sábado, 7 de outubro de 2006

O VÁCUO

A crise do Estado é geral.
Não há nada que escape e ninguém que não se queixe e se lamente.
O país não chegou aqui por acaso ou por distracção de um ou dois governos.
Foi precisa uma longa persistência no erro e um desprezo perverso pelos problemas que se iam acumulando, ou agravando, de ano para ano, como se tudo estivesse bem e no bom caminho.
Não existe um partido, um político, um ministro, um autarca que se possa considerar inocente do que se passa hoje.
O défice e a dívida são um sintoma, não são uma causa.
O regime fabricou um Estado inviável, com o dinheiro que não tinha, ou esperança de vir a ter, para cumprir promessas que sabia de ciência certa pura fantasia ou puro cinismo.
O momento do ajuste de contas, no sentido metafórico e literal, devia ser, fatalmente, duro.

Mas, coisa que de resto não surpreende, não trouxe consigo uma nova consciência da realidade. Em grande parte por culpa de Cavaco e Sócrates.
Cavaco entrou na campanha eleitoral com um tom épico e uma segurança de salvador. Não se resignava ao atraso de Portugal e parecia oferecer uma garantia e uma estratégia. Bastaram seis meses para esse milagreiro morrer.
De Belém não saiu a sombra de uma ideia, o mais vago indício de uma vontade. O Presidente só fala em prudência, cuidado e discrição.
Enquanto Sócrates, já sem a força demagógica do princípio, trata de cortar um vintém aqui e ali, sem um propósito visível ou um método constante, como quem gere uma falência certa.
Tapa buracos, não toca no essencial.

Abandonado a si mesmo, o país, coitado, anda confuso.
Não percebe o Governo, nem a gravidade da situação. Protesta quando lhe metem à bruta a mão no bolso ou, noutra veia, quer que se despeçam 200 mil funcionários públicos. Da defesa intransigente e cega do Estado-providência ao mais lunático liberalismo, nada se discute com um módico de inteligência e lógica.
É como se a sociedade portuguesa (a verdadeira, a material) no fundo não contasse.
No meio desta desordem, Cavaco e Sócrates não acham necessário abrir a boca, excepto para servir as banalidades do costume.
O vácuo ideológico e programático do poder, quase absoluto, impede evidentemente qualquer reforma substancial e durável. Se por muita sorte escaparmos desta, ficamos prontos para a próxima. Embora espremido, e dorido, Portugal não mudou.
Uma óptima oportunidade que se perdeu.

Vasco Pulido Valente

2 Comments:

At 7 de outubro de 2006 às 21:35, Anonymous Anónimo said...

A NOVA ALIANÇA DE JOSÉ SÓCRATES OU "CANTAS BEM MAS NÃO ME ALEGRAS"

Discurso de Cavaco abre espaço político a Sócrates

O discurso do Presidente da República, alertando para a necessidade de dar combate à corrupção, foi bem recebido por José Sócrates. O primeiro-ministro, que optou por não reagir publicamente ao assunto no rescaldo das comemorações do 5 de Outubro, comentou já a alocução de Cavaco junto dos seus colaboradores mais próximos, considerando que o Presidente "abriu espaço político" ao Governo com as suas declarações. Particularmente apreciado pelo primeiro-ministro, segundo apurou o DN, foi o alerta de Cavaco aos autarcas em matéria de corrupção. Palavras que não podiam ter soado melhor a Sócrates numa altura em que o Executivo enfrenta a oposição da Associação Nacional de Municípios a propósito da proposta de Lei das Finanças Locais.

"A transparência da vida pública deve começar precisamente onde o poder do estado se encontra mais próximo dos cidadãos. Nesse sentido, é necessário chamar a atenção, de uma forma particularmente incisiva, para as especiais responsabilidades que todos os autarcas detêm nesta batalha em prol da restauração da confiança dos cidadãos nas suas instituições", declarou o PR.

A necessidade de "moralizar a vida pública" e de "impor mais rigor nas autarquias" constitui prioridade absoluta do Governo. José Sócrates poderá aproveitar já a cerimónia de posse do novo procurador-geral da República (PGR), na segunda-feira, para deixar bem clara esta mensagem, numa espécie de eco da mensagem presidencial.

