sexta-feira, 13 de outubro de 2006

AVISO À NAVEGAÇÃO

A multidão que ontem encheu as ruas de Lisboa em protesto contra a política governativa não significa necessariamente que José Sócrates tenha perdido a confiança dos portugueses. Mas deve levá-lo a pensar até que ponto os sacrifícios que o País é chamado a fazer estão a ser compreendidos como necessários, justos e equilibrados.

José Sócrates, o Governo e o PS estão folgados em todos os barómetros de opinião. Os portugueses em geral parecem subscrever o seu estilo determinado e a dureza das suas políticas. O que pode ser olhado como contraditório com a contestação que se observa nas ruas. Não será. Descontado o poder de mobilização da CGTP, por um lado, e a sedução histórica por líderes austeros, por outro, o principal foco das reformas socialistas tem sido o aparelho do Estado, a função pública: professores, médicos, funcionários judiciais, polícias... E não sendo a administração pública particularmente apreciada pela generalidade dos cidadãos, seja pelo serviço deficiente seja por beneficiar de maiores regalias do que os assalariados do sector privado, o garrote que aperta a despesa estatal corre o risco de ter uma maioria de admiradores.

Importa voltar a dizer que o Estado gasta muito mais do que produz, que é muito ineficiente e que, mais cedo ou mais tarde, há que pagar a factura. Isto é, vai ser preciso fazer mais e melhor com o mesmo dinheiro, ou, muitas vezes, com menos dinheiro. A realidade nua e crua, diagnosticada há muito é esta. Estamos numa fase de ajustamento e, obviamente, ninguém gosta de perder poder de compra, direitos ou vantagens adquiridas.

O problema, que pode fazer da grande manifestação de ontem um aviso à navegação socialista, é que não são apenas os funcionários públicos os alvos das reformas. Na saúde e na segurança social há sinais fortes de preocupação geral. O próximo Orçamento do Estado vai implicar cortes significativos em todas as áreas, com a excepção da ciência. Estão aí de novo tempos difíceis. E para os portugueses que se habituaram durante anos a pagar mais impostos sem ganhos de eficiência e serviço, a introdução de novas taxas no Serviço Nacional de Saúde só pode gerar calafrios entre os mais desprotegidos. Não é por acaso que o socialista Jorge Coelho alertava os seus pares para a delicadeza dos cortes na saúde e para o Governo retirar gorduras em outras áreas. E aqui, sem ser preciso adoptar um discurso radical, importa constatar que não têm sido os mais abastados a mostrar preocupação com as medidas do Governo... A justiça e o equilíbrio das reformas são tão importantes como a boa explicação do que se quer fazer. Nesta altura crescem as dúvidas sobre a bondade das mudanças. Não basta um discurso contra os grupos de interesses e as corporações, dizer que se faz "o que é necessário fazer". É preciso demonstrar a justiça das políticas. As sondagens são voláteis. E mesmo que a impopularidade seja um preço justo a pagar pelas reformas inadiáveis, convém não confundir determinação com altivez.


António José Teixeira

2 Comments:

At 13 de outubro de 2006 às 11:04, Anonymous Anónimo said...

O Último A Sair Que Apague a Luz

O título do cometário corresponde a um grafitti que o “anarcas” pintaram no Aeroporto de Lisboa, no distante ano de 1974, quando muitas consciências intranquilas rumaram ao Brasil, muito antes se ser fino ir bronzear as partes para as praias do Nordeste.
Foi um dos melhores momentos de humor dessa época.
Desde então nunca mais se voltou a falar de fugas colectivas para o estrangeiros, os portugueses habituaram-se ao rectângulo, e por cá têm permanecido mais ou menos felizes.

O tema da fuga, algo que desde o século XV está-nos na massa do sangue, regressou com a “fuga” de cérebros, que se tem vindo a generalizar cada vez mais aos jovens que adquirem qualificações universitárias.
Sinal dos tempos, fruto da globalização, estimulado pelo fim das fronteiras, facilitado pelas companhias aéreas de low cust, é um fenómeno novo, que voltou a espalhar muitas famílias pela Europa e mesmo pelo mundo.

Voltou a falar-se da fuga de cérebros a propósito do acordo assinado com o MIT, preocupação que na nossa história nos faz recuar aos tempos em que os comboios passavam ao largo de algumas terras alentejanas porque os latifundiários viam com maus olhos a facilitação da mobilidade da mão de obra local.
Uma idiotice, pois os nossos licenciados e o mundo de hoje nada têm que ver com os trabalhadores rurais dos montes de Montemor-o-Novo.

Ainda bem que os nossos jovens arquitectos vão os ateliers de Barcelona ou de Amesterdão onde são estimulados e podem assinar os seus projectos, em vez de serem escravos do Auto-cad nos ateliers dos nossos arquitectos bem instalados na vida.
Ainda bem que os nossos gestores vão-se doutorar nos EUA e de seguida ingressam nas financeiras Londrinas em vez de virem para os nossos bancos especializarem-se na distribuição de sacos de plástico. Ainda bem que os nossos físicos conseguem ingressar em laboratórios europeus em vez de andarem a mendigar horários incompletos em escolas preparatórias atrás do sol-posto. Ainda bem que os nossos sociólogos preferem Londres a ir vender acessos à Net do Clix para a porta da estação de Metro do Chiado.

O país optou por não ser competitivo, os nossos empresários preferem a mão de obra não qualificada e os nossos políticos apreciam mais a ignorância dos romeiros da festa do Chão de Lagoa, na Madeira, aos jovens licenciados (um voto é um voto), os corruptores gostam dos corruptíveis.
Só não faz sentido voltar a pintar nas paredes do aeroporto “o último a sair que apague a luz” porque agora não se foge para a protecção da ditadura militar, foge-se para países desenvolvidos, e duvido muito que uma boa parte das nossas elites tivessem lá o sucesso que têm tido no nosso país.

 
At 14 de outubro de 2006 às 23:03, Anonymous Anónimo said...

A sexta-feira dia 13 do Governo

As declarações do ministro da Economia, assegurando que a crise tinha acabado, foi o azar reservado para o Governo nesta sexta-feira dia 13. Com um orçamento restritivo para aprovar, com empresas a fechar, com o desemprego ainda fora de controlo a declaração do ministro das Finanças só poderá ser entendida como um momento de idiotice. A partir de agora sempre que Sócrates anunciar mais um aperto vai haver alguém que lhe recordar as declarações do ministro da Economia.

 

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