segunda-feira, 21 de agosto de 2006

NO VERÃO... SARJETAS

Portugal é um país vulnerável onde a prevenção dos desastres não existe ou, existindo, falha. E falha em aspectos tão elementares como a limpeza das matas ou o desentupimento das sarjetas.

Ainda há poucos dias o ministro da Administração Interna se queixava do estado de abandono das florestas, apontando o facto como responsável pela proliferação e devastação dos fogos.
Mas dias depois choveu e as chuvadas que apagaram os incêndios inundaram as cidades onde as sarjetas estão entupidas e as linhas de escoamento das águas estão bloqueadas com betão. Toda a gente sabe que determinadas causas produzem determinados efeitos e o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, entre outros, anda há décadas a pregar no deserto contra os perigos da desordem na paisagem.

Portugal é muito dado a fatalidades, sinas e desgraças apontadas como naturais, como fogos, inundações e secas. E isso acontece não apenas por questões de laxismo, incompetência e irresponsabilidade mas também por uma postura mental de resignação, uma atitude intelectual de reserva perante os meios para prevenir e combater os desastres, uma sujeição a agouros e superstições.
É como se o entupimento das sarjetas fizesse parte de um destino pré-determinado, um fado colectivo ou uma conspiração de forças ocultas.

Num ciclo que se repete todos os anos, as florestas ardem, as cidades inundam-se, os campos secam e os portugueses lamentam- se.
Antigamente rezavam, encomendando a protecção civil à Divina Providência.
Agora, havendo oportunidade, aproveitam para choramingar por alguns subsídios. Tudo isto acontece também, e acima de tudo, porque a cidadania é uma matéria tão entupida como as sarjetas.

J.P.G.

11 Comments:

At 22 de agosto de 2006 às 12:39, Anonymous Anónimo said...

Estou de acordo com a conclusão do autor mas importa ter em conta que a cidadania floresce melhor com condições favoráveis.
Ao "poder" compete criar essas condições e as condições não se criam constatando que "alguém" não limpou as matas ou construiu onde não devia, criam-se limpando as matas e impedindo a construção onde não se deve construir...

 
At 22 de agosto de 2006 às 14:10, Anonymous Anónimo said...

NO VERÃO... IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE
VEÍCULOS:

Como era de esperar a mudança do modelo de pagamento do imposto municipal sobre veículos além de uma imensa barracada santanista foi um fracasso:

«Mais de 66% dos contribuintes optaram por comprar o selo automóvel nas tesourarias de finanças e apenas 26% recorreram à Internet para liquidar o imposto camarário. Os números, disponibilizados aos serviços internos do fisco na véspera de expirar o prazo de cobrança, indicam que 56% da receita - de um total provisório de 55,8 milhões de euros - foi cobrada por intermédio das tesourarias. Somente 15,4 milhões de euros entraram nos cofres do Estado através da SIBS.»
In: Diário de Notícias

Pergunte-se ao ministro das Finanças quantas asneiras são necessárias para que um subdirector-geral incompetente e que só dá prejuízo ao Estado seja demitido.

 
At 22 de agosto de 2006 às 14:11, Anonymous Anónimo said...

NO VERÃO... TUDO EM FAMÍLIA:

Nas empreitadas da CM de Lisboa:

«A Câmara Municipal de Lisboa escolheu a empresa Alves Ribeiro para reparar o Caneiro de Alcântara, sem concurso público, e construir três piscinas municipais. A Alves Ribeiro, S.A., é presidida por Victor Ribeiro, o sogro do vice-presidente da Câmara e vereador do Património e das Finanças, Fontão de Carvalho.»

In: CORREIO DA NMANHÃ

 
At 22 de agosto de 2006 às 14:13, Anonymous Anónimo said...

NO VERÃO... OS HOSPITAIS PÚBLICOS...

A descrição nua a e crua da forma como os doentes são tratados no hospital:

«A miastenia gravis é, como os especialistas sabem, uma doença do foro neurológico que diminui a capacidade muscular. A minha mãe tem uma enorme dificuldade em mexer-se e está dependente de ajuda braçal, para mais no estado de fraqueza geral em que se encontra. Por ignorância, ou má-fé, as auxiliares (há excepções!) obrigam-na a executar as tarefas diárias (lavagens, comer pela mão própria, etc...) como se ela as pudesse executar da mesma forma que outras doentes. Quando (a contra-gosto) o fazem, é tarde e a más horas, e sempre de forma pouco educada. Quando ela se queixa, ignoram-na ou (pior) tratam-na mal. Algumas "pérolas" por ela escutadas: "esta deve estar a bater a bota", "a senhora que estava aí também morreu da mesma doença", "já mijaste outra vez?", "cagona!"... (presume-se que sejam termos "carinhosos").»

