A NOVA D.BRANCA?
Agora que as autoridades espanholas intervieram no negócio dos selos, a nossa comunicação social não vai perder a oportunidade de produzir notícias.
Mas esqueceram-se de que o investimento em selos já foi notícia, só que dessa vez o objectivo da comunicação social era levar os portugueses a serem clientes da Afinsa ou ao Fórum Filatélico, não só o dono da Afinsa beneficiou do tempo de antena de uma das TVs, onde foi apresentado como o português de sucesso em Espanha, como os jornais se desdobraram em notícias simpáticas.
Um exemplo:
«Investir em selos pode gerar uma valorização média anual em torno dos 10%. Tendo em conta este "filão", são muitos os portugueses que têm vindo a aderir a este investimento, com as duas únicas empresas que se dedicam ao negócio em Portugal - Afinsa e Fórum Filatélico - a registarem crescimentos entre os 60% e os 100% anuais, no que respeita ao número de clientes.» [Diário de Notícias 2006-02-03 Link]
Também o Expresso na coluna 'O seu dinheiro' garantia no título que os selos portugueses garantem investimento, dedicando um extenso artigo à Afinsa e ao Fórum Ibérico, onde mais simpático não podia ser:
«A natureza internacional do selo pesa bastante na altura de apostar neste mercado-refúgio: «O facto de existirem coleccionadores em todo o mundo faz do selo um valor realizável em qualquer país», refere José María Sempere, director-geral da Afinsa Portugal, uma empresa (fundada em Madrid por um português no início da década de oitenta) que gere negócios na área filatélica. A Afinsa é agente exclusiva em oitenta países, sendo responsável por 70% das vendas portuguesas para outros países.» [Expresso 2003-06-14 Link]
«Investir em selos pode gerar uma valorização média anual em torno dos 10%. Tendo em conta este "filão", são muitos os portugueses que têm vindo a aderir a este investimento, com as duas únicas empresas que se dedicam ao negócio em Portugal - Afinsa e Fórum Filatélico - a registarem crescimentos entre os 60% e os 100% anuais, no que respeita ao número de clientes.» [Diário de Notícias 2006-02-03 Link]
Também o Expresso na coluna 'O seu dinheiro' garantia no título que os selos portugueses garantem investimento, dedicando um extenso artigo à Afinsa e ao Fórum Ibérico, onde mais simpático não podia ser:
«A natureza internacional do selo pesa bastante na altura de apostar neste mercado-refúgio: «O facto de existirem coleccionadores em todo o mundo faz do selo um valor realizável em qualquer país», refere José María Sempere, director-geral da Afinsa Portugal, uma empresa (fundada em Madrid por um português no início da década de oitenta) que gere negócios na área filatélica. A Afinsa é agente exclusiva em oitenta países, sendo responsável por 70% das vendas portuguesas para outros países.» [Expresso 2003-06-14 Link]
Aliás, este mesmo jornal já em 2001 que tinha sido muito simpático para com a Afinsa, tanto que quase receamos que Balsemão tenha aostado uma boa parte da sua fortuna em selos, tão rentável que o negócio era apresentado:
«O selo português tem uma grande capacidade de valorização (cerca de 8% por ano, em média) e goza de grande prestígio no mercado internacional, devido a uma política filatélica ponderada, que faz do selo um investimento a médio e longo prazo. «As séries são limitadas, mantendo-se o equilíbrio entre a oferta e a procura, o que contribui para a subida da cotação do selo», explica o ex-correspondente da RTP, acrescentando que «este não é um mercado especulativo, a não ser que apareça uma raridade».