O Governo prepara-se para apresentar em breve um novo regime da responsabilidade penal "por comportamentos que contrariam gravemente os princípios ético-jurídicos da actividade desportiva".

As alterações ao Decreto-Lei 390/91, de 10 de Outubro - que regula esta matéria -, justificam-se, segundo fonte do Ministério da Justiça, "pela necessidade de reforçar o combate à corrupção, introduzir os crimes de tráfico de influência e associação criminosa e responsabilizar penalmente as pessoas colectivas no âmbito da actividade desportiva". É a primeira resposta concreta do Governo ao apelo de Cavaco.

"É preciso que o combate à corrupção seja assumido como um esforço a que todos são chamados, nomeadamente pelo sistema de justiça, cuja dignidade e credibilidade devem ser reforçadas perante os portugueses", declarou o Presidente da República, nas comemorações do 5 de Outubro.

Segundo Cavaco, "no combate por uma democracia de melhor qualidade devem ser convocados todos os portugueses, mas esta é uma tarefa que compete em primeira linha aos titulares de cargos públicos". Palavras que podem ser repetidas na posse de Pinto Monteiro como novo PGR, substituindo Souto Moura.

Os aplausos ao Presidente são notórios na área socialista. Até deputados conotados com a ala esquerda do PS, como João Cravinho, que foi conselheiro de Estado no mandato presidencial de Jorge Sampaio, elogiam sem reservas as palavras de Cavaco por ter tornado este tema "absolutamente prioritário", conferindo-lhe "um estatuto do mais alto relevo".

Pedro Correia
In:DN

 
At 7 de outubro de 2006 às 23:18, Anonymous Anónimo said...

Representar significa tornar visível e tornar presente um ser invisível mediante um ser publicamente presente.
Lamentavelmente, esta asserção tanto se aplica à teoria da democracia representativa como às causas actuais (e invisíveis) da corrupção, muita dela com origem politico-partidária (e por ela encoberta, e não apenas para pagar as quotas aos militantes...) pelas suas ligações à construção civil (pato-bravismo), às autarquias, à compra de legislação, à adjudicação de empreitadas entre outras "obras" caridosas...
A dialéctica da corrupção, no fundo, assenta num agente mais ou menos invisível ser pressuposto como ausente, mas não é.
Às vezes até está alí à mão de semear, sentado numa cadeirinha do partido, dormitando numa poltrona da AR burilando a próxima jogada, afinando o próximo telefonema para "sacar" algum a um empreiteiro com a "corda na garganta.."
Aqui, as modalidades corruptivas são tantas consoante a imaginação e o descaramento dos players, sempre dispostos em beneficiar-se à custa do erário público e com amputação do bem comum.
Mas para esses caciques de palmo e meio, que regra não falam enviam perdigotos para o microfone, não pensam nada conspurcam tudo, não andam arrastam-se, tudo traficando - até o O2 que respiram, - o que importa é eles saberem que há sempre um poder invisível, um Panopticon, um ser omnividente e invisível que os vê a eles.
Portanto, na teoria post-democrática do combate à corrupção que aqui propomos - o importante não é que esses pequenos corruptos e népotas de vão-de-escada vejam quem os vê;
o importante é que saibam - 24h por dia - que há alguém que os vê, ou melhor, que eos poder ver sem que estes sejam vistos.
I.é, estes corruptos que nos partidos políticos, nas empresas (privada e pública), nos sindicatos, nas ONGs, nas igrejas, nos clubes de futebol, e nas demais associações, ordens e corporações da nossa rica sociedade devem passar a ser vigiados por essa máquina destinada a dissociar a possibilidade deles "verem" e "serem vistos" para um outro binómio: quem vê (ou seja, quem vigia/as autoridades de combate à corrupção) não deve ser visto nesse novo anel periférico da estrutura daquilo que poderá formalizar o novo combate à corrupção em Portugal dinamizado por Cavaco e, muito justamente, potenciado por Sócrates.