In: Público

 
At 22 de agosto de 2006 às 14:56, Anonymous Anónimo said...

«Como se faz censura em Portugal»

«Não fosse a acção expedita de S. Pedro – o melhor dos nossos bombeiros -, e o país estaria ainda em fase aguda de incêndios. Até à véspera da chuva de Agosto, registou-se em nove dias um terço dos incêndios da época. O Telejornal da RTP de 15 de Agosto referia que o recorde do ano ocorreu na sexta-feira, dia 11, com 579 incêndios. Mas quem tivesse visto a RTP no dia seguinte não acreditaria nisso. No sábado, dia 12, o Telejornal da RTP foi uma das peças mais tenebrosas da informação televisiva em Portugal em muito tempo.

Além do número extraordinário de acendimentos, houve incêndios muito graves pela extensão, consumo de floresta e pastos e perigo para habitações, como os que angustiaram o povo de Peneda-Gerês, Porto de Mós, Sever do Vouga e Oliveira de Frades.

A cobertura deste ano dos incêndios teve, no geral, uma evolução muito positiva. A auto-regulação jornalística funcionou. Desapareceram jornalistas afogueados, chamuscados, e muitas mulheres aos gritos e em convulsões de choro. A cobertura foi informativa de facto, sem que os telejornalistas escamoteassem emoções expressas por bombeiros e populares. O lado emocional não deve ser omitido, pois não só as emoções são parte essencial da humanidade, e portanto, dignas de registo informativo, como elas se misturam amiúde à opinião, como no ressentimento enquanto emoção pública.

Mas se esta nova contenção funcionou favoravelmente à informação na SIC e na TVI, na RTP serviu para esconder uma intolerável censura da livre informação aos portugueses. Nenhuma regra de auto-regulação pode explicar o que aconteceu no Telejornal de 12 de Agosto, que serve aqui como exemplo do que tem sido em geral esta nova forma de censura na RTP.

Nesse dia, o Jornal da Noite (SIC) dedicou seis das suas 33 notícias exclusivamente aos incêndios mais graves do dia, o que correspondeu a 27,7% da sua duração. Deu ainda outras quatro notícias relacionadas com o tema (presumíveis incendiários, prevenção, Galiza, etc.). Este noticiário abriu com 5 notícias seguidas sobre incêndios e voltou ao tema com dois grupos de notícias na sua segunda metade.

O Jornal Nacional (TVI) também abriu com os incêndios mais graves, a que dedicou as suas sete primeiras notícias, dum total de 38. Os incêndios ocuparam 21,8% do noticiário. Ambos os canais privados fizeram três directos aos principais fogos.

E o Telejornal (RTP)? Não fez nenhum directo. Remeteu os incêndios para a 18ª notícia de 28, já depois do desporto. As três únicas notícias sobre incêndios activos foram tão breves que totalizaram menos tempo (1m50) do que a convalescença de Fidel Castro (2m16) ou a vitória dum João Cabreira na etapa do dia da Volta (2m18). As outras três notícias relacionadas com fogos eram todas positivas: um inventor dum autotanque; uma visita de bombeiros alemães a Vila Real; a entrega de 16 jipes pelo Instituto de Conservação da Natureza aos parques naturais (mas antes, sobre o incêndio no Parque Nacional da Peneda-Gerês, o Telejornal falou duas vezes em Arcos de Valdevez e só no meio da notícia referiu uma vez o Parque).

Isto ocorre semanas depois de a Direcção de Informação (DI) da RTP ter emitido um documento com linhas de orientação para a cobertura dos incêndios ? o primeiro até hoje existente do género. O texto propõe atitudes razoáveis e outras de senso comum, mas pode também servir para minimizar a importância dos incêndios. Mesmo assim, incrivelmente, no dia em apreço, que serve como exemplo, a Direcção de Informação conseguiu rasgar o seu próprio documento: apesar de se viver uma situação definida no texto como «absolutamente excepcional», o Telejornal ficou longíssimo de lhe dedicar os mais de 20% da sua duração que a DI da RTP aceitaria legítimo: apenas dedicou 3,8% aos incêndios activos; apesar de vários incêndios cumprirem as três condições que a DI da RTP considera justificativas de directos («o fogo desenrola-se há mais de 12 horas», «decorre numa área protegida ou de especial valor paisagístico e/ou ambiental» e «o fogo ameaça pessoas e bens») não foi feito nenhum directo; as três notícias sobre incêndios foram dadas em off (lidas pelo apresentador), o que significa, aplicando a terminologia desse documento, ter-se considerado que os incêndios referidos não tinham «especial perigosidade e relevância».