A AFINSA compra mais de metade da produção dos CTT - Correios de Portugal para depois a distribuir por todo o mundo, sendo também a responsável pela fixação da cotação do selo português.» [Expresso 2001-06-30 Link]
E em 2003 o mesmo Expresso aproveitou a Revista Única paa dar destaque patrão da Afinsa:
«No entanto, Albertino de Figueiredo vive num ambiente que inspira respeito. A sua casa é um imenso apartamento situado na mais elitista das zonas residenciais de Madrid, o bairro de Salamanca, e a cinco minutos a pé do edifício de luxo onde a Afinsa ocupa três andares. Nas paredes inundadas de luz podem ver-se quadros de grandes mestres, como Vieira da Silva e o marido, Arpad Szènes, um grande Arroyo azul, desenhos de Dali, Picasso e Botero, etc.» [Expresso 2003-06-14 Link]
JUM
5 Comments:
Quanto maior é o ganho prometido, maior é o risco.
Esta é a regra mais básica que qualquer investidor consciente deve seguir.
No entanto, quanto maior é o ganho, maior é a tendência para acreditar que talvez os riscos não sejam assim tão grandes.
Se alguma coisa boa saiu do caso Afinsa e Fórum Filatélico foi a chamada de atenção – da forma mais brutal – para esta realidade.
Um dos primeiros avisos sérios, em Setembro, partiu do Financial Times, que num extenso artigo analisava a pente fino as contas das duas empresas agora intervencionadas em Espanha, mostrando a quem quisesse ver que, apesar das belas fachadas das sedes, as estratégias da Afinsa e do Fórum Filatélico pouco diferiam do negócio de vão de escada de Dona Branca.
Os investidores – peço desculpa, os coleccionadores – assobiaram para o lado.
Não foram apenas os investidores que ignoraram os sinais.
O Banco de Portugal, a CMVM, todas as autoridades do nosso gordíssimo Estado, entretiveram-se ontem a chutar a bola para a frente, recusando qualquer responsabilidade no processo.
A CMVM já avisara, em finais do ano passado, para o risco associado a este tipo de investimentos e para o facto deste mercado não ser regulado. Por outras palavras, a CMVM lembrava que, no caso de um buraco como o que se abriu esta semana, ninguém seria chamado à pedra.
Os investidores estavam no negócio por sua conta e risco.
Mais uma vez, ignoraram os sinais. É certo que a letra da lei exclui as autoridades de responsabilidade legal no caso.
Mas não apaga a responsabilidade política de quem sabia – ou pelo menos desconfiava – há meses que estava em formação um enorme esquema de pirâmide.
Foi talvez esta má consciência que levou, em Espanha, o primeiro ministro a tranquilizar os clientes das duas empresas, que investiram, no total, cerca de cinco mil milhões de euros em selos e obras de arte a troco de promessas de rentabilidades muito superiores às normais no mercado. Zapatero não explicou as medidas que iria tomar.
Mas certamente não lhe passará pela cabeça que seja o Estado – os contribuintes que nada ganharam com o esquema – a assumir um prejuízo que não lhes pertence.
Em Portugal, seria bom que as autoridades esclarecessem, não aquilo de que suspeitavam, ou as responsabilidades que não tinham, mas o que pretendem fazer agora. Sem desvirtuarem a regra básica do mercado: arriscar, significa estar disposto a perder.
Nisso, o mercado dos selos é igualzinho aos outros.
O esquema dos selos desmoronou-se como um castelo de cartas e deixou 343 mil investidores com as mãos a abanar.
É uma velha história com as consequências do costume. Milhares de pessoas enganadas em todo o mundo.
Milhares de investidores, grandes e pequenos, que acreditaram na corrida ao ouro e agora ficaram com uns selitos para lamber em casa e enviar por carta a um amigo a queixar-se do engodo.
Alguns, nem sequer isso: os selos nunca chegaram sequer a sair da custódia da empresa vendedora; ou, por hipótese, podem até ser falsos, obra de um artista com bom olho para copiar.
Claro, até à sentença – se houver julgamento – prevalece a presunção de inocência dos envolvidos.
As empresas Fórum Filatélico e Afinsa têm direito a essa protecção legal.
No entanto, não é Albertino de Figueiredo, fundador da Afinsa, que nos deve preocupar.
