quarta-feira, 3 de maio de 2006

É SÓ UMA QUESTÃO DE MATEMÁTICA... ESTÚPIDOS!

Os catetos e a hipotenusa não mordem


Como se sabe, não é difícil encontrar desmotivados estudantes que pensam que a matemática cheira mesmo mal.


Eis uma conhecida charada: “Três amigos vão jantar a um restaurante e no final um empregado apresenta-lhe um conta de 30 euros, a qual, dividida pelas três, dá 10 euros a cada um. Quando o empregado leva o pagamento ao dono do restaurante liquidar a conta, este, tendo em atenção que aqueles eram clientes habituais, resolve fazer um desconto e devolve-lhes 5 euros. Desse desconto, os três amigos distribuem 1 euro por cada e deixam 2 euros de gorjeta. O jantar custa assim 9 euros a cada, o que multiplicado por 3 dá 27 euros; juntando-se os 2 euros de gorjeta, o total perfaz 29 euros. Onde foi parar o 1 euro que falta aos 30 iniciais?”

Eis, agora, um excerto de um manual de de matemática: “Enunciamos o teorema seguinte, conhecido por teorema de Thales: Sejam A e B dois pontos diferentes e M um ponto qualquer de uma recta D; os pontos A’, B’ e M’ sendo as imagens dos pontos A, B e M por uma projecção não constante p da recta D sobre uma recta D’, o ponto M’ tem a mesma abcissa no referencial (A’, B’) que o ponto M no referencial (A, B)”.


Ao subtrair-se à matemática o ensino da sua história (origens) e o estímulo intelectual dos problemas reais que ela resolve (finalidades) – mesmo que por vezes sob a forma simplista de pequenos jogos ou charadas – corre-se o risco de se lhe esconder parte do encanto e algum do seu perfume: por isso, como se sabe, não é difícil encontrar desmotivados estudantes que pensam que a matemática cheira mesmo mal. Torna-se fácil perceber tudo isto se relermos a citação anterior (insisto: retirada de um manual de ensino): que atracção pode exercer sobre um estudante um primeiro contacto com aquele teorema, nos termos abstractos em que ele se apresenta? Nenhuma. Com certeza, por isso, muitos alunos desistem de o compreender, outros não perdoam a Thales pela sua complexa abstracção, outros ainda pensam que Thales é contemporâneo e provavelmente professor de uma outra turma. Mas com hipóteses motivadoras e com o recurso a um pouco do passado – ou mesmo combinando as duas coisas – o ensino pode suscitar outro interesse: que tal explicar que Thales mediu as pirâmides a partir da sua sombra tendo observado o momento em que a nossa própria sombra é igual à nossa altura? Como explicou Michel Serres num comentário ao teorema: “a geometria é astúcia, faz rodeios, pega uma via indirecta para chegar ao que ultrapassa a prática imediata. A astúcia, aqui, está no modelo: construir por redução de razão constante um esqueleto da pirâmide. De facto, Thales não descobriu outra coisa além da possibilidade da redução, a ideia de razão, a noção de modelo. Para uma pirâmide inacessível, Thales inventa a escala”.

Estou longe de perceber de matemática e do seu ensino, para além do que intui e opina o comum dos cidadãos, mas um recente estudo da APEME (”Os estudantes, a matemática e a vida financeira”, integrado no meritório programa “Da matemática à literacia financeira”) revelou alguns dados curiosos sobre a predisposição dos alunos para a sua aprendizagem. Uma das conclusões traduz-se no facto de interesse dos alunos, sua facilidade de aprendizagem e respectivas classificações a matemática estarem condicionados à ligação emocional estabelecida com os docentes: da minoria de estudantes que disse ter uma má relação com o professor, apenas 19% tem interesse ou muito interesse na disciplina; já no grupo que tem uma relação satisfatória com o docente, idêntica resposta é dada por uma esclarecedora maioria de 57% dos alunos. Que dizer desta conclusão quando relacionada, por exemplo, com a impressão generalizada (aparentemente fundamentada em estudos e inquéritos) de que uma larga maioria dos candidatos a professores primários escolhe tal curso justamente para “fugir” a experiências “traumáticas” com a matemática? Talvez baste o comentário que constava da notícia em que vi publicado aquele estudo, feito pela mãe de uma aluna: “Eu dei no Verão passado com a minha filha a comprar umas calças e a dizer: ai que bom, tem um desconto de 30%. E quanto é isso?”.

Pois é, como consta do título - que copiei de um projecto de ensino da matemática (PmatE) -, “os catetos e a hipotenusa não mordem”: pelo contrário, podem mesmo ajudar-nos a descobrir o preço dos jantares com amigos, a medir pirâmides ou a calcular os descontos das calças que queremos comprar. E algumas coisas mais.

Nuno G. Ribeiro

1 Comments:

At 4 de maio de 2006 às 00:38, Anonymous Anónimo said...

Enquanto houver professores/as da nossa escola, que dão fichas aos alunos, com matérias ainda não leccionadas, para estes resolverem nas aulas, ficando os professores sentados na sua secretária, indiferentes ás dúvidas dos alunos, nada vai melhorar no ensino.
Como podemos esperar interesse dos alunos, se existe um "brincalhão" de um prof de matemática na nossa escola que quando um aluno lhe diz: pode-me explicar isto? ouve como resposta:isso era o que tu querias!
Qual o incentivo para estudar, quando um professor dá a mesma nota a um aluno que tira 38% de média nos testes que a um aluno que tira média de 70%.
Qual o incentivo para estudar, quando um professor dá negativa a matemática a um aluno (com dificuldades de compreensão do portugês, mas que tem feito um esforço enorme) que tem positiva nos dois testes realizados no período e, dá positiva a alunos que têm negativa, invocando que o aluno participa pouco? Como quer que ele participe, se tem dificuldade em falar português?
Com professores assim, o que é de admirar, é que ainda haja alunos que tenham interesse pela escola.

 

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