Em, resumo, a RTP não cumpriu as suas próprias orientações, quem cumpriu foram a SIC e a TVI.

Trata-se de uma política informativa totalmente deliberada por parte da DI da RTP. Quer a DI quer o governo sabem os danos que a informação sobre incêndios pode causar na apreciação pública dos políticos. No ano passado, o ministro da tutela, António Costa, responsabilizou as televisões pela opinião pública a este respeito. Mas as informações de que disponho indicam que o gabinete do primeiro-ministro deu instruções directas à RTP para se fazer censura à cobertura dos incêndios: são ordens directas do gabinete de Sócrates.

Essa preocupação do governo é também visível no bloqueio informativo sobre os incêndios às TVs e aos jornalistas em geral. Faltava muito para começar a época dos fogos e já a GNR e os comandos dos bombeiros tinham recebido ordens para não prodigalizarem os jornalistas com informação sobre novos incêndios (e se eles não informam é como se os incêndios não existissem fora da sua área de incidência) e também para bloquearem o acesso dos jornalistas à área de comando dos incêndios.

Isso mesmo foi referido no mesmo dia 12 de Agosto no Jornal da Noite. A segunda notícia do noticiário - a SIC quis dar-lhe grande relevo - referia este «bloqueio informativo» destinado a «esconder alguma coisa»: «os jornalistas são proibidos de filmar por perto, uma medida duvidosa do ponto de vista jurídico» e que, acrescentava a jornalista Sofia Pinto Coelho, contraria uma norma do próprio Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil.

Em resumo, o governo está a recorrer a métodos ilegítimos para impedir a informação livre aos cidadãos de Portugal sobre os incêndios, quer no terreno, quer nas instruções que dá à RTP. E a Direcção de Informação da RTP está, na prática informativa, a vergar-se por completo ao interesse político do governo do momento. Esta Direcção de Informação deve ser irradiada da RTP o mais depressa possível e deve retomar-se o difícil processo de independência que vigorou em 2002-2004. O operador de serviço público é do país, não é do governo.»

Eduardo Cintra Torres
In: Público

 
At 22 de agosto de 2006 às 15:14, Anonymous Anónimo said...

Chuva de fogachos esconde deficiências

Quase 90% de alegado sucesso na primeira intervenção nos fogos nascentes não evitaram que este ano esteja a ser um dos piores da década em termos de eficácia no combate aos incêndios florestais. Apesar do Governo – através dos ministros da Administração Interna, da Agricultura e até da Presidência – se ter congratulado esta semana com os bons resultados da «época dos fogos», os dados do último relatório da Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF) contradizem este optimismo. Na realidade, o ano de 2006 está a atingir graus de destruição quase semelhantes a 2004 e piores do que os obtidos no período entre 1996 e 2002.

De facto, descontando os mais de 16 mil fogachos registados até 15 de Agosto – ou seja, as pequenas ignições que, no seu conjunto, não queimaram mais de dois mil hectares –, cada incêndio deste ano causou uma devastação média de 20 hectares. Pior do que isto apenas se encontram os catastróficos anos de 2003 (80 hectares por incêndio) e de 2005 (40 hectares por incêndio). De resto, os valores de 2006 estão um pouco acima de 2004 (25 hectares por incêndio), mas superam largamente os do período anterior a 2003. Por exemplo, em 1999 – último ano em que se ficou abaixo dos 100 mil hectares ardidos –, o grau de destruição cifrou-se em menos de 12 hectares por incêndio.