O alarme deve seguir na íntegra para as 343 mil pessoas que depositaram confiança e poupanças num negócio que, segundo as últimas notícias, envolve 5 mil milhões de euros.
É muito dinheiro, mais de três por cento do PIB português, metade do valor da Portugal Telecom.
É incrível como um negócio com esta dimensão funciona com as mesmas regras da mercearia aqui da esquina.
Na verdade, a mercearia aqui da esquina está sujeita a um controlo mais apertado, como se tem visto nos últimos dias com os raides surpresa da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica. Primeiro fecharam os restaurantes chineses por falta de higiene. Depois os restaurantes nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro.
Seguiram-se as padarias (havia uma onde as carcaças dividiam o espaço com ratazanas).
É provável que supermercados e mercearias sejam os próximos alvos da inspecção.
Seja quem for, o que interessa é o princípio: há regras a cumprir e uma entidade independente que fiscaliza o cumprimento para garantir que os consumidores não são vítimas, são consumidores.
No negócios dos selos – moedas ou antiguidades, bens tangíveis – não existe esta garantia.
Ao contrário do que acontece no mercado de capitais, não há um regulador como a CMVM que policia todos os dias os movimentos para ter a certeza que não se vende gato por lebre.
Como se sabe, nem isso, às vezes, basta para evitar as fraudes.
Nos selos a coisa é ainda pior.
Os selos são uma espécie de ilha perdida que promete rendibilidades elevadas a troco de investimentos que podem ser modestos ou elevadíssimos.
Não é ilegal, é uma actividade legítima, mas a vulnerabilidade dos jogadores é enorme.
Em última instância, só a justiça criminal e civil pode controlar o que acontece neste mundo.
Mas quando esta justiça actua, regra geral é tarde de mais.
Perante estes acontecimentos, duas conclusões: os investidores têm de ser mais prudentes; e o Estado terá de encontrar mecanismos de controlo também para estes negócios que oferecem juros encapotados (encapotados para não entrarem na alçada dos bancos e dos regulamentos do mundo financeiro). Ou seja, são precisas regras para cumprir e uma entidade para as supervisionar. Não vale a pena exagerar, como acontece nos mercados de capitais dos Estados Unidos depois da aprovação da regras Sarbanes & Oxley. A fúria legislativa, provocada pelos escândalos Enron e Worldcom, foi tão violenta que hoje as bolsas americanas se tornaram menos competitivas do que as europeias (basta ver o número de novas empresas cotadas em Nova Iorque e as que preferiram Londres). Ou seja, regras a mais é tão mau para os negócios como regra nenhuma. Mas regra nenhuma tem sempre um final triste: a fraude, um azar muito tangível para quem o sofre.
Lá o Bugalheira ficou entalado com o negócio dos selos.
Logo ele que é um rapaz tão bom negociador, lá foi o que investiu em selos pelo cano de esgoto abaixo.
Coitado dele...
Esta inacreditável história do escândalo dos selos tem muitos suspeitos, vários responsáveis e um único culpado. O Estado. O eterno Pilatos que lava as mãos, atirando para outros o poder que é apenas seu, omitindo-se de regular e fazendo-se passar por ingénua vítima.
Porque a questão essencial é que a actividade financeira desenvolvida pelas empresas emissoras de «fundos de selos» não começou a ser ilegal na passada segunda-feira. Ou já o era antes ou nunca o foi.
Se era ilegal, em algum mínimo aspecto que seja, então o Estado tem uma brutal responsabilidade por não ter tomado medidas atempadas.
Se nunca foi ilegal, então a forma de acção utilizada pela justiça, provocou o estoiro do mercado dos selos e desvalorizou as carteiras de investimento dos aforradores. É impossível esquecer a pompa e circunstância com que o Governo de Madrid anunciou a acção. Se se tratasse de uma fraude fiscal ou contabilística pura, haveria mil outras maneiras de accionar a justiça sem fazer estoirar o mercado.
