sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

PARA O BEM OU PARA O MAL...

Situação das coisas


Cavaco Silva ganhou tangencialmente, mas ganhou - o resto é conversa. Comentadores do óbvio disseram o que lhes é comum.
Alguns citaram sábios da filosofia política; outros, nomearam versados em coisa alguma.

O hilariante encontrou aqui terreno fértil.
Cavaco será o que sempre foi, e está velho para mudar.
Nele, nenhuma optimização, mesmo que relativa, pode ser procurada.
O que nos remete para o problema das transformações indispensáveis, embora improváveis.
A questão está em saber-se quais os obstáculos que vão surgir, e como ultrapassá-los.
Honestamente, ele o afirmou: «Não contem comigo para estar apenas sentado no cadeirão de Belém».
A advertência é clara.

O resultado das eleições de domingo não é pacífico.
O PS vive o dilema da fractura.
Uns, não queriam Alegre; outros, recusavam Soares.
Se houve gente do PSD que votou num ou noutro, também gente do PS preferiu Cavaco.
Mas o PSD de Marques Mendes tem de se acautelar.
Cavaco mal dissimula os favoritos.
Manuela Ferreira Leite em primeiro lugar; António Borges em segundo.
As fronteiras estão estabelecidas. E a experiência histórica do «cavaquismo» induz-nos a considerar que não existe benevolência quando se trata de bodes expiatórios.

Creio ser precipitado transformar o caso Manuel Alegre num epifenómeno.
O conceito será mais facilmente aplicável ao Bloco de Esquerda, agrupamento simpático, porém perfeitamente superficial. Chateia, mas é inútil. Alegre recuperou os recalcamentos freudianos dos que, teimosamente, presumem poder libertar-se desta atmosfera asfixiante. E também animou muita gente contra a burocracia sem saída, das alternâncias sem alternativas.
Todos sabemos que o PS desfila num só caminho, liquidando todas as possibilidades de novos princípios, e fazendo o trabalho da Direita.
A Direita aplaude, como se tem visto.

Para o bem ou para o mal, os mais de vinte por cento obtidos pela candidatura de Manuel Alegre fornecem-nos a medida da segmentação «ideológica» do partido em que milita, e expressam uma corrente de opinião que se revê no «socialismo» de Alegre.
Mesmo sendo transversal ao PS, aquela vultosa percentagem (um milhão e duzentos mil votantes) demonstra a dispersão do seu eleitorado tradicional.
O Partido Socialista acentua a depressão colectiva, porque incapaz de cumprir as promessas feitas e de tornar multidimensionais as mudanças necessárias.

A ascensão eleitoral de Manuel Alegre, adicionada à votação por ele obtida quando se candidatou a secretário-geral do PS, não pode oferecer dúvidas a Sócrates. Assim como o revés de Mário Soares não o deve tranquilizar.
Soares pode ser derrotado (já aconteceu muitas vezes), mas nunca foi vencido. Há constrangimentos momentâneos que a História transforma em absolutamente coercivos.

As fronteiras que, aparentemente, separam o possível do impossível, foram transpostas por Jerónimo de Sousa. É um militante com princípios e convicções, estudioso e inteligente, defensor do fundamento marxista segundo o qual a luta de classes é o motor da História. A certeza profunda nas possibilidades de um progresso social e político, acrescida do aumento do desemprego e da miséria, faz com que o discurso do secretário-geral do PCP encontre ampla ressonância. Só tolos ou insensatos colocariam a questão à margem das reflexões.

Pessoalmente, intelectualmente, tanto se me dá, como se me deu, que sejam boas ou más as relações entre Sócrates e Cavaco.
De um e de outro lado seria requerido um poderoso esforço de humanização para que os caracteres e temperamentos de ambos e de cada um deles se metamorfoseassem.
O que não me impede (apesar das pressões e das intimações) de continuar a exercer as minhas tarefas de ameno cronista.

Baptista Bastos

4 Comments:

At 27 de janeiro de 2006 às 14:59, Anonymous Anónimo said...

José Sócrates, durante o tempo que tem estado no Governo, percebeu que o fantasma dos portugueses é a economia. E se ainda tivesse algumas dúvidas, a vitória de Cavaco Silva tinha sido o suficiente para as dissipar.
A febre contagiante que tem sido o anúncio de novos investimentos estrangeiros funciona como a aspirina capaz de colmatar as dores da Ota e do TGV.
Sócrates entendeu que tem de governar de forma conservadora para alimentar os sonhos dos portugueses.
Assim, sabe que, se os partidos da oposição adoptarem princípios populares, tem de os utilizar primeiro. E se eles conseguirem demonstrar que a política do PS é impopular, vai abandoná-la rapidamente.
Sócrates é, neste momento, um marinheiro que contorna recifes perigosos.
É por isso que tem de manter o PS em silêncio.
Atrás de si, como uma legião à espera de uma ordem de comando. Para evitar as ondas de choque de Cavaco e a desorientação que reina no PSD, tem de amordaçar Alegre e Ana Gomes.
Ou então de colocá-los em conjunto a declamar, ou a gritar, consoante o caso, numa câmara de eco.
Para se entreterem um ao outro enquanto ele lidera.
Um dia destes remodela para garantir as velhas políticas com novas faces.
A estratégia de sempre para rejuvenescer o que tem rugas.
Como já é visível sem binóculos.