Mas ainda existem mais sinais de preocupação relativamente ao desempenho no combate. Os incêndios deste ano estão a atingir sobretudo concelhos que, desde 1990, tinham estado quase imunes à devastação das chamas. E a actual taxa de destruição em áreas protegidas (cerca de nove mil hectares em 8% do território português) é o dobro da média nacional. Além disto, mesmo comparando com a situação espanhola – que está a atravessar a pior época da última década, já com 120 mil hectares queimados –, Portugal apresenta, mesmo assim, piores resultados relativos. De facto, como o território de Espanha é cinco vezes e meia superior a Portugal, os nossos 50 mil hectares ardidos até agora representariam, do outro lado da fronteira, 275 mil hectares. Ou seja, mesmo este ano, o nosso país ardeu a uma taxa duas vezes superior a Espanha.

Este cenário mostra, assim, que a aposta na primeira intervenção está longe de ser vencedora. E os resultados até parecem mostrar, em muitas situações, que os indicadores de eficácia podem estar muito longe da realidade. Com efeito, até agora conseguiu-se extinguir 88% de todas as ignições registadas antes de ultrapassar um hectare ardido – fronteira que separa, tecnicamente, os fogachos dos incêndios –, mas a evolução é demasiado excelente para não levantar dúvidas. De facto, na última década a taxa de sucesso da primeira intervenção rondava os 76%, sem que em nenhum ano se conseguisse chegar aos 80%. Estes valores já eram, em si mesmo, demasiado elevados para os padrões internacionais. Por exemplo, na Espanha – onde existem menos ignições e área ardida, mesmo em termos absolutos –, essa taxa ronda apenas os 65%.

Mais do que uma eficácia de excelência – que, em todo o caso, não se repete no combate estendido – estas taxas indiciam alguma «engenharia estatística», que permite manipulações. Com efeito, apenas os incêndios com mais de 10 hectares ardidos têm uma confirmação posterior da sua existência no terreno, por parte da DGRF. Significa isto que a esmagadora maioria dos registos de pequenas ignições é transmitida pelas corporações de bombeiros, sem ocorrer qualquer validação oficial. Por exemplo, no ano passado, 28% dos fogos registados tiveram áreas alegadamente queimadas inferiores a 100 metros quadrados. E existem mesmo milhares de registos com áreas de um, dois ou três metros quadrados. Ou seja, muitos podem nem sequer ter existido.

O interesse em registar muitos fogachos é duplo: funciona como argumento da dispersão de meios – justificativo aquando dos grandes incêndios – e melhora a eficácia da primeira intervenção. Isso mesmo se verifica este ano: houve apenas 2402 incêndios – um valor que está dentro da normalidade –, mas registaram-se quase 16800 fogachos, um número absurdamente elevado. Numa análise detalhada, verificam-se mesmo casos regionais intrigantes. Por exemplo, em Faro, em que apenas arderam 103 hectares até agora, houve já 506 ignições – mais do dobro do número médio em anos anteriores –, das quais 465 foram meros fogachos. Em Aveiro para 1856 ignições contabilizam-se 1765 fogachos, o que deste modo permite uma impressionante taxa de sucesso de primeira intervenção de 95%.

A suspeita de inflação na contabilização de fogachos ganha ainda mais forma quando se comparam os registos nacionais com o Nordeste espanhol, que reconhecidamente apanhou com uma vaga de chamas. Até meio de Agosto, o Ministério do Ambiente espanhol registou 7920 fogos nas comunidades da Galiza, Astúrias, Cantábria e País Vasco e nas províncias de Leão e Zamora. Porém, sem que isso fosse visível no terreno, em Portugal terão sido registados 8.059 fogos apenas nos distritos de Viana do Castelo, Braga e Porto. Neste último distrito contabilizou-se 1702 fogos na primeira quinzena de Agosto – o que dá mais de uma centena por dia –, embora somente surjam nas estatísticas oficiais 212 a ultrapassarem um hectare de área queimada.

Mas também nos reacendimentos – as novas ignições em fogos considerados extintos, por deficiência no rescaldo –, os resultados deste ano mostram uma evolução anormalmente boa. De facto, no último quinquénio, a taxa de reacendimentos em Portugal situava-se nos 4%, quase quatro vezes superior a Espanha. No entanto, este ano, oficialmente os reacendimentos quase desapareceram. Na primeira quinzena de Agosto apenas houve 13, representando 0,2% das ignições registadas. Ora, em igual período do ano passado – em que houve cerca de metade dos fogos –, tinham sido registados 272 reacendimentos, ou seja, 7% do total. Neste caso, por isso, a contabilidade oficial parece estar a excluir reacendimentos, para dar uma ideia de eficácia.

