segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

NOVIDADES NA ESCOLA


Começa a perceber-se o que a Ministra da Educação quer. De vez em quando, surpreende com as suas declarações breves e secas. Têm algo de parecido com as de Sócrates, só que as afirmações do primeiro-ministro são geralmente ríspidas e agressivas. Enquanto as de Maria de Lurdes Rodrigues têm um ar calmo e por vezes doce. São geralmente certeiras, na medida em que visam problemas reais das escolas e da sociedade. Usa pouco palavreado e não revela vontade de se enredar na já conhecida "fase de negociação" durante a qual se perdem as melhores intenções.

Durante os últimos meses e de modo crescente tem a ministra vindo a tornar públicos planos para reorganizar a escola. Parece pensar tanto na escola como na sociedade. Ainda não lhe deu, felizmente, a vertigem da "grande reforma da educação". Por enquanto, selecciona problemas e indica o modo como pretende resolvê-los. Ou antes, diz qual é a sua solução. Os exemplos são vários. Procura manter as escolas abertas até ao meio ou fim da tarde. Quer fechar as escolas com menos de 10 ou 15 alunos. Deseja criar um sistema permanente de substituição dos professores faltosos ou com baixa. Pretende assegurar a estabilidade do corpo docente. Tenta garantir uma estabilidade razoável dos manuais escolares. Muito bem! Cinco vezes muito bem.


Os professores estão divididos quanto a estas matérias. Os alunos também. Os pais parecem, pelo que se ouve, mais satisfeitos do que críticos. Curiosamente, ou talvez não, os sindicatos de professores estão praticamente todos contra quase todas estas medidas. Eles não se enganam. Sentem, justamente, que estão a perder poder e que a sua soberania na escola e no sistema de educação está a ser posta em causa. Perceberam que a ministra tem um programa de reforço da disciplina e que deseja que a escola sirva melhor a comunidade, não exclusivamente os docentes. A ministra deve ouvir as críticas dos sindicatos como um elogio. E deve afastar qualquer ideia de "chegar a um consenso" com aquelas organizações: se o fizer, é porque perdeu. Também não será possível chegar a um entendimento com todos os professores. Como em nada de importante na vida, essa unanimidade nunca se fará. Mas deve estar atenta ao facto de haver muitos professores, assim como pais, cientistas e profissionais, que estão disponíveis para pôr em prática este novo espírito e alguns destes novos princípios que regulam a escola e o sistema educativo.


Dito isto, as intenções da Ministra merecem análise atenta e exame severo. Na verdade, o seu estilo breve e seco não permite compreender o alcance das suas ideias, nem muito menos o modo como entende proceder às reformas e à reorganização. Ora, muito se pode ganhar ou perder no modo como as coisas se farão. Além disso, as ideias simples a atraentes são muitas vezes difíceis de concretizar, exigem planos e estratégias e requerem atenção permanente e acompanhamento. Como pedem e implicam que se tenha em consideração os contextos mais alargados, isto é, as condições de êxito das medidas anunciadas.

Os manuais escolares, por exemplo. Garantir a sua estabilidade e um prazo razoável de duração ou validade é uma boa intenção. Mas, dar estabilidade a maus manuais é um desastre. Ora, segundo tantas opiniões, cada vez mais públicas, a qualidade média dos manuais portugueses é medíocre. Resultam de programas mal elaborados. Estão frequentemente recheados de ideologia barata. Têm erros de palmatória. São caros de mais. Estão mal ajustados aos níveis de desenvolvimento intelectual das crianças e dos alunos. Exibem um hermetismo e uma complexidade teórica inadequados ao grau e à maturidade dos alunos. Colocam-se, muitas vezes, acima das capacidades de abstracção dos respectivos alunos. Entre outros efeitos nefastos, tornam impossível o acompanhamento, pelos pais, mesmo licenciados, da aprendizagem e do estudo dos seus filhos. Conheço cientistas e profissionais de várias disciplinas que consideram estes manuais e respectivos programas absolutamente errados, mas que nunca são ouvidos. Ninguém, fora do sistema e da indústria de manuais, avalia os livros disponíveis. Os programas de matemática, de português, de ciências sociais e de história, por exemplo, são severamente condenados por profissionais, cientistas e universitários. Desde que não tenham interesses directos no comércio dos manuais, pois claro.


Outro exemplo, o fecho das escolas com meia dúzia de alunos. Do ponto de vista pedagógico, uma escola dessas é simplesmente um horror. A socialização e a aprendizagem ficam condicionadas a uma espécie de isolamento ou de mundo fechado que terá certamente consequências nos planos intelectual, cultural, técnico e psicológico. Mas, para fazer isto, sem criar o caos nem um novo inferno pedagógico, é necessário prever, ao milímetro, os transportes seguros e confortáveis, os novos lugares nas escolas de superior dimensão, as refeições das crianças e a segurança, sem descurar os problemas criados aos pais e aos professores com o novo sistema. Decidir com determinação e sensibilidade é de louvar. Mas decidir "à bruta", para obter efeitos fáceis, é um erro.

A substituição de professores faltosos ou em baixa é outro exemplo. A intenção é justa. Mas a solução deve ser simples e ficar a cura da escola, sem preocupação de qualquer ordem pelos obstáculos que os sindicatos de professores tentam levantar. Como têm dificuldade em invocar o seu "direito a faltar" quando lhes apetecer, argumentam com a "coordenação" e a "articulação disciplinar", inúteis fantasias. Frequentei, durante quatro anos, a universidade de Genebra, na Suíça. Nunca tive um só "furo" nos horários. Mesmo em caso de doença imprevista, o professor faltoso era sempre substituído. Como estudante, um dos modos de ganhar a minha vida era o de dar aulas de substituição no ensino secundário. Muitas dezenas de vezes, recebi um telefonema de véspera, ou às sete da manhã: era uma escola a pedir-me para substituir um professor em falta. As minhas matérias eram as que eu estudava, ciências sociais, história, cultura geral, etc., mas as aulas em falta podiam ser de qualquer disciplina. O que importava era manter os alunos na escola e aproveitar para lhes dar complementos de outros assuntos.


As questões de método são essenciais. As melhores ideias podem transformar-se em desastres A ministra seria sábia se conseguisse obter o apoio de muitos pais e suas organizações. Seria inteligente se obrigasse as autarquias a assumir as suas responsabilidades educativas. Seria avisada se procurasse, fora do sistema, fora dos professores requisitados para o ministério e fora das indústrias e do comércio educativos, apoio e opinião. Sozinha, não vai lá. Com os sindicatos de professores, também não. Com a sociedade, os cientistas e os pais, talvez.

António Barreto