outro lado, os partidos formalmente vencedores temem ser "vampirizados" pelo triunfo "suprapartidário" de Cavaco e o seu estilo presidencial. A prematura intranquilidade que se manifesta no PSD e, embora de forma menos visível, no CDS, é prenúncio de convulsões futuras, quando a direita for confrontada com a coabitação entre o novo Presidente e o Governo socialista. A vaga de frio chegou aos partidos - e até o PCP, apesar de "vencedor" à esquerda, deixa transparecer um sintomático complexo de fortaleza assediada por alguma rebeldia que um movimento cívico animado por Alegre poderia despertar entre as suas hostes menos domáveis.

Não há democracia sem partidos, mas esquece-se muitas vezes que pode haver partidos sem democracia. Estaremos ainda longe disso, felizmente, mas aproximamo-nos já de uma democracia representativa virtual. Os partidos deixam esgotar o seu papel de mediação política entre a sociedade e o Estado para se representarem apenas a si próprios, às suas nomenclaturas, aos seus aparelhos e aos seus interesses clientelares, fechados no interior de uma crosta gelada. Cabe aos cidadãos quebrar essa crosta do enclausuramento e autismo partidários para revitalizar a mediação democrática.

Vicente Jorge Silva
D.N. 2-2-06

 
At 2 de fevereiro de 2006 às 16:30, Anonymous Anónimo said...

Passadas as eleições presidenciais, os partidos vencedores e vencidos entraram em convulsão.

A “maioria presidencial” que se prefigura, até ver, é um “Bloco Central” de Cavaco Silva com José Sócrates. Mas, para já, os partidos ficam de fora. O PSD, se fizer uma “oposição mais activa” ao Governo, como querem alguns dos seus próceres, estará a fazer oposição a Cavaco Silva. O PS, apoiando as políticas mais drásticas do Governo, estará a abrir caminho à oposição e, internamente, aos argumentos e causas dos alegres contestatários. Dilemas, embaraços.

Com um congresso em Março, que deverá aprovar o método de eleição directa do líder, o PSD assiste ao desfile dos que querem pôr o carro à frente dos bois, colocando na agenda a questão da liderança, antes mesmo da aprovação das “directas”. Teoricamente, os opositores internos têm tempo: só há eleições lá para 2009 e o mais certo é que o poder não caia inesperadamente no colo do líder actual. Mas já aconteceu o partido ver-se com o menino nos braços antes de “remover” um líder que tinha a liderança a prazo.

À partida, também o PS teria razões para estar tranquilo: a maioria absoluta tem prazo de validade até 2009. Mas o apoio do partido às medidas do Governo, com a “coragem” do primeiro-ministro encorajada pelo próximo Presidente da República, vai inevitavelmente minar as bases de apoio e pelas brechas poderá manifestar-se uma contestação interna empurrada pelos argumentos e as causas de um milhão de votos.

É uma tremenda ironia do destino que as lutas intestinas no PSD e no PS se travem contra uma modalidade de “Bloco Central” que, como se sabe, os dois partidos já protagonizaram e que se desfez precisamente pela entrada em cena de Cavaco Silva.

Costuma dizer-se que a história não se repete. A seu tempo se verá. Porque tudo isto é uma questão de tempo e de tempos.

 

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