 
At 23 de agosto de 2006 às 11:31, Anonymous Anónimo said...

A crítica de Eduardo Cintra Torres no Público ao tratamento noticioso dos incêndios na RTP assenta em dois “factos” (1) ;

- um, a existência de ordens, ou instruções oriundas do Gabinete do Primeiro Ministro à direcção editorial da RTP quanto ao tratamento dos fogos

(« as informações de que disponho indicam que o gabinete do primeiro-ministro deu instruções directas à RTP para se fazer censura à cobertura dos incêndios: são ordens directas do gabinete de Sócrates».)
- dois, a minimização dos incêndios nos telejornais, em particular num dia em que graves incêndios ocorriam a Norte

“E o Telejornal (RTP)? Não fez nenhum directo. Remeteu os incêndios para a 18ª notícia de 28, já depois do desporto. As três únicas notícias sobre incêndios activos foram tão breves que totalizaram menos tempo (1m50) do que a convalescença de Fidel Castro (2m16) ou a vitória dum João Cabreira na etapa do dia da Volta (2m18). As outras três notícias relacionadas com fogos eram todas positivas: um inventor dum autotanque; uma visita de bombeiros alemães a Vila Real; a entrega de 16 jipes pelo Instituto de Conservação da Natureza aos parques naturais (mas antes, sobre o incêndio no Parque Nacional da Peneda-Gerês, o Telejornal falou duas vezes em Arcos de Valdevez e só no meio da notícia referiu uma vez o Parque)”.

Quanto ao primeiro, Eduardo Cintra Torres terá certamente que ir mais longe no seu esclarecimento, visto que parte de uma situação ambígua entre ser jornalista e dever preservar as suas fontes e emitir um comentário crítico que em principio não é uma notícia. Se tal “facto” (as instruções do Gabinete) foi resultado de uma actividade jornalística normal ele deveria ter sido pela sua relevância incluído no noticiário político do Público e só depois, ou em simultâneo, comentado na coluna de crítica. O estatuto de colunas de crítica como a que mantém no Público é ambíguo, como aliás acontece com muito do que hoje se escreve nos jornais em peças assinadas que misturam factos com opinião. Por se tratar de uma coluna identificada como tal, isso protege a opinião, mas “desprotege” os factos lá referidos em primeira mão. Isso explica o processo da RTP, que Cintra Torres certamente ponderou, como consequência possível do conteúdo da coluna.

Duas observações de passagem, mas relevantes para o “caso”. Uma é que Eduardo Cintra Torres produz uma das raras colunas de comentário sobre a televisão (na realidade é mais do que isso é crítica dos media, o que explica alguns furores) que pode ser chamada de “crítica”. A outra é que nas reacções de alguns jornalistas ao “caso” é claro que não perdoam a Cintra Torres ter colocado em causa não o Governo de Sócrates, mas a muito mais delicada questão das relações dos governos socialistas com a comunicação social. Quando os governos são do PSD e do CDS, as relações com a comunicação social são cuidadosamente escrutinadas e denunciadas, quando os governos são do PS a matéria torna-se sempre explosiva e a exigência de prova, mesmo em textos analíticos, vem sempre à cabeça. Um caso menor pode servir de comparação: a relativa complacência com que o livro de Manuel Maria Carrilho foi recebido, com acusações insubstanciadas muito mais graves do que as que fez Cintra Torres (caso fiquem elas também por provar, o que seria grave).

Sobra o segundo “facto” que aparentemente ninguém quer discutir, remete para uma análise da informação da RTP, repito aqui o que escrevi antes do artigo de Cintra Torres:

O governo tem beneficiado de uma cobertura jornalística que tem minimizado a importância dos incêndios este ano, e consequentemente, não confronta a realidade com o que foi prometido e anunciado. Parte desta situação vem dos compromissos que a comunicação social, em particular as televisões, assumiram quanto à cobertura dos fogos, corrigindo os excessos do ano passado. Mas, como quase sempre acontece, a correcção do excesso foi desequilibrada e neste ano, a não ser os atingidos pelos incêndios, não há percepção pública da gravidade do que se está a passar. Isso ajuda à desresponsabilização do governo e impede o debate sobre a eficácia das suas medidas e sobre o modo como está a reagir à situação, assumindo uma atitude de de muito mau agoiro para o futuro. (no Abrupto)


A governamentalização da informação da RTP (com este e com todos os governos) tem uma raiz de fundo impossível de corrigir sem a sua privatização: o seu carácter de estação “pública” torna-a dependente de orientações governamentais quanto à sua cadeia hierárquica de poder interno e financiamento . Como muitas vezes tenho dito, o mais importante é escolher as pessoas certas para o lugar certo, não dar “instruções “ pelo telefone. E depois há o dinheiro que vem do bolso dos contribuintes e cujas “orientações” de despesa (por exemplo na compra do circo do futebol) têm relevância política.