De facto, num só dia, a lei invadiu duas empresas, prendeu, inspeccionou in loco, apreendeu e denunciou um esquema de fraude documental, de fuga aos impostos e de falsificação financeira. Desta forma, uma bomba explodiu nas algibeiras de largas dezenas de milhares de aforradores que apostaram as suas poupanças em produtos financeiros de rentabilidade fixa e o mercado dos selos conheceu o seu toque de finados arrastando o conjunto dos mercados baseados no coleccionismo.
Para os aforradores em produtos financeiros de selos foi como se a bolha da bolsa tivesse estoirado. E como se fosse bolsa, as autoridades adequadas depressa se adiantaram a recordar que tinham avisado dos riscos associados a tais investimentos, lavando antecipadamente as mãos do «azar» que já sabiam que ia bater à porta dos incautos.
Mas a verdade é que até há dois dias havia um mercado de selos que, em Portugal, começava nos CTT. Com as suas emissões especiais só para coleccionadores, com tiragens limitadas, com os seus carimbos de primeiro dia, vendidos nos respeitáveis balcões dos correios ou só por encomenda. Uma área de negócio fundamental para todos os emissores de selos.
Um negócio baseado no espírito coleccionista partilhado por muita gente mas sobretudo um negócio de poupança e investimento. Um negócio assente na convicção de que, com o tempo, os selos valorizam. Um negócio baseado na credibilidade.
Em cima deste negócio dos CTT de todo o mundo, um vasto negócio complementar foi desenvolvido. Um negócio aberto, institucionalizado, com balcões e marca, com centenas de funcionários, com prospectos informativos, com divulgação e publicidade, com empresas prestigiadas, com dirigentes com rosto e envolvidos na vida associativa, com contas escrutinadas, com lucros, impostos e inspecções fiscais realizadas.
Um negócio com «idoneidade» tal como recomendava o Banco de Portugal.
E por isso, a parte que mais perturba nesta denunciada fraude de duas empresas, não é a fraude em si mesma mas a falta de eficácia legislativa e institucional do Estado cuja prioritária tarefa é proteger os cidadãos do teatro de sombras que é o mundo financeiro.
Dona Branca e o Estado
O último número da revista New Yorker inclui um artigo, The Perfect Mark, de Mitchell Zuckoff, sete pági- nas com todos os pormenores da burla de que foi vítima um tal John W. Worley, comum cidadão norte-americano, psicoterapeuta de uma respeitável instituição religiosa de Groton, no Massachusetts.
O sr. Worley sofreu um daqueles contos-do-vigário que qualquer frequentador da Net conhece: o e-mail que informa que um qualquer fulano de nome africano ou asiático tem acesso a uns milhões de dólares que uma vicissitude política local imobilizou e a que o signatário está ligado. Este precisa de ajuda para movimentar o dinheiro, a troco, claro, de uma sugestiva comissão - para a qual pede auxílio.
O interesse do texto de Zuckoff é, antes do mais, contar todos os pormenores do que é já hoje uma relevante actividade, nomeadamente com origem na Nigéria. Mas, de um ponto de vista mais conceptual, coloca duas questões com especial interesse.
A primeira é como a mitologia da oportunidade, tão ancorada no imaginário cultural americano, e o seu aproveitamento tornam os mais respeitáveis cidadãos vulneráveis ao que para o comum dos mortais é uma infantil vigarice.
A segunda é mais complexa.
Zuckoff desenvolve a adquirida ideia de que para haver um vigarista há sempre dois: um que acena com dinheiro fácil e escuso, mas outro que por ele é seduzido, exactamente porque fácil e escuso.
Possivelmente há aqui alguma verdade. Mas, colectivamente e enquanto sociedade, não temos responsabilidades nisto?
A questão adquire inesperada actualidade com a versão filatélica da D. Branca com que a Ibéria foi agora confrontada.
Dizem as gazetas: "As autoridades estavam atentas!" Que bom! Mas porque será que o tal "menos Estado e melhor Estado" do vigente liberalismo nunca evita a tempo as vigarices que envolvem muito dinheiro?
Ruben de Carvalho
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