sexta-feira, 6 de outubro de 2006

O NOSSO PAÍS SERÁ UM PROVÍNCIA DE ESPANHA, E A MAIS POBREZINHA



Aquilino Ribeiro costumava dizer, ao grupo de amigos que se lhe reunia, no Café Chiado, ou na sua casa, em Soutosa, e discreteando sobre Portugal: Num futuro não muito longínquo, o nosso país será uma província de Espanha, e a mais pobrezinha. Portugal era o seu grande tema: fascínio, orgulho e temor misturavam-se no almofariz de uma prodigiosa organização de escritor, só comparável a Camilo.

Mas o autor de A Casa Grande de Romarigães não era apologista do Iberismo político-administrativo, embora manifestasse, ocasionalmente, o gosto de ser ibérico, peninsular e europeu. Contrariava as teses de alguns daqueles que respeitava e considerava: Antero, Oliveira Martins, Latino Coelho - e, até, do integralista António Sardinha, por quem denotava subtil desprezo. Todos estes partidários de uma União Ibérica, subserviente a Castela.

Aquilino entendia que as tendências hegemónicas castelhanas, nascidas da necessidade político-económica de dispor de uma orla marítima da extensão da portuguesa, absorveriam, por completo, as nossas características culturais. Além de serem uma constante fonte de conflitos - como a História no-lo tem provado.

De vez em quando, a questão vem a lume, com a importância e o significado que cada um lhe queira atribuir. Agora, numa sondagem do semanário Sol, foi divulgado que 28 por cento dos portugueses são favoráveis a uma união com a Espanha. Julgo que se desconhece a estatura intelectual, a classe, as profissões e as tendências ideológicas dos inquiridos. Talvez fosse importante, desvendar e analisar as origens do desiderato.

Acaso surgiriam revelações surpreendentes. Se tivermos em conta que dois dos apaniguados do Compromisso Portugal venderam aos espanhóis as suas empresas, podemos inferir que o individualismo, muitas vezes, altera os princípios do colectivo e as noções mais elementares de comunidade.

Fernando Piteira Santos escreveu, na famosa secção Política de A a Z, que diariamente subscrevia no Diário de Lisboa, e, ainda hoje, acervo admirável de argúcia reflexiva: O que Espanha não obteve com o montante está a consegui-lo com a economia. Nada mais certo. Sabe-se, mais ou menos, porque não se sabe tudo, que grandes empresas e companhias espanholas têm assumido um papel preponderante no jogo económico nacional. Porém, os lucros, ou parte substancial deles, são encaminhados para outros projectos transnacionais, nos quais Portugal pouco ou nada é contemplado. O capitalismo espanhol cumpre os seus objectivos. O Estado português é que não salvaguarda os interesses gerais do país.

Segundo o Sol há, pelo menos, dois milhões e oitocentos mil portugueses dispostos a mudar de camisola. Uns cuidam que vão auferir amplos benefícios de volumosos negócios. Outros, que as suas vidas vão melhorar rapidamente. Ambas as expectativas são enganosas. Seríamos a província mais pobrezinha de Espanha e, certamente, a mais humilhada e ofendida. Os exemplos recentes de anexações, assim como os históricos [Áustria, e a perda da nacionalidade por referendo], são dolorosamente significativos para que os esqueçamos ou, deliberadamente, os ignoremos.

Estamos naquela zona ambígua em que parte do País já não o quer ser, ao mesmo tempo que não pode ser aquilo que quer. A ideia de patriotismo é cada vez mais vaga e imprecisa. E Goethe cunhou uma frase terrível: O patriota é o cavalheiro da canalhice. Há um contexto político-ideológico, que ainda procura o respaldo da filosofia, e nos vai impelindo à tomada de uma consciência internacional que acompanhe o movimento do neocapitalismo globalizador. Esse programa não só nos empurra para uma espécie de metalinguagem como nos propõe a globalização como a oposição do facto inevitável ao direito ultrapassado. Todavia, a globalização não será outra coisa do que a expansão da ganância, travestida de salvação da humanidade.

Devo dizer que, para mim, este é um falso problema. Há muitos anos que sou visitante das nações de que a Espanha se compõe, amo a Galiza e a sua portentosa cultura, leio a Imprensa castelhana e alguma catalã com devoção, transporte e proveito, alimento amizades peninsulares - e dividiria o meu tempo entre Madrid, Santiago de Compostela, Barcelona e Lisboa caso houvesse para isso posses. Mas sou o chefe nominal de uma família secularmente empobrecida. E sinto-me muito bem na terra onde nasci, intelectualmente aberto a todas as expressões da criação humana, emocional e racionalmente zangado quando observo a péssima governação que temos tido, à Esquerda e à Direita. Depois, Dilectos, a Espanha já aqui está.

Se há portugueses nervosíssimos para serem espanhóis, que Deus os abençoe. Não tenho nada com isso. Estou bem onde for livre. Acontece um porém: o sistema é o mesmo, com ligeiros cambiantes. Unitário e estático, na sua forma, dispondo de uma força tumultuosa e implacável, por outro lado, o capitalismo atingiu a fase imperialista, a qual, segundo estudiosos, será a última do seu estádio. Até o seu final, o estertor atingirá proporções medonhas.

Pobreza e democracia não vão a par. E outras ameaças, essas bem reais, pairam sobre todos nós. Sob a justificação da salvaguarda da segurança, tende-se, hoje, e, mesmo, em Portugal, a limitar ou a cercear a liberdade. E há quem declare que temos de ir além do que está. Vindo de quem vem, esta pequena frase encerra um perigo ainda não enxergado. A inquietante definição não foi, nem será, noticiada, comentada, discutida na Imprensa portuguesa. Sucede o contrário no país ao lado: El Pais, El Mundo, ABC enchem páginas, aludindo ao facto de os intervenientes económicos estarem cada vez mais envolvidos no controlo de uma democracia que fornece o seu retrato deformado na propulsão mediática que só obedece à lógica do sistema, à lógica do mercado - e da falsa liberdade inculcada pela tecnologia.

B.B.

1 Comments:

At 7 de outubro de 2006 às 11:30, Anonymous Anónimo said...

Deem-me amores a patria e mais nao sei quantos. Nao perdiamos nada se nos tornassemos espanhois

 

Enviar um comentário

<< Home