PEDRA FILOSOFAL
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
António Gedeão
(1906-1997)
In Movimento Perpétuo, 1956
2 Comments:
bela letra!
O MIT em Portugal: Ciência & Tecnologia
Quer-me parecer que com a entrada do MIT em Portugal a comunidade política e científica terá de passar a fazer um distinto com base em dois momentos: o momento pré-MIT e o momento post-MIT. Nem sequer tal deriva do facto de agora a reforma da Universidade portuguesa ter ficado mais oleada e facilitada, ajudando o governo e o ministro da pasta a impôr políticamente aquilo que se revelou impossível sem esta pressão do exterior, a fim de se ganhar economia de escala e qualidade competitiva nos curricula para competir à escala internacional.
Doravante, as propriedades e as regras do jogo burocrático-científico serão diferentes, as pessoas e as instituições serão "obrigadas" a operar mais concertadamente e não em regime de capelinhas, como é hábito em Portugal, mormente na academia. Na prática, isto significa que a lista dos players pertinentes terão de jogar novas regras do jogo que o MIT joga, sendo certo que os dados nunca são dados de uma forma definitiva: estratégias concorrentes, produção científica, mobilização intelectual e valorização de massa crítica, recrutamento, elaboração de dispositivos humanos, técnicos e tecnológicos..
Tudo agora merecerá novo empenhamento a fim de mostrar que se merece a confiança do MIT e, por outro lado, que também podemos saber produzir conhecimento puro e aplicado à ciência e à tecnologia com notórios aproveitamentos económicos e sociais por parte das pessoas e instituições, ou seja, da sociedade.
É assim que vemos a entrada do MIT em Portugal, trazendo novo know-how, novas regras e métodos de trabalho que nos obriga a abandonar velhos hábitos binários de reprodução/imitação sem qualquer noção de transferência de saber e/ou de forte inovação tecnológica útil à sociedade. Aqui as excepções são microscópicas...
É daqui que, porventura, nascerá o maior contributo do MIT em Portugal, posto que a noção de rede até então ainda era uma palavra em vão, doravante a Academia nacional terá de se habituar a trabalhar em rede, o que obriga a abrir as velhas caixas negras, já que aquilo que tomávamos por adquirido passou a ser cilindrado por novas parcerias e métodos de trabalho mais próprios do rizoma.
Então, por esta ordem de ideias, o MIT fará com que o conjunto das caixas negras portuguesas operem em rede, se entrelacem a fim de potenciar as ligações e os recursos para se engrandecerem e, assim, ganharem massa crítica e dimensão internacional. Poderá emergir daqui uma rede sociotecnológica, mais até do que científica, com vista a fazer convergir recursos e saberes sociais, económicos, científicos e técnicos para que este nosso querido Portugal se possa capitalizar, crescer, modernizar-se e desenvolver-se.
Afinal, tudo isto será político, mas antes de o ser é científico, técnico e tecnológico. Embora nunca me tivesse passado pela cabeça que o protagonista do Plano Tecnológico de Socas fosse made in EUA. Esperemos, contudo, que eles não se lembrem de exportar o G. W. Bush, é que m... dessa já cá nós temos em abundância. E esses também não se motivam em emigrar... E é pena, pois quem não desejaria um Portugal mais respirável?!
Mas atenção: o MIT não é sinónimo de milagre económico, e será desejável que no fim possamos fazer um balanço positivo. Até lá Portugal continuará com o velho tumor na cabeça, e só agora se iniciou a terapia para a sua extracção. Oxalá resulte, doutro modo não ficamos só com o tumor, mas com milhares deles - conhecidas que são as consequências que isso terá em termos de divergência de todos os indicadores de desenvolvimento humano de Portugal comparativamente às sociedades mais evoluídas da Europa.
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