 
At 27 de janeiro de 2006 às 15:04, Anonymous Anónimo said...

A lei das probabilidades diz-nos para desconfiar.
O melhor é esperar para ver.
Ver hoje José Sócrates no Parlamento listar-nos o seu ‘Big Bang’ para a burocracia. ‘Big’ porque é sonante.
‘Bang’ porque é demolidor.
Não houve primeiro-ministro que não declarasse guerra à burocracia, que não lhe identificasse a maldade, que não falasse de competitividade, eficácia, rapidez, modernidade, que não invocasse «O Processo» de Kafka ou a casa dos doidos d’ «Os 12 trabalhos de Astérix».
Não houve primeiro-ministro que nisso não fracassasse.

Em vez de desburocratizar, criaram-se burocracias de luxo.
Lojas do Cidadão para aproximar balcões.
Os PIN para passar na Via Verde da papelada. E as promessas deslumbradas.
Guterres disse «Eureka» e jurou que com a Internet é que ia ser. Foi mais ou menos na altura em que prometeu um milhão de «e-mails» gratuitos.
Celeste Cardona foi crédula nessa tese de consultores. E provou o fel quando desmaterializou as peças processuais.
Que sim, que os senhores advogados escusavam de ir aos tribunais, que enviassem os processos por «e-mail», que era uma revolução na Justiça.
Foi patético: os processos chegavam e os funcionários mandavam imprimir.
Como eram aos milhares, a impressora encravava, o servidor «crashava», a tinta faltava.
Acabou na mesma pilha de papéis e em milhares de «e-mails» por abrir.

Nunca houve um «Big Bang».
Por mais sedutoras que fossem as ambições, os resultados foram sempre anti-cósmicos.
Porque ninguém atacou a raiz do problema: os actos administrativos. E isso não se resolve contornando.
Resolve-se dinamitando.

É preciso destruir para construir. E ainda que a lei das probabilidades nos diga para desconfiar, devemos, em vez disso, exigir.
Exigir que seja verdade que o Estado vai revolucionar a forma como se relaciona com as pessoas e com as empresas.
É isso que Sócrates nos vai prometer.

Hoje, somos todos potenciais bandoleiros, patifes encartados ou ladrões de ocasião.
É assim que o Estado olha para as pessoas e empresas: na dúvida, somos bandidagem. Vamos infringir em qualquer oportunidade. E por isso regulamenta tudo, pede informação à náusea, alimenta bases de dados gigantescas e ingeríveis, impõe regulamentos, mandamentos, requerimentos. E depois ninguém fiscaliza. Quem foi medir as distâncias mínimas entre o poste e o passeio?
Quem foi pesar a areia no cimento do prédio?
Quem foi fazer a análise ao alcatrão da auto-estrada?

Sim, é verdade: a União Europeia também pensa dessa maneira. M
ede a sardinha, a fruta e o preservativo.
Honra seja feita, Durão Barroso já lançou guerra ao espírito persecutório da eurocracia.

Matemos nós a raiz do mal.
Se Sócrates fizer o que vai prometer hoje, é virar o mundo ao contrário.
Em vez de desconfiar das pessoas, hiper-regulamentar e pouco fiscalizar, o Estado inverte o paradigma: acredita nas pessoas. Desmaterializa, acaba com assinaturas e carimbos, esvazia notários e conservatórias.
Faz regulamentos minimalistas. E fiscalizações maximalistas.
São assim os modelos anglo-saxónicos.
Não somos ingleses nem americanos? Pois não, somos portugueses com a paranóia do papel.
É exactamente por isso

 
At 27 de janeiro de 2006 às 15:06, Anonymous Anónimo said...

AS DEZ MEDIDAS DO JOSÉ SÓCRATES:

Primeira medida – O Governo vai tornar facultativas todas as escrituras públicas sobre actos relativos à vida das empresas.

Segunda medida – Todo o regime da fusão e da cisão de sociedades vai ser simplificado.

Terceira medida – Criação de uma modalidade de «dissolução e liquidação na hora» das sociedades.

Quarta medida – Vão acabar todos os livros de escrituração mercantil, excepto o livro de actas.

Quinta medida – vai ser simplificada a autenticação de documentos e reconhecimento presencial de assinaturas.

Sexta medida – Criação, para as empresas, de um novo regime de Prestação Única de Contas.

Sétima medida – Prestação única de informação das empresas à Segurança Social.

Oitava medida – Eliminação da obrigatoriedade das certidões de inexistência de dívidas à Segurança Social e às Finanças.

Nona medida – Criação do procedimento «Marca na Hora».

Décima medida – Simplificação da prestação de informação pelas empresas industriais.

 
At 30 de janeiro de 2006 às 19:15, Anonymous Anónimo said...

Preferia os Dez mandamentos

 

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