Acresce depois que a mais ambígua das coisas é aquilo a que se chama "serviço público", nunca claramente definido. Tanto serve para fazer a cobertura menos incómoda para o governo dos incêndios, como de muitas outras matérias, como para produzir simultaneamente alinhamentos no telejornal completamente tablóides (2) (com o argumento que uma televisão que ninguém vê não cumpre com o "serviço público"), como para tratar a agenda governamental com uma deferência particular dando a ministros, secretários de estado, inaugurações e anúncios de obras um lugar privilegiado nos telejonais (3). Etc., etc.

(1) Coloco factos entre aspas não por fazer um julgamento sobre a sua veracidade, mas para me referir a uma categoria jornalística determinada.

(2) Exemplos de ontem: o telejornal das 13 horas abre com uma longa peça sobre a queda de um ultraleve em Cascais, em contraste com o conteúdo noticioso das notícias da SIC (não vi a TVI).

(3) Um exemplo positivo de como um jornalista deve tratar uma inauguração e um anúncio governamental foi a de um jornalista da SIC que apertou Correia de Campos com perguntas sobre medidas que anunciavam uma cobertura da população por médicos de família. Acabou-se por saber que afinal essa cobertura era de um terço dos abrangidos e desse terço apenas um terço iria ser coberto até ao fim do ano, se tudo corresse bem. Passou-se de um anúncio genérico, para um terço de um terço. Mérito do jornalista que não tem o estilo dos telejornais da RTP.

José Pacheco Pereiro
No: ABRUPTO

 
At 23 de agosto de 2006 às 11:36, Anonymous Anónimo said...

Os mandarins da RTP - esse nefando "serviço público" de televisão - querem pôr em sentido o cronista do Público Eduardo Cintra Torres. Nem nos piores tempos do "barrosismo-santanismo" - em que o referido cronista zurziu metodicamente o desempenho do dito "serviço público" e da respectiva tutela - se foi tão longe. O "país do respeitinho" clama imediatamente por tribunal: não há debate, não há confronto, não há conflito, não há "espaço" público. Do que pude ler no artigo visado - e digo visado no sentido pejorativo que o termo tem - ECT questiona uma "política de informação" e fá-lo a partir de uma análise detalhada de um concreto telejornal. Foi, pelo menos neste aspecto, objectivo. E quem assistiu, lembra-se. Aqui, no entanto, subsiste um pequeno problema. O PS não sabe lidar com a informação. Nunca soube. O pobre do dr. Sarmento, ao pé deles, é um amador. Dantes era o eterno Arons de Carvalho que opinava e mandava. Agora deve ser um "colectivo". A sofisticação é outra. No meio disto tudo, paira uma fantástica "entidade reguladora" que, mesmo antes de ouvir o visado, já opinou. Fica esclarecida definitivamente - como se fosse preciso - a "natureza" da "entidade". Luís Marinho, que "dirige" a maravilhosa informação da RTP, já apareceu, em voz, na SIC-Notícias e mais valia ter estado calado. Falta falar o governo que sofreu, realmente, uma grave acusação. Menos que Augusto Santos Silva, não é aceitável

 
At 23 de agosto de 2006 às 16:05, Anonymous Anónimo said...

Deixamos aqui uma explicação simples de corrupção segundo a Wikipédia. Sabemos que as autarquias, alguns deputados, o meio partidário, a construção civil, o futebol, ou seja, a futebolítica - são hoje os canais por onde perpassa boa parte da corrupção política em Portugal. Por isso valerá a pena precisar alguns conceitos, recordar algumas articulações desta nossa sociedade cancerosa que ameaça fazer desabar os pilares da própria democracia e os fundamentos do Estado de direito.
A palavra corrupção deriva do latim “corruptus” que, numa primeira acepção, significa “quebrado em peças” e numa segunda acepção, “apodrecido”, “pútrido”.

O verbo corromper significa tornar pútrido, podre.