Discurso de Cavaco abre espaço político a Sócrates

"A transparência da vida pública deve começar precisamente onde o poder do estado se encontra mais próximo dos cidadãos. Nesse sentido, é necessário chamar a atenção, de uma forma particularmente incisiva, para as especiais responsabilidades que todos os autarcas detêm nesta batalha em prol da restauração da confiança dos cidadãos nas suas instituições", declarou o PR. A necessidade de "moralizar a vida pública" e de "impor mais rigor nas autarquias" constitui prioridade absoluta do Governo. José Sócrates poderá aproveitar já a cerimónia de posse do novo procurador-geral da República (PGR), na segunda-feira, para deixar bem clara esta mensagem, numa espécie de eco da mensagem presidencial. [...]
Segundo Cavaco, "no combate por uma democracia de melhor qualidade devem ser convocados todos os portugueses, mas esta é uma tarefa que compete em primeira linha aos titulares de cargos públicos".
Palavras que podem ser repetidas na posse de Pinto Monteiro como novo PGR, substituindo Souto Moura.
Os aplausos ao Presidente são notórios na área socialista.
Até deputados conotados com a ala esquerda do PS, como João Cravinho, que foi conselheiro de Estado no mandato presidencial de Jorge Sampaio, elogiam sem reservas as palavras de Cavaco por ter tornado este tema "absolutamente prioritário", conferindo-lhe "um estatuto do mais alto relevo".

Discurso de Cavaco abre espaço político a Sócrates

Sabemos já o que são os polvos: Animais altamente inteligentes, com oito pés, com uma coroa de oito tentáculos e com forte ventosas dispostas em torno da boca sempre ávida.
O facto de não terem esqueleto não significa apenas que não tenham coluna vertebral, como certos deputados e outros agentes politiqueiros da nossa praça, traduz também a ideia que assumem uma geometria variável conseguindo sempre escapar aos seus predadores.

E quando se sentem ameaçados largam aquela tinta que mais parece a camuflagem de certos corruptos ao esconderem-se por de trás de ex-ministros (e ex-ministras) com o fito de escaparem à lei e saírem impunes pela multiplicidade de crimes e ilegalidades cometidos.

Depois todos os polvos se alimentam de peixes, assim como certos políticos se alimentam das comissões dos empreiteiros da construção civil e outros otários que entram no jogo das comissões e das luvas...

Os seus filhos já nascem ensinados, o que faz com que a corrupção aumente e se multiplique a uma velocidade inquietante.

E se nada fizermos, que sucederá?

Aí, estamos feitos.
Temos o "jogo da mala" em nossa própria casa.
Temos pernas e ventosas de polvo a entrarem-nos pela dispensa, pelo WC, pela cozinha, pelos quartos, pela sala de jantar e, se tivermos, garagem - também umas ventosas nojentas a irromperem por aí.

Levam-nos o açucar, o leite e os ovos, os sabonetes e as toalhas, a carne e o peixe, os quadros e os porta-moedas, os objectos de arte mais valiosos, o carro - se ainda o tivermos.

Ora é este "jogo da mala", título dum programa de autoria de António Sala, que eu, como cidadão, me recuso liminarmente a jogar.

Não apenas pela lesão económica privada e ao bem comum, mas também porque a quinta essência não cumprida da democracia real - por referência à democracia ideal é a da eliminação desses poder invisível, oculto e que se oculta e que em Portugal já vai fazendo mossa a cada um de nós e ao conjunto da sociedade. E isto é mau demais para (continuar) a ser verdade.

Conclusão: teremos de armadilhar a mala da corrupção em Portugal e ajudar a matar o polvo, que é o monstrinho insaciável dos novos tempos - e que terá na blogosfera mais avisada e consistente um predador à altura.

É aqui que a blogosfera se transforma no tal Panopticon que falava Michel Foucault depois de ter lido Jeremy Bentham.
Hoje estou certo que as autoridades nacionais terão de alargar esse dispositivo a outras pessoas e instituições aonde seja necessário manter a vigilância de um certo número de pessoas.

 

Enviar um comentário

<< Home