Numa definição ampla corrupção política significa o uso ilegal - por parte de governantes, funcionários públicos e agentes privados - do poder político e financeiro de organismos ou agências governamentais com o objetivo de transferir rendimentos públicos ou privados de maneira criminosa para determinados indivíduos ou grupos de indivíduos ligados por quaisquer laços de interesse comum – como, por exemplo, negócios, localidade de moradia, etnia ou de fé religiosa, laços familiares (como alegadamente se supõe na autarquia lisboeta) e muitos outros etc...

Em todas as sociedades humanas existem pessoas que agem segundo as leis e normas reconhecidas como legais do ponto de vista constitucional.

No entanto, também existem pessoas que não reconhecem e atacam essas leis e normas para obter benefício pessoal.
Essas pessoas são conhecidas sob o nome comum de criminosos.
No crime de corrupção política, os criminosos – ao invés de assassinatos, roubos e furtos - utilizam posições de poder estabelecidas no jogo político normal da sociedade para realizar atos ilegais contra a sociedade como um todo.

A corrupção ocorre não só através de crimes subsidiários como, por exemplo, os crimes de suborno (para o acesso ilegal ao dinheiro cobrado na forma de impostos, taxas e tributos) e do nepotismo (colocação de parentes e amigos aos cargos importantes na administração pública).
O acto de um político se beneficiar de fundos públicos de uma maneira outra que a não prescrita em lei – isto é, através de seus salários - também é corrupção.

Um exemplo clássico de corrupção é utilização por um político de seu conhecimento e de seu poder de tomada de decisão sobre fundos públicos na realização de um investimento particular (ou de seus companheiros políticos) para a compra de terras ou propriedades baratas que ele sabe que se irão valorizar em função de obras (como estradas e avenidas) que ele – enquanto governante - sabe que o governo fará com dinheiro público.

Todos os tipos de governos são afetados por crimes de corrupção, desde uma simples obtenção e dação de favores como acesso privilegiado a bens ou serviços públicos em troca de amizade até o pagamento superfaturado de obras e serviços públicos para empresas privadas em troca do retorno de um percentual do pagamento para o governante ou para o funcionário público.

O acto considerado crime de corrupção e o acto não considerado crime de corrupção podem variar em função das leis existentes e, portanto, depende do país em análise.
Por exemplo, obter ajuda financeira de empresários para uma campanha política é um ato criminoso em países em que todos os valores gastos nas eleições necessariamente têm de vir de fundos públicos (de maneira a que grupos políticos mais ricos não possam fazer valer a sua riqueza para o convencimento dos eleitores em favor de suas teses).
Em outros países, este acto de doação financeira pode ser considerado totalmente legal.

A corrupção política implica que as leis e as políticas de governo são usadas para beneficiar os agentes econômicos corruptos (os que dão e os que recebem propinas) e não a população do país como um todo.
A corrupção provoca distorções econômicas no setor público direcionando o investimento de áreas básicas como a educação, saúde e segurança para projetos em áreas em que as propinas e comissões são maiores, como a criação de estradas e empresas hidroelétricas.
Além disso, a necessidade de esconder os negócios corruptos leva os agentes privados e públicos a aumentar a complexidade técnica desses projetos e, com isso, agravar o seu custo. Isto distorce ainda mais os investimentos.
Por esta razão, a qualidade dos serviços governamentais e da infraestrutura diminui.
Em contrapartida, a corrupção aumenta as pressões sobre o orçamento do governo.
Em seguida, esta pressão reflete-se sobre a sociedade com o aumento dos níveis de cobrança de impostos, taxas e tributos.
Valerá a pena consultar a tabela para se ficar a conhecer as modalidades e sub-modalidades da corrupção que se vai fazendo no mundo inteiro, e também em Portugal.

É nisto, grosso modo, em que devemos pensar quando ouvimos, lemos e sabemos de certos casos em que a paleta da corrupção em Portugal é já uma mala preta recheada de cores esfusiantes e a fervilhar lá dentro.
É contra esse cancro social que o aparelho de Justiça - se Justiça houvesse em Portugal - deveria aplicar-se.
Até lá - e enquanto esses criminosos da política andam a soldo corrompendo tudo e todos para se governarem ou se manterem no poder por mais uns meses, semanas ou dias - a blogosfera - que é o instrumento mais maduro e perfeito da Word Wide Web - deverá manter-se vigilante para denunciar esses indícios que aquecem este Verão - de par com os fogos da época.
Sugira-se aos impressores de notas que passem a contemplar/estampar as imagens faciais de deputados, autarcas e demais corruptos, assim a sua imagem seria publicitada quase em directo...
Medida que talvez os inibisse de cometer mais actos de corrupção de futuro.
Talvez...
Mas pelo menos sentiriam a pressão da opinião pública em tempo real.

Oferenda a todos os corruptos que vão para a política para se servirem dela e não o País.
Pensem duas vezes: pois dantes sabiam que o aparelho de Justiça nada fazia: era laxista e cego no carreamento das provas; agora existe essa inteligência conectiva que é a blogosfera que acelera processos, troca informação comprometedora à velocidade da lux - o que poderá constituir mais um obstáculo a esses caciques de palmo e meio (alguns nem um mail sabem ainda enviar...) que estão na política Não - para atender ao bem comum - mas para jogarem o jogo da mala.
O problema é que a mala da corrupção por vezes pode lá ter dentro uma serpente que se engana e faz Justiça...
Pensem nisso srs. corruptos!! Pensem nisso!

 
At 24 de agosto de 2006 às 10:47, Anonymous Anónimo said...

AINDA A CENSURA NA RTP

Eduardo Cintra Torres estava a ser entrevistado pelo Mário Crespo a respeito do processo judicial que a RTP moveu contra o crítico de televisão.

Eis senão quando, Luís Marinho, director da estação televisiva, pede para entrar em linha e conversar directamente com o entrevistado. Cintra Torres acede ao pedido de Crespo e segue-se um lavar de roupa suja, quase tão embaraçoso como o «Fiel ou Infiel». Sobretudo para os jornalistas. Marinho acusa Cintra de não ser jornalista, como o próprio tinha afirmado minutos antes. E mais: diz que ligou para a Comissão da Carteira profissional, e os senhores atestaram que Cintra não faz parte da lista (e da lista na internet, de facto, não faz).

Sempre num tom insultuoso, nomeando o crítico do Público, como «esse senhor», Cintra faz saber a Crespo que tem carteira e mostra a dita. Sóbrio, nunca abana o cartão frente às câmaras, como Marinho tinha pedido.

A coisa vai neste ponto, altura em que o jornalista da SIC tem de pedir moderação ao director de informação da RTP quando este insinua que Cintra não é jornalista coisa nenhuma.

«A carteira do Eduardo é tão válida como a minha e a tua». Marinho pede desculpa.

Mas não explicou como vai descalçar a bota em tribunal: é que Cintra sempre alegou ter escrito um artigo baseado em fontes. Ora, Marinho quer que Cintra diga que fontes são essas que provam que a RTP recebeu ordens do gabinete de Sócrates para moderar as notícias sobre incêndios.

Querem ver que vai ser um canal de televisão a exigir que um jornalista revele as suas fontes? Conhecem lá na RTP aquela história do sigilo?

Nota: Crespo ainda aproveitou para falar da máquina judicial que é a RTP, relembrando ao de leve que ele «sabe do que fala». Recordem-se que Mário Crespo foi despedido da estação pública. Sem apelo nem agravo, regressou dos EUA. Por mão de Diana Andringa. Ele não se esquece disso. Eu também não. (nem me esqueço do Crespo em directo na TSF dizendo impropérios à senhora que o despediu de forma sumária, após anos de colaboração com o canal de televisão. Esse foi outro grande momento de rádio).

Judite

 
At 24 de agosto de 2006 às 10:47, Anonymous Anónimo said...

Só mesmo em Portugal é que um indíviduo desmerecedor de qualquer qualificação como Luis Marinho ainda é Director da RTP. Que o próprio depois da infeliz e patética performance na SIC/Notícias, onde tentou enxovalhar Eduardo Cintra Torres, não saia pelo próprio pé, até se percebe, dado o estado patológico ontem evidenciado em directo, agora que a tutela, seja na Administração da RTP, seja upstream no Governo, ainda não tenha percebido que um individiuo com as características, e o perfil , ontem evidenciadas à exaustão, por Luis Marinho não tem condições, muito menos credibilidade, para ocupar o cargo que ocupa é que já é mais preocupante. Estarmos em Agosto não justifica tudo. Ao menos que repitam a táctica do costume - que arranjem outro boy. Este nem para manter as aparências serve.

 

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